Mortes violentas intencionais no Nordeste e suas conexões com os gastos em segurança pública e as apreensões de armas de fogo ilegais

Mortes violentas intencionais[1] no Nordeste e suas conexões com os gastos em segurança pública e as apreensões de armas de fogo ilegais

Por José Maria P. da Nóbrega Júnior – Doutor em Ciência Política pela UFPE, Historiador e Professor de Ciência Política e Gestão Pública da UFCG, PB, Brasil.

No Brasil, em 2016, foram 61,5 mil pessoas assassinadas no país. Dessas, 24.825 foram perpetradas na região nordeste, o que corresponde a mais de 40% dos casos registrados no país. As três maiores taxas de homicídios do país foram nordestinas: Sergipe, no topo, com 64/100 mil; Rio Grande do Norte, que proporcionou uma das cenas mais violentas da história do Brasil no início do ano, no Presídio de Alcaçuz, na Grande Natal, com um verdadeiro massacre sangrento proporcionado por facções criminosas[2], teve a segunda maior taxa de homicídios do Brasil, 56,9/100 mil; e Alagoas, que vinha no topo da lista, passou ao terceiro lugar com a taxa de 55,9/100 mil (FBSP, 2017).

Fonte: Presos ligados ao PCC usam braçadeiras feitas de pano para identificação  (Foto: Josemar Gonçalves/Reuters)

Os dados são alarmantes e as políticas públicas de segurança aparecem como efeito dissuasivo fundamental  para o seu controle. O que nos parece convincente é a falta de uma agenda regional para a segurança pública. Os crimes patrimoniais, o tráfico de drogas e estupros são crescentes na região, pouco vem sendo feito pelos governos locais e, casos de sucesso, como o Pacto Pela Vida[3] em Pernambuco, vem definhando com falta de manutenção de sua política quando da mudança de governos.

As causas da violência são variadas, podemos dizer que o fenômeno da violência é multicausal (SOARES, 2008; NÓBREGA JR., 2010; SAPORI e SOARES, 2014). Para entender o fenômeno é fundamental separar as  variáveis/indicadores que podem impactar na violência e fazer testes mais robustos do ponto de vista da estatística. Realizar diagnósticos e indicar caminhos é fundamental para o policymaker da segurança pública (LIMA ET AL, 2015). No entanto, o que temos visto no Nordeste é um amadorismo eloqüente e a falta total de tomadas de decisão baseadas em estudos sérios da violência e dos aspectos sociais, culturais, institucionais e econômicos que a circundam.

A presente análise busca fazer um pequeno exercício em torno de duas variáveis/indicadores já considerados clássicos nos estudos sobre violência e segurança pública. A literatura que trata da ênfase nos investimentos do Estado na política de segurança pública já aponta para a importância de tais investimentos em defesa civil (policiamento e defesa), inteligência e demais subfunções ligadas às atividades de policiamento. Há, praticamente, uma certa unanimidade em torno de políticas que apontem suas atenções para a retirada de circulação de armas de fogo (CERQUEIRA, 2014).

Neste ínterim, irei testar o nível de associação entre os gastos/investimentos públicos em segurança pública e as apreensões de armas de fogo ilegais em relação às mortes violentas intencionais perpetradas nos nove estados nordestinos.
A hipótese da presente análise aponta para a ação do Estado (de seus tomadores de decisão) na política pública de segurança e se esta tomada é importante do ponto de vista do controle da violência homicida.

Não se está querendo dizer aqui que apenas duas variáveis são suficientes para a avaliação da política pública dos governos na área da segurança pública. Mas, apenas, testar a hipótese e verificar o seu nível de influência.
O presente paper tem como proposta empírica fazer, inicialmente, uma pequena revisão teórica expondo, de certa forma, o estado da arte dos estudos sobre segurança pública e violência no Brasil. Posteriormente, numa seção metodológica, explicar o método de análise da pesquisa. Em seguida, será abordado o modelo estatístico em seus resultados e demais conexões causais em relação à teoria aqui empreendida. Finalmente, a conclusão, com os principais argumentos em torno de estudos que apontem caminhos para a melhoria da segurança pública no país e, em específico, no Nordeste.

