Análise sobre a mortalidade por COVID19 e seu nível de associação com a violência e a vulnerabilidade social


Por José Maria Pereira da Nóbrega Júnior – Doutor em Ciência Política pela UFPE,
Professor Associado da UFCG. Coordenador líder do NEVU.




Das vinte cidades mais afetadas pelo novo corona vírus (COVID19)[1], 7 são pernambucanas, 6 são paulistas, 3 são cariocas, uma do Maranhão, uma do Ceará, uma da Paraíba e uma do Amazonas. Metade das cidades situa-se na região Nordeste, esta que concentra mais de 40% dos homicídios do país (NÓBREGA JR., 2019) e apresenta altos níveis de vulnerabilidade social. O meu propósito aqui será analisar os indicadores de mortalidade por COVID19 medidos pelas taxas por 1 milhão de habitantes, os indicadores de violência medidos pelas taxas de homicídios que são as mortes por agressão calculadas por 100 mil habitantes, os indicadores de vulnerabilidade social segundo o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) medido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) segundo variáveis retiradas do Censo de 2010 do IBGE, nas cidades com maiores indicadores de morte por COVID19; além dessa análise, correlacionar as matrizes de indicadores para testar o nível de associação entre as variáveis. O intuito não é testar causalidade, mas averiguar os níveis de associação entre esses indicadores, analisando os dados em suas idiossincrasias.

Para isso, disponibilizarei alguns detalhes desses indicadores, começando pelo Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), depois os dados de violência e, por fim, o indicador da nossa variável dependente, o índice de mortalidade por COVID19.


“O Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), construído a partir de indicadores do Atlas do Desenvolvimento Humano (ADH) no Brasil, procura dar destaque a diferentes situações indicativas de exclusão e vulnerabilidade social no território brasileiro, numa perspectiva que vai além da identificação da pobreza entendida apenas como insuficiência de recursos monetários”[1]. (COSTA e MARGUTI, 2015: 12). Portanto, um índice multivariado importante para analisar a capacidade de gestão pública municipal.

O IVS “traz dezesseis indicadores estruturados em três dimensões, a saber, infraestrutura urbana, capital humano e renda e trabalho, permitindo um mapeamento singular da exclusão e da vulnerabilidade social para os 5.565 municípios brasileiros (conforme malha municipal do Censo demográfico 2010) e para as Unidades de Desenvolvimento Humano (UDHs) das principais regiões metropolitanas (RMs) do país”. (COSTA e MARGUTI, 2015: 12).

Este indicador tem a “pretensão de sinalizar o acesso, a ausência ou a insuficiência de alguns ‘ativos’ em áreas do território brasileiro, os quais deveriam, a princípio, estar à disposição de todo cidadão, por força da ação do Estado. Os três subíndices que o compõem – i) infraestrutura urbana; ii) capital humano; e iii) renda e trabalho – representam três grandes conjuntos de ativos, cuja posse ou privação determina as condições de bem-estar das populações nas sociedades contemporâneas”. (COSTA e MARGUTI, 2015: 12). Dessa forma, enxergo que este indicador impacta importantemente na situação da sua gestão de saúde.

Detalhando o conceito, temos:
·         Infraestrutura urbana: Percentual de pessoas em domicílios com abastecimento de água e esgotamento sanitário inadequados; Percentual da população que vive em domicílios urbanos sem serviço de coleta de lixo; Percentual de pessoas que vivem em domicílios com renda per capita inferior a meio salário mínimo e que gastam mais de uma hora até o trabalho no total de pessoas ocupadas, vulneráveis e que retornam diariamente do trabalho.
·        Capital humano: Mortalidade até um ano de idade; Percentual de crianças de 0 a 5 anos que não frequentam a escola; Percentual de pessoas de 6 a 14 anos que não frequentam a escola; Percentual de mulheres de 10 a 17 anos de idade que tiveram filhos; Percentual de mães chefes de família, sem fundamental completo e com pelo menos um filho menor de 15 anos de idade, no total de mães chefes de família; Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade; Percentual de crianças que vivem em domicílios em que nenhum dos moradores tem o ensino fundamental completo; Percentual de pessoas de 15 a 24 anos que não estudam, não trabalham e possuem renda domiciliar per capita igual ou inferior a meio salário mínimo (2010), na população total dessa faixa etária.
·         Renda e trabalho: Proporção de pessoas com renda domiciliar per capita igual ou inferior a meio salário mínimo (2010); Taxa de desocupação da população de 18 anos ou mais de idade; Percentual de pessoas de 18 anos ou mais sem fundamental completo e em ocupação informal; Percentual de pessoas em domicílios com renda per capita inferior a meio salário mínimo (de 2010) e dependentes de idosos; Taxa de atividade das pessoas de 10 a 14 anos de idade.

