O semi-autoritarismo venezuelano



José Maria Pereira da Nóbrega Júnior – Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande, PB. Brasil.


Marina Ottaway[1] definiu semi-autoritarismo como a combinação de um sistema eleitoral da democracia representativa com a aceitação de uma retórica liberal, a existência de algumas instituições formais da democracia e o respeito a uma limitada esfera de liberdades civis e políticas. Na qual a elite política não se interessa no avanço e consolidação do regime político democrático. O regime seria um sistema que mantém a aparência institucional da democracia, mas com reduzida capacidade institucional e baixíssima accountability horizontal. Ou seja, uma democracia eleitoral que serve de fachada para a manutenção de estruturas autoritárias em suas instituições.

Para  Ottaway, a Venezuela teve o seu processo de democratização interrompido pela ascensão do semiautoritarismo populista. A Venezuela seria uma democracia em decadência. O pacto entre as elites de finais da década de cinquenta sofreu forte degeneração com a introdução do bolivarianismo chavista.

Desde a tentativa de golpe que Hugo Chavez provocou em 1992, a extensão da decadência democrática do país era visível. A democracia estava sob ataque não apenas por parte de um presidente com fortes tendências populistas e autoritárias, mas também por parte de seus adversários. As instituições democráticas não tinham mais como fornecer uma estrutura capaz de conter e regulamentar a concorrência pelo poder no país. Ou seja, as instituições democráticas responsáveis pelo controle do poder (checks and balances) já não conseguiam manter o dispositivo eleitoral funcionando a contento.

A Venezuela era considerada uma democracia consolidada. Desde o retorno dos direitos civis em 1958, a Venezuela era considerada um oasis de estabilidade política, no ponto de vista dos analistas estadunidenses. As transições político-eleitorais sob o ponto de vista da democracia schumpeteriana se dava com frequência e estabilidade. Os observadores internacionais viam a democracia venezuelana como consolidada e estável. Havia experiência de muitas eleições multipartidárias com alternância de partidos no poder.

No entanto, a desconfiança na política democrática passou a ser um problema no país. O suporte à democracia foi se erodindo. Algumas pesquisas demonstravam que boa parte dos cidadãos venezuelanos, depois da tentativa de golpe de estado em 1992, passou a expressar preferências por sistemas políticos não democráticos.

O pacto político de Punto Fijo, que instalou uma democracia política elitista/consensual, foi responsável pela introdução da democracia eleitoral na Venezuela, isso em 1958. Os dois principais partidos políticos, Acción Democrática (AD) e o partido democrático-cristão Comité de Organización Política Electoral Independiente (COPEI), estabeleceram o monopólio do poder na Venezuela, se mantinham no controle da máquina pública. Contudo, nos anos 1980 a corrupção e as políticas neoliberais criaram insatisfação no bojo da sociedade venezuelana, abrindo espaço para grupos radicais de esquerda.

Hugo Chavez criou o “Movimento Bolivariano Revolucionário 200” (MBR-200). A principal crítica do movimento era voltada contra a corrupção do governo de Carlos Andrés Perez. Em 1992, como dito, Chavez liderou uma tentativa de golpe de estado, na qual foi mal sucedido. Em 1998, com o desgaste do puntofijismo, Chavez foi eleito presidente da Venezuela tendo por parte da sociedade, principalmente dos mais pobres, esperança em resolver os  terríveis problemas socioeconômicos resultado da corrupção e das medidas neo-liberais do governo Caldera.

Há um sério risco em se analisar regimes políticos democráticos apenas pelas instituições promotoras do processo eleitoral. Esse risco se encontra na lacuna que os analistas geralmente deixam ao não se reportar ao funcionamento do Estado como promotor do equilíbrio entre os poderes. Enquanto o bipartidarismo pactuado funcionou na Venezuela, a maioria dos analistas políticos afirmou, sem maiores preocupações, que o país vivia plena atividade democrática.

Contudo, na década de 1980 já era visível o risco que a democracia corria no país andino. O seu sistema político se degenerou de uma democracia pactuada em seu pluralismo limitado em um sistema semi-autoritário, no qual o poder foi exercido cada vez mais fora das instituições. Os dois partidos do pacto entre as elites não foi capaz de corrigir as grandes desigualdades internas e se viu envolto em vários problemas de corrupção.

As eleições de 1993 produziu, desde o Pacto de Punto Fijo, uma nova distribuição das cadeiras no parlamento. Até então, AD e COPEI produziam a maioria dos parlamentares, a exemplo das eleições de 1988 na qual obtiveram 93% das cadeiras. Nessa nova distribuição, a AD ficou com 23,6% das vagas, a COPEI 22,7% e o partido La Causa Radical (La Causa-R), ficou com 21% das cadeiras.

Em 1998, Chavez chegou ao poder com 56% dos votos contra 39,9% do seu opositor pelo COPEI, Rafael Caldera. A queda dos dois principais partidos foi maior do que nas eleições de 1993. A maioria chavista se consolidava no parlamento e um novo rumo para a Venezuela se desenhava a partir daquele momento.

O semi-autoritarismo venezuelano foi se fortalecendo na era Chavez. A democracia foi praticamente destruída em seu movimento de equilíbrio e  negociação entre os partidos que lhe é tão característica.

O GOLPE DE CHAVEZ

Após assumir o cargo em fevereiro de 1999, Chavez emitiu um decreto chamando um referendo para aprovar a eleição de uma Assembleia Constituinte, a ser realizada em abril daquele ano, e abriu um confronto com a Suprema Corte, tomando a posição de que esta assembleia constituinte poderia dissolver o Congresso e, portanto, atuar como um poder legislativo provisório. O referendo produziu a maioria de 92% a favor de uma Assembleia Constituinte, embora menos de 40 % dos eleitores tenham participado do pleito. A Asamblea Nacional Constituyente (Assembleia Constituinte), eleita em julho, foi dominada por delegados pró-Chavez. Em agosto, este corpo declarado um "legislative emergency" se auto-nominou poder supremo da nação, assim, reduziu o poder do Congresso e, também, ameaçou de demitir juízes na reforma do Poder Judiciário. Eventualmente, um nomeado congresillo substituiu o Congresso eleito no período de transição. Um verdadeiro golpe institucional!

A constituição resultante disso, ratificada em dezembro de 1999, expandiu os poderes  do presidente, criando um regime político semiautoritário no qual os poderes legislativo e judiciário se tornaram reféns do executivo. As modificações resultantes estenderam o mandato presidencial, centralizaram expressivamente o poder nas mãos do presidente ferindo o sistema de freios e contrapesos.

O sucessor de Chavez, Nicolás Maduro, persegue os opositores com as regras do semiautoritarismo venezuelano. As Forças Armadas e as polícias dão cobertura as ações déspotas do governo, no qual os direitos básicos são constantemente violados. As liberdades liberais clássicas há muito tempo deixaram de ser garantidas à oposição política. Esta sofre constante perseguição e prisões de seus líderes são executadas a revelia do estado de direito. Os princípios poliárquicos foram rasgados pela ordem semiautoritária vigente, somado a isso a corrupção do governo centralizador, a economia em frangalhos, uma inflação incontrolável, miséria, fome e violência descontralada. O futuro da Venezuela é incerto, tenebroso. O que temos de certeza é que a ascensão do semiautoritarismo bolivariano não tem dia para acabar!



[1] OTTAWAY, Marina (2003). Democracy Challenged. The rise of semi-authoritarianism. Carnegie Endowment for International Peace. Washington, D. C.

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