O estado da arte dos estudos sobre segurança pública no Brasil

Há uma vasta gama de conceitos e teorias que trabalham com a questão da violência e da segurança pública no Brasil. Muitas áreas vêm lançando esforços em entender e diagnosticar as causas da violência e os caminhos a serem seguidos pela segurança pública brasileira. No entanto, destaca-se a Sociologia como disciplina mais preocupada com os dois problemas de pesquisa (NÓBREGA JR., 2017).

O foco desta pequena análise do estudo da arte será nos trabalhos efetuados mais com o caráter econômico e da administração pública.

Lima, Sinhoretto e Bueno (2015), elaboraram um estudo sobre a gestão da violência e da segurança pública no Brasil contemporâneo. Relacionaram a insegurança pública e o crescente da criminalidade a má qualidade da democracia brasileira, ou seja, ao mau funcionamento das suas instituições políticas.

Para Lima ET al (2015) o maior problema da segurança pública é a falta de gestão na administração de conflitos, que o estado prioriza os conflitos que são gerados por patrimônio do que aqueles resultantes de crimes contra à vida. “A análise progressiva do campo estatal de administração de conflitos aponta a ausência de relevância institucional em exercer a gestão da violência contra a vida” (IDEM, 2015: 137).

Azevedo, Riccio e Ruediger (2011) enveredaram por uma análise na qual as estatísticas como ferramenta de interpretação da realidade passa a ser instrumento fundamental para o profissionalismo da atividade policial. Seu estudo é uma revisão bibliográfica sobre policiamento comunitário e preventivo com o uso de estatística para a ação policial na prevenção e repressão ao crime e à criminalidade (GOLDSTEIN, 1979; WILSON e KELLING, 1982).

O artigo desses autores buscou promover uma reflexão sobre o uso das estatísticas criminais pelos profissionais da segurança pública como fonte de informação, planejamento e avaliação das ações na gestão pública da pasta. A utilização da informação no planejamento da atividade policial é questão de fundamental importância, pois está atrelada a mudanças de comportamento e de atuação da polícia, já que baseada em inteligência (AZEVEDO ET AL, 2011: 10).

Para Azevedo ET AL (2011) a articulação entre informação e inteligência seria ponto nevrálgico para o bem sucedido implemento da política pública de segurança. Na qual, além da introdução de instrumentos metodológicos de inteligência avançada, com o uso de softwares sofisticados e análise de dados, o gerenciamento de pessoas seria outro fator decisivo, já que há, em algumas experiências relatadas pela literatura, problemas de convivência entre policiais de rua (patrulheiros) e aqueles que trabalham diretamente com a estatística criminal e na produção de boletins que serão utilizados para a formatação das metas a serem seguidas por aqueles.

Batella e Diniz (2010) empreenderam um interessante estudo sobre a Geografia Espacial do Crime em Minas Gerais. O trabalho explorou a distribuição espacial dos crimes contra a pessoa e contra o patrimônio, analisando os condicionantes desta criminalidade, utilizando técnicas estatísticas multivariadas.

Baseados numa pequena literatura, os autores elencaram uma série de variáveis independentes para o teste daquelas condicionalidades. Outrossim, efetuaram georeferenciamentos que traçaram a distribuição espacial dos crimes em Minas Gerais. Confirmando o arcabouço teórico do seu trabalho, os autores concluíram que os crimes contra a vida têm uma tendência a ser mais perpetrados em áreas economicamente deprimidas, enquanto os crimes contra o patrimônio são mais recorrentes em regiões mais ricas, onde o espaço de oportunidades são mais atrativos para os criminosos (BATELLA e DINIZ, 2010: 161).

