“Também morre quem atira”



Estamos, mais uma vez, no meio de uma grande polêmica: o racismo em nossa sociedade. Apesar de um tema já bastante batido, nas últimas semanas está na ordem do dia por dois episódios: a morte do negro George Floyd nas mãos de um criminoso travestido de policial; e a morte do menino Miguel lá nas torres gêmeas, em um incidente fatal, aqui no Recife, uma construção que sempre foi controversa. Ambos os episódios são cheios de simbologias: patrimonialismo, escravidão, desigualdade, pobreza, corrupção e outros conceitos vem à tona. Mas, neste espaço vou falar da questão racial de forma fria, mais racional, com números e com arte.

A começar destacando que a raça é uma questão complexa, que merece atenção especial devido ao seu caráter étnico. Contudo, não vamos seguir esse caminho tortuoso, até porque se fala muito de raça negra e nada de raça branca, parecendo a primeira estar dentro de um conceito biológico especial e a segunda não ter o mesmo tratamento. Para mim, só existe uma raça e ela é a humana!

Começando com as mortes resultado de intervenção policial. No Brasil mata-se três vezes mais que nos Estados Unidos. Enquanto a taxa de mortes resultado de intervenção policial nos Estados Unidos é de 2,9 por cem mil habitantes, no Brasil esta taxa é de 7,8. Os dados são alarmantes, sim, apesar de que, do total de homicídios perpetrados no Brasil, a polícia não ser responsabilizada nem por 10% desse total. A média brasileira é de 4.055 mortes resultado de intervenção policial numa série histórica de 2013 a 2018. Nesse período, foram 24.327 mortes no país.

Quando analisamos os dados de violência geral, ou seja, as mortes violentas intencionais, que computam todas as mortes provocadas com intencionalidade, temos os negros, soma de pardos e pretos, segundo o IBGE, como as maiores vítimas dessa mortandade. São 70% dessas mortes em nível nacional e de 85% em estados nordestinos, como Paraíba e Bahia. Mesmo assim, não podemos afirmar que há um genocídio de negros no Brasil, já que a maioria desses assassinatos tem autoria de indivíduos com o mesmo perfil social e étnico da vítima (https://m.blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2019/07/20/quem-mata-os-negros-no-brasil/). Como naquela música da Banda o Rappa: “também morre quem atira”!

Quanto aos dados socioeconômicos, encontramos grandes desigualdades entre negros e brancos no Brasil. Os negros, em geral, possuem 1/3 da renda domiciliar per capita em relação aos brancos. O que é potencializado pela menor estrutura disponibilizada aos negros em relação aos brancos. Como a maioria pobre no Brasil também é negra, há menos acesso a estruturas básicas, como saneamento básico e educação de qualidade. O que pode resultar em jovens sendo recrutados ao tráfico de drogas.

Quando analisamos a distribuição da população empregada e da população desempregada no país, temos as mulheres e os negros como os que possuem os piores indicadores. Enquanto os brancos têm, em média, 33,7% de indivíduos desempregados, essa proporção praticamente dobra entre os negros, 65,4%.

Até entre pessoas com o mesmo nível de instrução, os negros apresentam desvantagens. Por exemplo, enquanto a taxa de desocupação é de 6,3% entre aqueles com o ensino superior completo de cor branca, esse dado salta para 7,4% quando o indivíduo é da cor negra.

No entanto, todas as manifestações em torno do racismo, quando excedem a urbanidade, caem no abismo da violência ilegal. As manifestações em torno da morte de Floyd já resultaram em uma dezena de outras mortes, incluindo um policial negro, muito diferente da manifestação pacífica e emocionante em torno da morte de Miguel, no Recife.

O racismo, ou preconceito de cor da pele negra/preta, como eu prefiro me referir, é uma realidade no mundo todo. Mesmo num país de forte tradição de miscigenação, como o Brasil, é notório que os negros sofrem preconceito pela sua cor de pele.

No entanto, e como dito antes, não podemos afirmar que há um plano da classe dominante branca para o extermínio dos negros através da violência. Os indicadores demonstram que a correlação forte entre cor de pele negra (soma de pretos e de pardos) com as mortes violentas intencionais não pode ser confundida com causa dessas mortes.

Boa parte da polícia é formada por homens e mulheres negros. Portanto, falar em genocídio mesmo nas mortes resultado de intervenção policial é de uma lacuna teórico-conceitual muito grande!

As mortes violentas intencionais são em sua maioria provocadas por conflitos em torno de disputa de poder dentro da criminalidade, seja nos grupos e gangues juvenis, seja no tráfico de drogas, seja nos grupos de milicianos. O homicídio aparece como um dispositivo de poder para o controle de poder dentro da criminalidade.

As causas da criminalidade violenta no Brasil são muitas e complexas, passa pelo confronto entre Estado e criminosos, o que resulta em muita morte, mas não chegando a dez por cento do total. Passando pelas causas dentro da própria criminalidade, como lacuna gerada pelo estado ineficiente em seu controle.

“Menos de 5% dos caras do local são dedicados a alguma atividade marginal e impressionam quando aparecem nos jornais tampando a cara com trapos com uma uzi na mão” essa frase da música do Rappa, mais uma vez aponta para uma realidade pouco discutida na academia, que se encontra encharcada de ideologia de esquerda. Poucos matam muito e matam seus semelhantes. Poucos se dedicam a uma atividade criminosa e muitos se dedicam a atividades “de arte, honestidade e sacrifício”.

Finalizo indicando uma análise sociológica da música do O Rappa “Hey Joe” (https://www.youtube.com/watch?v=4yS9fXaeqss), música originalmente de Jimmy Hendrix, um guitarrista negro, que foi adaptada em uma letra profunda e cheias de verdades por parte da banda brasileira de grande talento. “Também morre quem atira” é uma das frases mais enfáticas que eu já ouvi na arte que interpreta a vida real.

By JMNJR.

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