A tirania da violência
José Maria Pereira da Nóbrega
Júnior – Professor de Ciência Política da Universidade Federal de Campina
Grande, PB.
Alexis de Tocqueville é um dos
principais pensadores políticos da modernidade. Sua Obra Prima, “Democracia na
América”, é uma referência obrigatória para quem se debruça nos estudos sobre
política e poder. Um dos principais conceitos desta obra fundamental é o de tirania
da maioria. Tocqueville assevera:
“Quando
vejo concedidos o direito e a faculdade de tudo fazer a uma potência qualquer,
seja ela povo ou rei, democracia ou aristocracia, exercida numa monarquia ou
numa república, afirmo: está ali o germe da tirania” (TOCQUEVILLE, De la Démocratic em Amérique; 1840:
299).
Tirania da maioria, ou da
minoria, seria o caminho de um sistema político no qual não há limites ao poder
do príncipe, ou seja, ao poder de quem governa (independente de quem governa,
se povo, aristocracia ou um rei). A tirania levaria a tomadas de decisão que
não levam em consideração à liberdade, a não ser a liberdade do déspota.
Ao observar a realidade do
Brasil, sobretudo do Nordeste e Pernambuco, penso que o conceito de tirania da
maioria elaborado por Tocqueville pode ser readequado para um contexto no qual
a violência, que é a falta da política, prepondera como mecanismo de resolução
de conflitos. Resultado de um estado falimentar das instituições políticas, a
violência cresce quando a tirania de grupos criminosos toma espaço maior que o
reservado as instituições estatais.
No contrato social o indivíduo
dispensa parte de sua liberdade para a garantia de sua vida e de suas posses.
Isto está na perspectiva liberal clássica lockeana. O Estado assume as rédeas do
controle social, já que no estado de natureza o que impera é o conflito sangrento
(muito bem representado pelo conceito hobbesiano de estado natural).
Os direitos naturais dos
indivíduos só podem ser sustentados através de um contrato social no qual o
Estado político-civil assume o controle dos conflitos gerados no estado de
natureza, superando-os através de instituições políticas razoavelmente isentas
e equilibradas que assumirão o papel de árbitro justo das querelas sociais.
Quando tais instituições
falham, seja do ponto de vista técnico, ou são corrompidas por atores políticos
criminosos/corruptos, o Estado de Direito fraqueja levando indivíduos
estimulados a prática de crimes a passar por cima da liberdade dos outros,
agindo, na maioria da vezes, de forma violenta.
As instituições do Estado
brasileiro falham constantemente no controle da violência. Falham por
incapacidade técnica e pela corrupção de alguns de seus agentes. Nessa falha, os
grupos criminosos passam a agir na lacuna do Estado, muitas das vezes assumindo
o seu papel (de forma tirana, claro!). Tais grupos passam por cima da
liberdade, ameaçando a já frágil democracia brasileira.
O crescimento desenfreado da
violência não pode ser visto como algo tolerável só porque o conflito faz parte
da natureza humana. Este crescimento é resultado da falência institucional, da incapacidade do Estado em manter todos em respeito, corrobora para a tirania da
violência promovida pelos grupos de criminosos e rompe o contrato social que
está na base do Estado Liberal, este que antecede o próprio conceito de
democracia representativa contemporânea.
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