Resende e Andrade (2011) desenvolveram um robusto estudo econométrico avaliando o impacto da desigualdade de renda nas taxas de criminalidade em grandes municípios brasileiros. Aplicaram modelos estatísticos e econométricos de alto nível de complexidade no teste de variáveis independentes socioeconômicas – que buscam medir a desigualdade e pobreza – em relação a variáveis criminais – homicídios, latrocínios, estupros e roubos. Com o uso de banco de dados oficiais os autores empreenderam sua análise.

O ponto de partida teórico foi da Escolha Racional dos estudos seminais de Becker (1968) e  Ehrlich  (1973). Os dois trabalhos partem do pressuposto que os indivíduos fazem um cálculo estratégico em suas ações. O indivíduo estaria mais propenso a prática de delitos e crimes em contextos nos quais a desigualdade de renda, as taxas altas de desemprego e, por sua vez, os níveis altos de pobreza, influenciariam negativamente no ato criminoso (NÓBREGA JR., 2015).

A tabela 1 à página 184 sumariza as variáveis e seus desvios padrão e coeficiente de variância estatística. As variáveis que apresentaram maiores coeficiente de variância foram: densidade demográfica, % de domicílios com mulheres chefes de família, renda per capita, % de pessoas com renda per capita abaixo de R$ 75,50, taxas de homicídios pelo SIM, presença de guarda-municipal, qualidade da guarda-municipal, qualidade da PM, taxas de homicídios SENASP e taxas de roubos de veículos.
Os resultados do teste de hipótese levaram a seguinte conclusão:

“O nível de pobreza e a desigualdade de renda são as variáveis com um maior grau de distinção entre crimes contra a pessoa e crimes contra a propriedade. A pobreza está positivamente correlacionada com os homicídios, mas negativamente com praticamente todos os demais tipos de crimes. A desigualdade de renda é positiva e significativa na associação com os crimes contra a propriedade, mas tem efeito ambíguo sobre os crimes contra a pessoa: positivamente associada aos homicídios, mas neutra em relação às lesões, estupros e tentativas de homicídio. Importante destacar a magnitude do coeficiente da desigualdade de renda para os crimes de roubo e furto, implicando uma variação de quase quatro pontos percentuais para cada ponto de aumento do coeficiente de Gini” (RESENDE e ANDRADE, 2011: 187).

Sabe-se que as variáveis e indicadores socioeconômicos não tiveram a associação prevista na região Nordeste. Indice de Desenvolvimento Humano, Renda per capita, percentual de jovens com ensino fundamental completo, Gini, taxa de mortalidade infantil, percentual de pobres e extremamente pobres, dentre outros indicadores, mostraram melhoria expressiva em mais de quinze anos consecutivos sem, no entanto, existir conexão causal com a violência, em sua maioria indicando relação positiva dos dados com crescimento explosivo dos homicídios (NÓBREGA JR., 2012).

Lima ET AL (2016) propõe uma revisão na reforma da estrutura de segurança pública e justiça criminal brasileira. Para os autores, o modelo vigente é inadequado para a conjuntura democrática e dos direitos humanos. Com base na literatura especializada e nos artigos constitucionais a respeito, os autores buscaram redesenhar as instituições de segurança pública no intuito de fornecer subsídios aos tomadores de decisão da área.

Os autores inicialmente fazem um levantamento, um panorama, da criminalidade e da segurança pública no país. Destaca que os gastos públicos em segurança representam 1,3% do PIB brasileiro o que equivale ao mesmo que é gasto em países que controlam as taxas de criminalidade e, portanto, falta de investimento na pasta não é o problema da insegurança pública encontrada hoje no país.

Pereira-Filho ET AL (2008) elaboraram um sofisticado estudo no intuito de medir o nível de eficiência dos serviços públicos em segurança nas Unidades Federativas do Brasil. Baseado em estudo econométrico robusto, os autores empreenderam a sua análise num modelo de fronteiras estocásticas em dados de painel (2001-2006) visando analisar o custo-eficiência dos serviços de segurança pública de competência dos entes subnacionais (estados e DF).

