CAMPINA GRANDE E A VIOLÊNCIA HOMICIDA
Desigualdade social e de renda, pobreza e a violência homicida em
Campina Grande, Paraíba: analisando os indicadores socioeconômicos e seu
impacto na violência
José
Maria P. da Nóbrega Júnior[1]
A violência é um mal
que atinge as populações latino-americanas de forma mais enfática. Nos últimos
quinze anos, países como Honduras, Venezuela, El Salvador, Guatemala, México e
Brasil viram os seus indicadores de homicídios, no mínimo, dobrarem. O Brasil é
destaque na região concentrando 12% dos homicídios do globo. A região nordeste
do Brasil, desde 2006, apresenta o maior número absoluto de assassinatos com
taxas bem acima do tolerável. Nessa região, a Paraíba apresenta crescimento
linear e contínuo nos últimos anos quando alcançou o seu pico, em 2011, com
1.640 óbitos por agressão no Estado. Campina Grande, uma de suas principais
cidades em termos populacionais e socioeconômicos, é destaque entre os mais de
220 municípios paraibanos. Hoje, a sua taxa de homicídios supera os 40 por cem
mil habitantes e, dentre 54 cidades nordestinas que concentra mais da metade
dos óbitos por agressão ocorridos em mais de 1.700 municípios, encontra-se na
18ª. posição, em 2015, quando ocorreu 169 assassinatos.
Na literatura sobre
as causas e conseqüências da violência, há uma grande gama de trabalhos que
buscam relacionar os aspectos sociais e econômicos com o crescimento ou
decréscimo da criminalidade violenta. Desigualdade de renda, pobreza, baixo
crescimento econômico, falta de qualificação profissional, dentre outros
indicadores, estariam na raiz do crescimento da violência, em específico daquela
tentada contra a pessoa humana (NÓBREGA JR., 2015; CERQUEIRA E LOBÃO, 2004).
O presente artigo busca
medir justamente o impacto de algumas variáveis independentes de caráter
socioeconômico e que, de certa forma, mensurem os níveis de desigualdade e
pobreza em relação ao fenômeno da violência homicida em Campina Grande. O
método de análise é quantitativo com o uso de estatística descritiva avaliando
os dados e buscando interpretá-los a luz da literatura especializada.
Os homicídios em Campina Grande
Observando o gráfico abaixo,
percebe-se claramente a tendência positiva na evolução das taxas de homicídios
por cada grupo de cem mil habitantes campinenses. Entre 2000 e 2010, com uma
redução entre 2000 e 2001, a maior parte do tempo demonstra crescimento linear
e contínuo em suas taxas por cem mil habitantes. O gráfico também demonstra que
depois de 2008 a linha se torna mais expressiva.
Gráfico
1. Taxas de Homicídios em Campina Grande – 2000 a 2010
Fonte:
SIM/DATASUS. Cálculo das taxas do autor.
Em 2000, a taxa de
homicídio foi de 29,8 e em 2010 esta taxa aumentou para 48,5, ou seja, com um
incremento percentual na ordem de 38,6%. A cidade se tornou mais violenta e menos
segura.
Explicando os indicadores sociais
De acordo com a
literatura especializada (NÓBREGA JR., 2015; CERQUEIRA E LOBÃO, 2004),
trouxemos alguns indicadores para servir de variáveis independentes para a
avaliação que se pretende, ou seja, medir o impacto dos indicadores
socioeconômicos de pobreza, desigualdade e desempenho econômico na violência
homicida em Campina Grande.
São eles:
Mortalidade
infantil: Número de crianças que
não deverão sobreviver ao primeiro ano de vida em cada 1000 crianças nascidas
vivas.
Expectativa de anos de Estudo: Número médio de anos de estudo que uma geração de
crianças que ingressa na escola deverá completar ao atingir 18 anos de idade,
se os padrões atuais se mantiverem ao longo de sua vida escolar.
Taxa de Analfabetismo - 18 anos ou mais:
Razão entre a população de 18 a 24 anos de idade
que não sabe ler nem escrever um bilhete simples e o total de pessoas nesta
faixa etária multiplicado por 100.
