Desapego à democracia


Presenciamos na última sexta-feira, dia 24 de abril, ao fim da era Moro no governo de Jair Bolsonaro. Caiu como uma bomba as acusações do ex-magistrado e principal símbolo da Operação Lava-Jato que levou muitos atores políticos ao banco dos réus. Acusações essas que jogaram no colo de Bolsonaro a responsabilidade de explicar ao seu séquito o que estava acontecendo. Soou, a princípio, como um verdadeiro estelionato eleitoral, já que a vitória nas eleições de 2018 teve como principal causa as agendas anticorrupção e da segurança pública.

No domingo, dia 19 de abril, assistimos, em meio aos apelos da mídia e de boa parte dos gestores públicos para que as pessoas não saíssem de casa devido a pandemia do corona vírus, ao efusivo discurso de Jair Bolsonaro em meio a apoiadores nada democratas. Em meio aos gritos de ordem nos quais o pedido de intervenção militar ecoou com força, o Presidente da República foi ao regozijo com a plateia pouco afeita a valores democráticos.
Para haver democracia é necessário que existam democratas. Para ser um democrata, além do respeito às instituições republicanas – império da lei, accountability e responsividade – o indivíduo precisa agir democraticamente no seu dia a dia. Em pesquisa realizada pelo Latino-Barômetro, organização chilena que mede a percepção dos latino-americanos em relação aos seus regimes políticos, em 2018, demonstrou que a igreja e as forças armadas são as instituições em que mais os cidadãos confiam. Os partidos políticos e o congresso são as que menos confiam.
Entre os países analisados, o Brasil é o terceiro, de 18 países, em que os cidadãos mais confiam nas forças armadas, com 58% dos entrevistados apontando para tal confiança e, ao mesmo tempo, a sociedade que apresentou um dos menores índices de apoio à democracia, ficando a frente apenas de El Salvador e Guatemala, com apenas 34%. Numa série histórica que vai de 1995 a 2018, este último ano foi o pior. É preocupante esse desapego dos cidadãos brasileiros ao regime político democrático, o que pode explicar, em parte, os pedidos de intervenção militar.
No controle das forças armadas, da criminalidade violenta e da corrupção o Brasil apresenta grandes dificuldades. Temos hoje um gabinete ministerial com ênfase militar. O atual ministro da defesa, militar, acaba de ser repreendido pelo poder judiciário sobre uma nota no site do ministério, portanto uma nota institucional, enaltecendo o 31 de março de 1964 como sendo uma luta a favor da democracia brasileira, quando de fato o que tivemos foi um golpe de estado que instalou no país duas décadas de perseguição política e de sérias limitações de direitos civis e políticos.
É possível consolidar a democracia com tal nível de desapego aos princípios democráticos? Difícil. Para que tenhamos democracia sólida precisamos de democratas. A começar pelo seu chefe de estado. É fundamental que haja a defesa das instituições democráticas para o seu avanço. Com esse nível de desapego à democracia, percebo que o caminho é longo.
José Maria Nóbrega é cientista político.

Comentários

  1. Que análise rasa e eivada de senso comum. A democracia não tem que começar por um Chefe de Estado, mas sim, do povo, que o elege. Fosse assim, maiores as chances de um Chefe de Estado efetivamente democrata. Mas, os brasileiros ainda são amadores em Democracia. Veja-se alguns cientistas políticos, que deveriam fazer comentários isentos de suas ideologias, inclusive por serem (em tese) "cientistas".

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    1. Certo. Onde foi que eu disse que a democracia começa e onde ela termina? A discussão do texto não é teórica, é meramente empírica.
      Não há senso comum, democracia é um tipo de regime político. Isso pode ser lido em vários de meus artigos dentro e fora deste blog. Mas, a perspectiva contemporânea dela insere a necessidade de preenchimento de certos requisitos (NÓBREGA JR., 2010 https://seer.ufrgs.br/sociologias/article/view/12719) LEIA.
      Discordar, faz parte e é salutar. Mas, é necessário apontar as falhas no texto e, claro, ser mais educado!
      Cordialmente.

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