De início, o estudo apresentou que a maioria dos estados defrontou-se com crescimento nas taxas de mortalidade violenta no período 1999-2006, o que aponta para a necessidade de respostas regionais para esse problema. Evidenciou-se ainda a expressiva heterogeneidade existente entre os estados, seja em termos de recursos financeiros, humanos ou mesmo de práticas de gestão.

Evidenciou-se ainda que as condições de urbanização impactam diretamente nos custos do setor de segurança e que ambientes com mercados de drogas ativos acarretam níveis elevados de ineficiência em custos, já que esse tipo de ilícito fomenta uma série de outras atividades criminosas tais como roubos, execuções e poder paralelo. A boa alocação dos recursos judiciais, policiais e penitenciários representa uma solução plausível na promoção de melhores índices de eficiência nos custos e sua relação com a eficiência dos serviços públicos de segurança (PEREIRA-FILHO ET AL, 2008).

Seguindo o que outros estudos sobre criminalidade e segurança pública apontaram a relação entre pobreza, nível educacional e um maior número de jovens na população não são relevantes estatisticamente para explicar a ineficiência do serviço público de segurança (SAPORI e SOARES, 2014; PEREIRA-FILHO ET AL, 2008).

Outro resultado importante foi que os gastos e investimentos feitos pelo governo federal não implicam em melhor resultado na eficiência do serviço que o nível de eficiência de um estado está mais ligado a um conjunto de boas práticas de gestão do que aos recursos aos quais este estado tem acesso (PEREIRA-FILHO ET AL, 2008).

Madeira e Rodrigues (2015) empreenderam estudo, tendo como base a Administração Pública e o estudo de Políticas Públicas, sobre os desafios institucionais do governo federal na área da Segurança Pública desde Fernando Henrique Cardoso. O foco dos autores foi
“compreender o papel da União em matéria de segurança pública como indutora de políticas públicas nos últimos 10 anos, por meio da reprodução de um modelo de sistemas de políticas públicas que, à luz de outros setores como a saúde e a assistência social, vêm construindo experiências de coordenação de políticas, em movimentos de formulação, pelo ente federal, de programas que serão implementados por estados e municípios” (MADEIRA e RODRIGUES, 2015: 4-5).

Os autores analisaram o PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) do governo federal. Com a descentralização política dos entes federados no que tange à política publica de segurança, o intuito foi investigar o direcionamento da policy da segurança nos entes estaduais e, sobretudo, os municipais. Metodologicamente:

“o artigo é uma tentativa de sistematizar resultados de investigações que tiveram o processo de implementação do Pronasci como foco, especialmente no estado do Rio Grande do Sul. Foram realizadas análises legislativas e documentais, observação participante, entrevistas com gestores, articuladores, coordenadores de projetos e público-alvo da política, especialmente em territórios vulneráveis, como os de implantação dos Territórios de Paz” (MADEIRA e RODRIGUES, 2015: 5).

Os autores apontaram detalhadamente os rumos do PRONASCI e suas intenções como mecanismo gestor da segurança pública brasileira. Apesar do foco do Programa ser a prevenção da violência, as políticas de repressão tiveram maior ênfase nas ações pontuais dos entes federados. Outro aspecto do Programa foi o seu excesso de atores sociais e de instituições, o que gerou dificuldade na gestão da pasta em muitas unidades federativas.

Não obstante as dificuldades encontradas, os autores demonstraram certa efetividade do Programa Nacional de Segurança em alguns entes federativos, como no caso específico da Região Metropolitana de Porto Alegre, lócus da pesquisa de campo dos autores. Nesta realidade, o Pronasci terminou gerando bons frutos, segundo os autores, sobretudo na formação educacional dos jovens em regiões de risco (MADEIRA e RODRIGUES, 2015).

Carvalho e Silva (2011) empreenderam análise sobre o Estado da Arte da segurança pública no Brasil contemporâneo e os desafios enfrentados pela sociedade democrática brasileira em relação a sua participação nos processos decisórios das políticas públicas em segurança. Também efetivaram algumas considerações em torno dos programas nacionais de segurança pública, sendo eles: Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), implementado a partir do ano 2000, e do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), estruturado em 2007.

