Democracia vs. Democracia
Jorge Zaverucha (especial para O Globo)*
"Sempre pairou uma zona cinzenta que poderíamos chamar de hibridismo institucional. São mantidos os ritos de uma democracia eleitoral formal que convive com enclaves e prerrogativas militares".
A democracia no Brasil está em risco? Mas, há uma democracia no Brasil? Depende de
sua concepção metodológica. Os subminimalistas inspirados em Schumpeter, diriam
que sim. Para eles, basta haver competição eleitoral livre e limpa. E isto o
Brasil possui desde 1990. Esta concepção de democracia põe em relevo as
escolhas dos governantes em vez de como exercem o poder. Tem a seu favor a
operacionalização do conceito. Onde há eleições existe democracia, onde não há,
por conseguinte, instaura-se a não- democracia (autoritarismo). É um mundo
binário. De consequências perniciosas pois reduz a democracia a um mero método.
Não leva em conta a lição de Tocqueville segundo a qual a democracia se
justifica quando favorece o bem estar do maior número de pessoas. E o Brasil é
um belo caso de “irresponsabilidade social”.
Já os minimalistas diriam haver outros indicadores
para se julgar se há um regime democrático no Brasil. Eleição seria apenas um
deles. Outros seriam, por exemplo, a violência homicida, Ceará que o diga, e um
controle civil sobre os militares federais e estaduais. Por razão de momento e
espaço, analisemos este último indicador.
Tal tipo de controle nunca houve, plenamente, desde a redemocratização
em 1985. Sempre pairou uma zona cinzenta
que poderíamos chamar de hibridismo institucional. São mantidos os ritos de uma
democracia eleitoral formal que convive com enclaves e prerrogativas militares.
Neste sentido, não se deve esperar maiores transformações democráticas, dado,
que tais instituições protegem os interesses tanto dos antigos como dos novos
atores políticos. Além, obviamente, dos seus. Este pacto informal resulta em um
equilíbrio instável e o grau de acomodação entre civis e militares varia com as
circunstancia políticas.
A novidade é que o governo passou a ser exercido por
um militar eleito pelo voto popular, mas que considera o Exército como sendo a
“âncora de seu governo”. Creio ser algo inédito na história republicana e,
quiçá, mundial. Esta frase possui muito peso político. Especialmente porque nas
pesquisas de opinião pública o Exército é a instituição de maior credibilidade
e o Congresso é muito mal avaliado. Além disso alguns ministros do STF não
podem viajar em aviões de carreira com receio de serem apupados. São instituições
que vão, paulatinamente, perdendo sua legitimidade. Isto, também, é um risco
para a democracia.
O autoritarismo puro não é a primeira preferência nem
do Presidente, Congresso ou Forças Armadas. O Presidente sabe que em caso de
golpe perderia seu emprego, pois capitão não manda em general em um regime
castrense. A não ser que houvesse um monumental racha dentro das Forças Armadas
e o levante fosse liderado por capas médias castrenses. Não há qualquer sinal
que isto possa vir a ocorrer. Vários congressistas, por sua vez, não querem ver
sua casa fechada pois seus “negócios” seriam afetados. E as Forças Armadas
parecem ter aprendido as lições de 1964. Além do mais seus interesses
institucionais vêm sendo atendidos, com generosidade, pelo atual governo e
Congresso (salários, previdência e orçamento). Sem precisar dar um tiro sequer.
Estamos presenciando uma nova onda de reequilíbrio de
forças sob o manto da democracia eleitoral. Nada que ameace romper a natureza do
atual equilíbrio instável existente, mas que alterará a dinâmica do jogo. Isto
dependerá, em grande parte, da (in)capacidade do governo em governar. Em vez de
se perder em pilhérias. Não vejo o Brasil caminhando, neste momento, para o
chavismo. Há sim ondas encrespadas que não possuem força, a curto prazo, para
parir um tsunami.
Jorge Zaverucha
é consultor da Empower Consultoria em Análise e Risco Político e doutor em
Ciência Política pela Universidade de Chicago.
* Gentilmente cedido para o Blog do Cientista Político José Maria Nóbrega
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