Segurança Pública e Democracia



A democracia como conceito é uma forma de governo na qual os cidadãos-eleitores escolhem seus governos em eleições livres, limpas, pluripartidárias, periódicas e institucionalizadas. Já a Segurança Pública é um bem público, bem este responsável pela manutenção da ordem pública. A nossa tarefa aqui será articular esses dois conceitos em um só: o da democracia contemporânea.

Historicamente, a manutenção da ordem pública como bem coletivo antecedeu a democracia como mecanismo de escolha de governantes. É, indubitavelmente, um dos principais, ou o principal, bens coletivos da sociedade moderna. O controle da violência e da criminalidade constitui a primeira ação estruturante do Estado moderno e reflete decisivamente na qualidade de vida das sociedades contemporâneas. Em nenhuma sociedade democrática avançada a criminalidade está em descontrole.

Como exemplo disso, é só avaliarmos as taxas de homicídios por cem mil habitantes nas principais democracias do mundo. De um total de 19 países avaliados pela The Economist Intelligence Unit (2016), o mais violento é o Uruguai com taxa de 7,7/100 mil, quando o limite do tolerável é de 10/100 mil (BANCO MUNDIAL, 2016). Ou seja, nenhuma democracia consolidada tem taxas de homicídios fora de controle.

O que caracteriza a maioria das democracias consolidadas: a consolidação de um estado de direitos que antecedeu eleições livres e limpas conforme a teoria democrática contemporânea. (SCHUMPETER, 1942; DOWNS, 1957; DAHL, 1972; O´DONNELL, 1999). Ou seja, o estado como monopólio da força e como garantidor de direitos civis básicos – conforme o conceito de propriedade privada de Locke (2014) – antecedeu o processo de escolha do povo (nação, cidadão) em eleições para o parlamento.

A insegurança pública e jurídica dos direitos civis são características, justamente, das democracias ditas falhas ou híbridas pelo The Economist Intelligence Unit (2016). No contexto latino-americano é quase a regra as falhas do estado como monopólio da força e como estrutura fundamental para o controle do conflito sem que haja derramamento de sangue. O contexto latino-americano é de carnificina em muitos de seus países, com homicídios descontrolados que atingem, sobretudo, os jovens pobres das periferias.

É como afirma o sociólogo Luís Flávio Sapori:

A proliferação da insegurança no cotidiano das relações sociais e, consequentemente, do sentimento de insegurança e medo entre os indivíduos afeta diretamente o grau de confiabilidade das autoridades governamentais, constituindo-se, inclusive, em aspecto decisivo de disputas eleitorais (...) (SAPORI, 2007: 17).

Para O´Donnell (2010), as democracias são defeituosas pois sobrevivem com eleições, mas com instituições pouco críveis a maioria de seus cidadãos. A crise política seria característica frequente dessas democracias delegativas, segundo ele, com partidos fracos e sistemas partidários frágeis que resvalam em regimes políticos com baixa qualidade e responsividade.

O mesmo autor vai apontar graves desníveis de confiança institucional em instituições que são fundamentais para a ossatura do estado democrático de direito, tais como: as supremas cortes, a polícia, a capacidade estatal em garantir igualdade perante as leis etc. O´Donnell (1999; 2000; 2010) segue caminho contrário da maioria dos cientistas políticos contemporâneos, o foco dele, como o meu também o é, antecede as eleições como meio para se alcançar a vontade do povo, o seu foco é a formação, a trajetória histórica, do estado como monopólio da força no contexto dos países latino-americanos, que também serve para entender regimes políticos instáveis caracterizados por entulhos autoritários em suas estruturas.

A democracia vista apenas pelo foco institucional eleitoral é insuficiente do ponto de vista teórico – e confirmado empiricamente – para avaliarmos a qualidade dos regimes políticos. Aí entra, decisivamente, o papel teórico da segurança pública como bem público. Uma teoria da democracia só será completa com a segurança pública compondo o seu significado conceitual.

(INTRODUÇÃO DE ARTIGO AINDA NO PRELO)

by JMN

Comentários

Postagens mais visitadas