Na exposição dos autores, citando Salla (2003), o PNSP “compreendia 124 ações distribuídas em 15 compromissos que estavam voltadas para áreas diversas como o combate ao narcotráfico e ao crime organizado; o desarmamento; a capacitação profissional; e o reaparelhamento das polícias, a atualização da legislação sobre segurança pública, a redução da violência urbana e o aperfeiçoamento do sistema penitenciário”. No entanto, o plano não era claro quanto aos recursos utilizados e as metas reais a serem alcançadas (CARVALHO E SILVA, 2011: 63).

Já no que tange a esfera de atuação do governo Lula, foi criado o Sistema Único de Segurança Pública que buscava contemplar uma ampla gama de atuações, contudo, excluindo o sistema carcerário, ou a política penitenciária, do escopo daquelas ações. No linguajar dos autores: “Estabelecer ações integradas no campo da segurança pública sem que o sistema prisional, receptor dos resultados de ações policiais ou judiciais, dominado em alguns estados pelo crime organizado, esteja contemplado, significa limitar as possibilidades de atuação” (IDEM, 64).

O Pronasci, criado em 2007, buscava justamente preencher aquela lacuna. O referido programa apresentou um olhar multidisciplinar em relação à política pública de segurança. Entrava em cena a perspectiva além do operacional, buscando uma relação mais próxima com o cidadão na construção de uma política pública de segurança com participação popular nos seus processos decisórios. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) foram vislumbradas como resultado dessa transformação na atuação da política nacional de segurança pública. De toda a forma, o Pronasci necessita de atuação constante da sociedade civil organizada para surtir efeito prático (CARVALHO E SILVA).

Soares e Cerqueira (2015), utilizaram uma proxy de difusão de arma de fogo para substituir empiricamente a variável independente “disponibilidade de arma de fogo” para testar o impacto do Estatuto do Desarmamento[4] em relação às taxas de mortes provocadas por arma de fogo (variável dependente). O gráfico apresentado na página 82 do referido artigo, demonstra estanque da tendência de crescimento das taxas de mortes provocadas por arma de fogo no Brasil a partir de 2003/2004.

Não obstante as grandes dificuldades metodológicas na análise dos parceiros Gláucio e Daniel, “entre 1980 e 2003 (ano da sanção do ED), o número de homicídios por arma de fogo aumentou de 6.104, para 36.576, em 2003, um aumento médio de 8,36% a cada ano. Já em 2013 o número de homicídio chegou a 38.578, um aumento anual de 0,53% ao ano, no período pós-estatuto” (SOARES e CERQUEIRA, 2015: 84).

Os autores afirmaram que, de 2004 a 2013, mais de 121 mil pessoas seriam mortas a mais no país se não fosse o ED. No entanto, Soares e Cerqueira terminam o artigo dizendo que as “análises não possuem o rigor científico que nos permitiria afirmar que foi somente o ED o responsável pela mudança da escalada dos óbitos por armas de foto que assolava o país desde 1980”.

Método de análise da pesquisa

As variáveis da pesquisa serão os números absolutos de mortes violentas intencionais (mvis), as taxas de mvis por cem mil habitantes, as variações percentuais das taxas de mvis, as variações percentuais dos gastos públicos em segurança e as variações percentuais das apreensões de armas de fogo ilegais. Dados resgatados do banco de dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2017), conforme as suas notas técnicas de tabulação dos dados.

A variação percentual das taxas de mvis é a variável dependente do estudo, ou variável Y (variável controle, ou seja, a que se pretende controlar).

As variáveis de percentuais de gastos e de apreensões de armas de fogo ilegais são as variáveis independentes, ou variáveis X1, X2 (variáveis utilizadas para controlar os mvis, o que se pretende controlar).

Utilizaremos o modelo de Correlação de Pearson, ou seja, o coeficiente de correlação de Pearson (ou bivariada simples), que mede o grau de correlação e direção da correlação − se é positiva ou negativa − entre duas variáveis X e Y.