“Para os municípios que apresentam IVS entre 0 e 0,200, considera-se que possuem muito baixa vulnerabilidade social. Valores entre 0,201 e 0,300 indicam baixa vulnerabilidade social. Aqueles que apresentam IVS entre 0,301 e 0,400 são de média vulnerabilidade social, ao passo que, entre 0,401 e 0,500 são considerados de alta vulnerabilidade social. Qualquer valor entre 0,501 e 1 indica que o município possui muito alta vulnerabilidade social”. (COSTA e MARGUTI, 2015: 18. Cf. figura1).



O indicador de violência foi retirado do “Ranking da Violência no Brasil:  Diagnóstico Dos Dados De Mortes Por Agressão Cidades Com 100 Mil Habitantes e Mais” desenvolvido pelo Núcleo de Estudos da Violência da UFCG (NEVU).

A taxa de violência corresponde ao número absoluto das mortes por agressão resgatadas do sistema do DATASUS, mortes por agressão, da última revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), dividido pela população e multiplicado por 100 mil habitantes, ano referência 2016[1]. (NÓBREGA JR., 2019).

O indicador de morte por COVID19 foi resgatado do Brasil.io.br no qual o cálculo é executado do número absoluto das mortes identificadas por COVID19 divididas pela população e multiplicado por 1 milhão.

O método adotado foi de análise de dados descritiva com o uso de estatística básica e correlação de Pearson. Esta consiste quando dois conjuntos de dados são cruzados e se busca o efeito da associação, ou não associação, entre esses conjuntos de dados. O conjunto X é rivalizado com o conjunto Y e a correlação pode ser positiva ou negativa, entre -1 e 1.

Os dados descritivos estão expostos na tabela abaixo.


 Tabela 1. Descrição dos dados de taxa de mortalidade por COVID19, taxas de homicídios e IVS

Fontes: Brasil.io.database/ivs.ipea.gov.br/NEVU

Das 20 cidades com maior taxa de mortalidade por COVID19, a média da taxa foi de 104/milhão, com a mediana de 101,7/milhão. A maioria apresenta indicador de violência acima de 10/100 mil, portanto, fora do limite epidemiológico conforme a literatura aponta, com a média de 36/100 mil e a mediana de 42,5/100 mil. O indicador de vulnerabilidade social teve média de 0,316, portanto, entre muito baixa vulnerabilidade social e muito alta vulnerabilidade social, a média e a mediana (0,323) apontam para média vulnerabilidade social no conjunto dos dados.

A cidade mais violenta foi Santa Rita, na Paraíba, com a taxa de 75/100 mil, com indicador de morte por COVID19 de 80,5/milhão, e com IVS de 0,434 (alta vulnerabilidade social). A cidade menos violenta foi Santos, com taxa de 5/100 mil, com índice de mortalidade por COVID19 de 106,2/milhão e com IVS de 0,139, ou seja, de muito baixa vulnerabilidade.

Como encontramos dados altos de COVID19 nessas duas cidades, com respostas díspares em seus indicadores de violência e de IVS, vou fazer as correlações de conjuntos de dados para ver as respostas. Destaco, que o desvio padrão é menor entre os indicadores de IVS, sendo maior no indicador de morte por COVID19 e de violência, mostrando a constância maior entre as mortes por COVID19. (Cf. gráficos de dispersão).