Taxa de Frequência Bruta ao Médio: Razão entre o número
total de pessoas de qualquer idade frequentando o ensino médio regular seriado
e a população na faixa etária de 15 a 17 anos multiplicado por 100. As pessoas
frequentando a 4ª série do ensino médio foram consideradas como tendo concluído
esse nível de ensino.
Percentual de pessoas com 18 anos ou mais com fundamental completo: Razão
entre a população de 18 anos ou mais de idade que concluiu o ensino
fundamental, em quaisquer de suas modalidades (regular seriado, não seriado,
EJA ou supletivo) e o total de pessoas nesta faixa etária multiplicado por 100.
Gini: Mede o grau de desigualdade existente na
distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a
renda domiciliar per capita de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1,
quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda). O
universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares
permanentes.
Percentual de extremamente pobres: Proporção dos indivíduos com renda domiciliar
per capita igual ou inferior a R$ 70,00 mensais, em reais de agosto de
2010. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios
particulares permanentes.
Percentual de pobres: Proporção dos indivíduos com renda domiciliar
per capita igual ou inferior a R$ 140,00 mensais, em reais de agosto de
2010. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios
particulares permanentes.
Renda Per Capita: Razão entre o somatório da renda de todos os
indivíduos residentes em domicílios particulares permanentes e o número total
desses indivíduos. Valores em reais de 01/agosto de 2010.
Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal: Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal. Média geométrica dos índices das dimensões
Renda, Educação e Longevidade, com pesos iguais.
Taxa de Desocupação 18 anos ou mais: Percentual da população economicamente ativa (PEA)
nessa faixa etária que estava desocupada, ou seja, que não estava ocupada na semana
anterior à data do Censo, mas havia procurado trabalho ao longo do mês anterior
à data dessa pesquisa.
Os dados foram resgatados do Atlas de
Desenvolvimento Humano, ano 2013. Os anos da análise são os de 2000 e 2010,
conforme os censos efetuados pelo IBGE, o que refletiu, também, na série histórica
dos homicídios em tela.
A variável dependente são as taxas de
homicídios por cem mil habitantes calculadas em cima dos números absolutos de
mortes por agressão resgatadas do banco de dados do Sistema de Informação de
Mortalidade do SUS (Sistema Único de Saúde).
Discussão e Resultados
A violência homicida é um fenômeno
multicausal e pode estar relacionado a várias possibilidades, tanto sociais,
como econômicas, tanto culturais, como institucionais (NÓBREGA JR., 2010).
O nosso objetivo aqui é avaliar o
impacto descritivo dos indicadores socioeconômicos na violência homicida em
Campina Grande, Paraíba. Busca-se testar a hipótese na qual níveis altos de
desigualdade social e de renda, pobreza e falta de qualificação profissional,
sobretudo dos mais jovens, impacta no comportamento dos dados homicídios como
referência (Proxy) de violência.
Tabela 1. Dados socioeconômicos e violência homicida em Campina Grande - sua variação percentual – 2000/2010
CAMPINA GRANDE
|
|||
2000
|
2010
|
var %
|
|
Taxa homicídio
|
29,8
|
48,5
|
38,56
|
Mortalidade Infantil
|
32,57
|
17,3
|
-88,27
|
Expectativa de anos de Estudo
|
8,88
|
9,69
|
8,36
|
Taxa de Analfabetismo - 18 anos ou
mais
|
18,26
|
12,39
|
-47,38
|
Taxa de Frequência Bruta ao Médio
|
67,5
|
76,29
|
11,52
|
% de 18 anos ou mais com fundamental
completo
|
41,38
|
57,44
|
27,96
|
Gini
|
0,62
|
0,58
|
-6,90
|
% de extremamente pobres
|
12,07
|
5,02
|
-140,44
|
% de pobres
|
33,44
|
16,34
|
-104,65
|
Renda Per Capita
|
449,24
|
630,03
|
28,70
|
Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal
|
0,601
|
0,721
|
16,64
|
Taxa de Desocupação 18 anos ou mais
|
17,65
|
10,53
|
-67,62
|
Fontes: Atlas de Desenvolvimento Humano (2013) | SIM/DATASUS. Cálculo
das taxas de homicídios e das variações percentuais do autor.