O coeficiente de correlação de Pearson é definido como: 



 

Sejam x1, x2, ..., xn  os valores de um conjunto de medidas em indivíduos i = 1, ..., n.
Sejam y1, y2, ..., yn  as outras medidas correspondentes. 

A análise correlacional indica a relação entre duas variáveis lineares e os valores sempre serão entre +1 e -1. O sinal indica a direção, se a correlação é positiva ou negativa, e o tamanho da variável indica a força da correlação. Ele quantifica a força de associação linear entre duas variáveis, e, portanto descreve quão bem uma linha reta se ajustaria através de nuvem de pontos.

No caso de estudos em Ciências Sociais, uma correlação, positiva ou negativa, superior a 0,2 já pode ser considerada de importante nível de associação (GUROVITZ, 2017).

Resultados e discussões

Na tabela 1 estão expostas as variáveis do estudo. As mortes violentas letais intencionais em números absolutos para os anos de 2015 e 2016, bem como suas taxas por cem mil habitantes e variação percentual no período. Também estão expostas as variáveis independentes das variações em gastos públicos em segurança e apreensão de armas de fogo ilegais.

Na tabela também estão as correlações bivariadas entre variação percentual das taxas de mvis e gastos públicos em segurança pública e mvis com as apreensões de armas de fogo. Os resultados são: R=-0,149 (MVIs correl gastos) e R=-0,417 (MVIs correl apreensão de armas de fogo ilegais).

Tabela 1. Mortes Violentas Intencionais em números absolutos e em taxas por cem mil habitantes – Variação percentual das taxas de mvis 15/16 – Variação % gastos em segurança pública 15/16 – Variação percentual apreensão de armas de fogo ilegais 15/16 – Correlação da variação % das taxas de mvis com a variação dos gastos em segurança pública – Correlação entre a variação % das taxas de mvis com a variação % das apreensões de armas de fogo ilegais
NORDESTE
mvi ab 2015
mvi ab 2016
tx mvi 15
tx mvi 16
var % 15-16 taxas mvis
var % gastos seg pub 15-16
var  % apreensão ar fog ile 15-16
correl var % mvis x var % gastos
Alagoas
1.808
1.877
54,1
55,9
3,30%
-9,39%
11,20%
-0,149
Ceará
4.130
3.566
46,4
39,8
14,20%
-3,28%
-22,40%
correl var % mvis x var % apre
Paraíba
1.502
1.322
37,8
33,1
-12,60%
13,04%
35,10%
-0,417
Pernambuco
3.889
4.479
41,6
47,6
14,40%
-0,23%
-87,40%
Piauí
673
704
21,0
21,9
4,30%
181,80%
93,70%
Rio Grande do Norte
1.659
1.976
48,2
56,9
18%
21,50%
48,40%
Maranhão
2.280
2.342
33,0
33,7
2%
10,80%
126,90%
Sergipe
1.286
1.449
57,3
64,0
11,50%
-3,76%
-7,50%
Bahia
6.273
7.110
41,3
46,5
12,80%
2,50%
8,80%
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Ouvidoria de Polícia da Bahia; Polícia Civil do Distrito Federal; Polícia Militar do Sergipe; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Dados de gastos/despesas com segurança pública do Ministério da Justiça. Gastos com defesa civil, inteligência e demais subfunções. Correlações do autor.

De acordo com a literatura aqui  exposta, ambas variáveis demonstraram correlação com sinal negativo, ou seja, nível de associação com a variável dependente (MVIs) na qual a variação percentual dos dois indicadores, gastos e apreensão de armas, se mostraram importante para a redução das taxas de homicídios entre 2015 e 2016, com maior ênfase as apreensões de armas de fogo ilegais.

Isso fortalece o estado da arte aqui exposto, principalmente na ênfase que se dá ao papel do Estado como condutor fundamental da política pública de segurança nos estados nordestinos.

