MORTE LENTA DA DEMOCRACIA?
Jorge Zaverucha
Fui aluno do notável cientista político argentino Guillermo O´Donnell. Diante da delicada situação política do país, duas de suas contribuições atormentam-me. Primeiramente, O´Donnell afirmou que as democracias podem sofrer de morte rápida (i.e., golpe de estado), ou de morte lenta. Isto aconteceria quando suas instituições vão ficando, paulatinamente, mais rôtas. Podemos dizer que a (semi)democracia brasileira caminha para a morte cerebral de suas instituições embora ainda não tenha entrado, formalmente, em óbito? Esta situação morto-vivo pode perdurar por vários anos ou desaparecer repentinamente.
É verdade que, ao contrário de outros tempos, o Ministério Público e a Polícia Federal nunca estiveram tão atuantes. Alerto: somente para os crimes de colarinho branco. E grandes empresários e minoria de políticos estão sendo encarcerados. Todavia, não sabemos se o Presidente virará réu no STF por corrupção, e os Presidentes da Câmara e Senado estão às voltas com a Justiça, assim como um terço do Congresso Nacional. Desde o início da Nova República o brasileiro vem perdendo a confiança em suas instituições políticas. Estas são consideradas cínicas e afastadas dos interesses gerais da população. Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer – uns mais outros menos – são sintomas deste mal estar político que, lentamente, mas, perigosamente, corrói as instituições.
O STF perdeu grande parte de sua credibilidade. Não é mais possível repetir o bordão: “decisão do STF não se discute, cumpre-se”. Pois decisão sua já não foi respeitada. Atual ministro declarou que o Brasil se parece com a “Organização Tabajara”. Já outro ministro advogou para um partido político e, também, serviu ao “capitão do time”. Mas mesmo assim, foi aprovado tanto pelo Senado como pelo Presidente da República. E etc. Outros ministros boquirrotos adoram falar fora dos autos. De preferência ante holofotes televisivos, antecipando seus votos. Os três pilares de Montesquieu estão, seriamente, abalados.
Em segundo lugar, O´Donnell escreveu sobre as zonas marrons. Estas seriam áreas em que o Estado não chega seja na sua dimensão burocrática, legal ou ideológica. De marrom, tais áreas passaram a ser quase negras. Retrocesso. Mais de 60.000 pessoas são assassinadas por ano; e o braço armado do estado, a Polícia, é impotente para conter esta tragédia. E pior, boa parte da população percebe a polícia como o inimigo a ser batido. E se sentem mais seguras participando de grupos ilegais como o PCC e Comando Vermelho. A “mexicanização” do país é algo visível ali no horizonte. A situação de nossos presídios que o diga. É lá que se vê, com nitidez, a relação entre Estado e crime organizado. Cada vez temos menos regras e valores que induzam a um comportamento pacífico entre todos nós.
*Jorge Zaverucha é Doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago e Professor do Departamento de Ciência Política da UFPE.
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