Prisão em segunda instância e a questão da impunidade como variável de qualidade democrática
No sistema jurídico
brasileiro a presunção de inocência está expressamente concretizada na
Constituição em seu artigo 5º, inciso LVII, no qual está proclamado que “ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Ou seja, é um direito civil básico de qualquer indivíduo brasileiro, que, no
modelo liberal de democracia, é um princípio componente dos critérios mínimos
democráticos.
Segundo o cientista político
norte-americano Rober Dahl, em Poliarquia, os requisitos para a completude do
regime político poliárquico são condições necessárias para o sucesso da
democracia. No entanto, esses princípios, ou requisitos, liberais focam no
sistema de representação, esquecendo-se do Estado em seus componentes de direitos
civis e republicanos. O cientista político argentino Guillermo O´Donnell preencheu
essa lacuna com o conceito de accountability horizontal (http://josemarianobrega.blogspot.com/2019/11/accountability-horizontal-o-equilibrio.html).
Neste, teremos o aspecto republicano como mecanismo fundamental para o controle
do ente privado (limite a liberdade), no qual o império da lei e controle
coercitivo do agente estatal são pontos nevrálgicos.
Portanto, é fundamental para
a garantia principiológica do direito básico da presunção de inocência que haja
um Estado eficiente na base que sustente a norma formal do direito positivado
na constituição.
No entanto, a falta de
eficiência do Estado em processos legais nos quais indivíduos acusados por
crimes graves, como homicídios, por exemplo, tramitam em diversas instâncias
(ou graus) em procedimentos procrastinatórios intermináveis, gerará, muito provavelmente, índices descontrolados de impunidade.
Esse problema é grave no Brasil,
país com histórico autoritário (discussão que faço em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222010000100005)
e de violência descontrolada (discussão
que faço em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782011000300005&script=sci_abstract&tlng=pt),
onde há uma conjuntura de impunidade que prejudica a qualidade da democracia (conforme
discutido por mim em http://josemarianobrega.blogspot.com/2019/10/artigo-da-anpocs-democracia-violencia-e.html).
A impunidade atinge diretamente o aspecto republicano da democracia (conforme
os ensinamentos de O´Donnell em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0102-64451998000200003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt).
O Brasil está entre os países de maior índice de impunidade, índice este
calculado pelo Global Impunity Index (2017). Este índice mede a capacidade do Estado
em seu sistema de justiça criminal e o respeito aos direitos humanos.
A prisão em segunda
instância é criticada pelos juristas garantistas, pois, de certa forma, fere o
artigo 5º em seu inciso LVII, como dito inicialmente. De outro lado, a não punição
gerada pela ineficácia do Estado no Brasil, representado em seus dispositivos
procrastinatórios, lentos, pode afetar decisivamente o aspecto republicano do
império da lei (O´DONNELL, 1998 em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0102-64451998000200003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt)
quando indivíduos com recursos investem em tais dispositivos, dando o sinal à sociedade
que o crime compensa.
Claramente precisamos de
dados empíricos para o teste causal desta hipótese. No entanto, este é um dilema
social e político que não podemos desprezar. Garantir a presunção de inocência
é um direito básico, aspecto liberal, contudo, o aspecto republicano do império
da lei também é importante para a consolidação da boa democracia.
By JMN
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