Gráfico 1. Variação percentual das taxas de mvis
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O gráfico 1, demonstra que apenas a Paraíba apontou para a redução dos mvis entre 2015 e 2016 em mais de 10% de redução nas suas taxas por cem mil/habitantes. Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará, Bahia e Sergipe como elevados percentuais de crescimento de um ano para o outro.

No gráfico 2, apesar de crescimento dos gastos na maioria dos estados, Ceará e Sergipe com variações percentuais negativas, Piauí como um out lier[5], apenas a Paraíba mostrou redução nos mvis no período, por isso o R da correlação foi baixo, apesar de mostrar nível de importância estatística.

Gráfico 2. Variação percentual dos gastos em segurança pública 2015/2016
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O gráfico 3, demonstra que a maior parte dos estados nordestinos efetuaram mais apreensões de armas de fogo ilegais no período analisado sem, conduto, a maioria apresentar redução nos mvis. No entanto, o recuo de investimentos nesta ação por parte de estados que apresentaram níveis altos de crescimentos dos mvis (Ceará, Pernambuco e Sergipe), elevou a importância da variável no nível de associação estatística.

Gráfico 3. Variação percentual das apreensões de armas de fogo ilegais 2015/2016
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Do ponto de vista da hipótese lançada, mostra-se fundamental para a política da segurança pública os gastos em defesa civil, inteligência e demais subfunções da segurança somados as apreensões de armas de fogo ilegais. O recuo dos gastos bem como da política de retirada de circulação de armas de fogo ilegais, mostraram níveis importantes de associação com o crescimento das mortes violentas intencionais nos estados nordestinos.

Conclusão

Mostra-se fundamental para as políticas públicas em  segurança a análise dos dados e, por sua vez, a produção de diagnósticos precisos sobre tais dados para o bom gerenciamento da pasta nos estados nordestinos.

O Brasil é um país extremamente violento, a região nordeste é a mais violenta do país. No entanto, pouco é efetuado em termos de políticas públicas de segurança com inteligência nos estados da região. Sergipe, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco com elevações consistentes das mortes violentas intencionais entre 2015 e 2016 preocupam. A Paraíba foi o único estado da região a apresentar redução das mvis com -12%.

O estado da arte sobre os estudos da violência e da segurança pública mostra avanço nos últimos dez anos. Mais estudos com o uso da estatística e da inferência causal são alvissareiros para a área. No entanto, ainda são pouco influentes na gestão da política pública de segurança no país (LIMA ET AL, 2016).

O resultado da pesquisa aqui em tela demonstra a importância do investimento em segurança pública e a atuação dos órgãos coercitivos do Estado na apreensão de armas de fogo ilegais como caminhos que precisam ser robustecidos para o sucesso da política pública de segurança no nordeste brasileiro.

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[1] “A categoria Mortes Violentas Intencionais (MVI) corresponde à soma das vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora (em alguns casos, contabilizadas dentro dos homicídios dolosos, conforme notas explicativas). Sendo assim, a categoria MVI representa o total de vítimas de mortes violentas com intencionalidade definida de determinado território. O número de policiais mortos já está contido no total de homicídios dolosos e é aqui apresentado apenas para mensuração do fenômeno” (FBSP, 2017).
[2]Na penitenciária de Alcaçuz, presos se articularam para batalha” ACESSO EM 15/11/2017:
http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2017/01/na-penitenciaria-de-alcacuz-presos-se-articularam-para-batalha.html
[3] Programa do governo para a segurança pública lançado em maio de 2007, tinha como principal meta a redução dos CVLS (Crimes Violentos Letais e Intencionais) em 12% ao ano. Foi relativamente bem sucedido até 2013, quando conseguiu reduzir a criminalidade violenta em mais de 35% (ZAVERUCHA e NÓBREGA JR., 2015).
[4] Lei 10.826/2003 que regula a porte e posse de arma de fogo no Brasil.
[5] A retirada do Piauí desta variável não comprometeu o modelo de correlação, sem o Piauí o R=-0,133.

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