O cinismo na Ciência Política



Por José Maria Nóbrega, comentarista político na Rádio CBN-Recife, cientista político, doutor em Ciência Política pela UFPE e professor de Ciência Política da UFCG.



Nos últimos vinte anos a Ciência Política brasileira se sofisticou. Os departamentos de CP se propagaram no país, com pós-graduações, produções de dissertações e teses premiadas e tudo o mais. Teoria e método avançaram exponencialmente e o cientista político se tornou tão quão importante os economistas e jornalistas para a interpretação do cenário político. A realidade da política nacional passou a pautar a agenda do cientista político. Interpretações baseadas em “cálculos estratégicos” dos atores políticos envolvidos na “trama” eleitoral brasileira se tornaram hegemônicas nos nossos engravatados cientistas políticos. A “emoção” da crítica à gestão se tornou secundária. Ficamos cínicos!

Cinismo, “atitude ou caráter de pessoa que revela descaso pelas convenções sociais e pela moral vigente; impudência, desfaçatez, descaramento”. Esta é a definição do dicionário do Google. Ou seja, descaso pela moral vigente, pelo republicanismo na política e pela decência do comportamento do representante. O cientista político se tornou um cínico apegado ao racionalismo estratégico e ao marketing interpretativo das pesquisas de opinião. O “dever ser” se tornou irrelevante.

Republicanismo, democracia, liberdade e etc. passaram a ser insignificantes para os cínicos novos cientistas políticos. Criticar um parlamentar ou governador de estado, nem pensar! Pode ser um potencial “cliente” do “intérprete” de cenários, do “orientador” de corruptos. Os valores democráticos não pautam a nova ciência política, ela é racional, calculadora e cínica.

A ciência política, dessa forma, trabalha contra a democracia. Esta é um regime político no qual eleitos devem ser responsivos aos eleitores. Quando os eleitos se tornam “donos do poder” e os cientistas políticos se tornam cínicos, a democracia, mesmo a eleitoral, fica ameaçada, a liberdade fica à mercê dos políticos corruptos e jornalistas são amordaçados ou demitidos de suas redações.

A Freedom House, importante órgão internacional e não governamental que analisa o nível de democracia dos países no mundo, utiliza como principal parâmetro a liberdade de imprensa e expressão para classificar os países em democráticos, parcialmente democráticos e não-democráticos. Países como Rússia, Venezuela e China são classificados como não-democráticos por não permitirem à livre-imprensa. O Brasil é classificado como parcialmente-democrático já que há lacunas na liberdade de imprensa.

O episódio recente com o jornalista pernambucano João Valadares demonstra bem o que representa essa lacuna. JV foi enfático ao criticar alguns dos gestores de Pernambuco que, como “donos do poder” que pensam ser, pressionaram os empresários de seu grupo de comunicação a demiti-lo, o que ocorreu.

Os cientistas políticos nada falaram! Nada! Nenhuma linha sobre a “capitania hereditária” de Pernambuco na qual os “donos do poder” não podem ser incomodados pelas críticas a sua gestão e representação.

A Ciência Política não pode servir apenas para analisar as estratégias mais adequadas para se alcançar o poder. Isso é cinismo. Ela tem o dever de mostrar os gargalos administrativos, a irresponsabilidade dos representantes e o autoritarismo do governo. Sem esse papel ela se afunda num cinismo sem fim!

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