Em Campina Grande a desigualdade social
e de renda, a pobreza, diminuíram com o aumento da renda e maior distribuição
da mesma. No entanto, as taxas de homicídios aumentaram em quase 40% no período
2000/2010.
O destaque vai para os indicadores de pobreza
com -47,3% de variação percentual na taxa de analfabetismo, -140,4% no
percentual de pessoas extremamente pobres e de -104,6% no de pessoas em
situação de pobreza.
O indicador de concentração de renda
caiu em -7%, com quatro pontos negativos no índice de GINI. A renda per capita saltou em 28,7% em dez anos
com a taxa de desocupação da população jovem reduzindo em -67,6% no comparativo
2000/2010.
Os indicadores de educação, expectativa
de vida ao nascer, anos de estudo e frequência escolar todos tiveram
considerável melhoria.
Defendo a hipótese na qual a ingerência
do aparato de segurança pública está no cerne do crescimento da violência no
nordeste brasileiro. Baixa eficiência da polícia e do sistema de justiça
criminal, não respondendo a demanda de mais crimes em meio ao crescimento
econômico e a melhoria da renda, nos parece mais coerente em termos de força
explicativa (NÓBREGA JR., 2010; 2012; SAPORI e SOARES, 2014).
Em termos da hipótese que se buscou
aqui avaliar, somos do entendimento de que a melhoria na qualidade de vida das
pessoas em Campina Grande, com o aumento e distribuição da renda, maior
inserção dos jovens na escola, redução expressiva dos mais pobres, não foram
fatores explicativos para o crescimento dos homicídios na cidade agrestina da
Paraíba.
Conclusão
Os dados de violência são independentes
dos indicadores sociais e econômicos. O que pesa na evolução da violência são
as políticas públicas em segurança. O investimento feito pelo Estado em
políticas sociais são importantes para o aumento da igualdade social, que é
fundamental para o avanço da democracia. Porém, sem segurança pública os
direitos individuais ficam a mercê da criminalidade, principalmente quando a
riqueza se torna mais distribuída e os pobres, menos pobres.
A pequena análise aqui em tela mostra
ao gestor municipal que, independentemente das melhorias na renda e na
escolaridade dos cidadãos, sem segurança pública e um sistema legal eficiente,
dificilmente os homicídios são controlados. O crescimento da violência em
Campina Grande, no período entre 2000 e 2010, ocorreu sem que os problemas
sociais mais graves a afetasse de forma direta.
Bibliografia
CERQUEIRA, D. R. C. e LOBÃO, W. A. J.
L. (2004), “Determinantes da Criminalidade: Arcabouços Teóricos e Resultados
Empíricos” in Dados – Revista de
Ciências Sociais, Vol. 47, nº 2, pp. 233-269.
NÓBREGA JR., José Maria (2010), Os Homicídios no Brasil, no Nordeste e em
Pernambuco: dinâmica, relações de causalidade e políticas públicas. Tese de
Doutorado. 271 f. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE.
NÓBREGA JR., José Maria (2012), Homicídios no Nordeste. Dinâmica, relações
causais e desmistificação da violência homicida. ED.UFCG. Campina Grande,
Paraíba, Brasil.
NÓBREGA JR., José Maria (2015), “Teorias
do Crime e da Violência: Uma Revisão da Literatura”. BIB, São Paulo, n. 77, 1º semestre de 2014 (publicada em dezembro
de 2015), pp. 69-89.
SAPORI, L. F.; SOARES, G. A. D. (2014),
Por que cresce a violência no Brasil. Ed.
PUCMINAS. Belo Horizonte.
[1] Professor Adjunto IV da
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Paraíba, Brasil. Doutor em
Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE.
Coordenador do NEVU – Núcleo de Estudos da Violência da UFCG. Pesquisador do INCT-InEAC/UFF.
Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFCG.
Lotado no Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA), na Unidade
Acadêmica de Gestão Pública, Campus de Sumé, PB. Brasil. E-mail: jmnobrega@ufcg.edu.br
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