Tabela 2. Correlações de Pearson | mortalidade COVID19 vs Violência | mortalidade COVID19 vs IVS | Violência vs IVS


Os dados correlacionados apresentaram os seguintes resultados:
1.       Correlação da taxa de mortalidade COVID19 com violência de 0,219, portanto, baixa correlação;
2.       Correlação da taxa de mortalidade COVID19 com IVS de 0,224, também baixa;
3.       Correlação da violência com IVS moderada para alta, 0,684;
4.       Todas com sinal positivo, ou seja, os indicadores apresentam correlação positiva;
5.       A média das correlações foi de 0,375, de toda a forma apresentando nível médio de associação;
6.       Para as Ciências Sociais níveis baixos de correlação podem ser importantes, pois apontam caminhos explicativos. A média de 0,375 mostra que os indicadores importam para o controle da COVID19.

Gráficos. com dispersão dos dados COVID19 | VIOLÊNCIA | IVS

Elaborado pelo autor com base nos dados da tabela 1.

Verificamos um out lier no gráfico do COVID19, trata-se de São Lourenço da Mata (PE) que demonstrou o maior indicador de mortalidade por COVID19 do país. Vemos que os outros dados apresentam maior uniformidade (de São Luís a Mesquita).

No gráfico de violência também há out lier, trata-se de Santa Rita, na Paraíba, que teve a taxa de 75/100 mil. Poucos indicadores abaixo de 10/100 mil com a maioria oscilando no meio do gráfico entre 30 e 60 por cem mil.

No gráfico de IVS, também temos um out lier que, não por coincidência, foi o município com maior vulnerabilidade social e maior taxa de mortalidade por COVID19, São Lourenço da Mata, em Pernambuco. Este out lier, junto com as correlações, reforçam a importância da vulnerabilidade social e da violência no comportamento das mortes por COVID19.

O desvio padrão pequeno no IVS apresenta o maior grau de aproximação entre os dados. Mas, a correlação baixa entre os indicadores de mortalidade por COVID19 e vulnerabilidade social nos aponta para a necessidade de averiguar as medidas de isolamento de cada cidade, bem como as suas estruturas de saúde pública. Não obstante isto, a média das correlações foi de 0,375, demonstrando que são indicadores importantes.

Quanto ao isolamento social, avaliando os estados dos quais essas cidades fazem parte, segundo dados do inloco.com.br para 03/05/2020, temos os seguintes números:

·         Pernambuco = 59,8%;
·         São Paulo = 56,5%;
·         Rio de Janeiro = 61,1%;
·         Maranhão = 58,6%;
·         Ceará = 59,3%;
·         Paraíba = 55,2%;
·         Amazonas = 54,6%;
·         Média = 57,8%

Portanto, a média dos dados de isolamento mostra que os estados apresentam políticas semelhantes com resultados ruins no controle do COVID19. Dessa forma, vulnerabilidade social e violência, segundo a nossa análise aqui, importam para o controle da epidemia de COVID19 nessas cidades, com o isolamento social não sendo bem-sucedido para o controle da epidemia.

Referências bibliográficas:
COSTA, Marco Aurélio; MARGUTI, Bárbara O. (2015). Atlas Da Vulnerabilidade Social Nos Municípios Brasileiros. © Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Distrito Federal.
NÓBREGA JR., José Maria da (2012). Homicídios no Nordeste. Ed. UFCG. Campina Grande. PB.
NÓBREGA JR., José Maria da (2019). Ranking da Violência no Brasil. Diagnóstico das mortes violentas nos municípios de mais de 100 mil habitantes. Relatório de Pesquisa Núcleo de Estudos da Violência da UFCG (NEVU).





[1] Maiores detalhes técnicos consultar Nóbrega Jr. (2012).




[1] Dados de 30/04/2020.

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