Determinantes da violência no Nordeste IV

José Maria Pereira da Nóbrega Júnior - Professor Adjunto IV da UFCG, Doutor em Ciência Política pela UFPE. 



A discussão sobre armas e crime está na ordem do dia. Há uma vasta literatura que trata do tema defendendo a tese na qual onde há menos armas, menos crimes são perpetrados, sobretudo contra a vida. Do outro lado, e em menor proporção, há autores que defendem a tese na qual, não necessariamente, onde há mais armas de fogo disponível, existirão mais vítimas. Nessas poucas linhas, objetivo analisar estatisticamente a validade da Lei Federal 10.826/2003 – conhecida como Estatuto do Desarmamento (ED) – no que tange a sua eficácia no controle e/ou redução da violência homicida, com foco específico nos estados da região Nordeste.

O intuito aqui é avaliar o impacto do ED nos seus resultados pretendidos. Utilizei como proxy para medir o efeito dissuasivo desta lei as apreensões efetuadas pela polícia por porte/posse ilegal de armas de fogo. Busco medir o nível de correlação entre o dispositivo legal e os homicídios perpetrados por arma de fogo na região Nordeste.

Baseado numa ampla discussão teórica e empírica construí uma hipótese para melhor ilustrar a problemática a ser testada aqui:

H1: O Estatuto do Desarmamento, como efeito dissuasivo, foi eficiente do ponto de vista estatístico para a redução/controle dos homicídios provocados por arma de fogo no Nordeste.

No que diz respeito às taxas de homicídios por arma de fogo, temos que, entre 1996 e 2003 o crescimento foi de 41,8% nas taxas. Entre 2003 e 2011, sete anos após a entrada em vigor do ED, o aumento foi de quase 60% nas taxas de homicídios provocados por arma de fogo. Entre 1996 e 2003 foi de 6% ao ano. Depois de implementado o ED até 2011 o crescimento anual foi de 8,5%, 41,6% maior no comparativo ano a ano do período anterior a entrada em vigor da Lei.

Tabela 1. Estatuto do desarmamento[1] e homicídios[2] no Nordeste
Estados
2012 hom
2012 ED
2013 hom
2013 ED
Var. % hom
Var. % ED
Alagoas
2.046
224
2.144
249
4,57%
10,04%
Bahia
5.938
337
5.055
436
-17,47%
22,71%
Ceará
3.841
3.394
4.449
3.783
13,67%
10,28%
Maranhão
1.775
409
2.149
362
17,40%
-12,98%
Paraíba
1.525
1.607
1.545
1.017
1,29%
-58,01%
Pernambuco
3.326
2.405
3.098
2.848
-7,36%
15,55%
Piauí
525
34
595
70
11,76%
51,43%
R. G. Norte
1.123
62
1.438
97
21,91%
36,08%
Sergipe
879
302
961
378
8,53%
20,11%
Fonte: Ministério da Justiça/Departamento Penitenciário Nacional – Depen; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE; Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O Estatuto do Desarmamento foi criado no intuito de maior controle no acesso as armas de fogo e munição. O espírito da lei seria diminuir a violência praticada por arma de fogo com o objetivo central de controlar os altos índices de homicídios no país. Soares e Cerqueira (2015) argumentaram em torno da sua eficácia afirmando que o mesmo “salvou mais de 121 mil pessoas” nos últimos dez anos (2003/2013). Contudo, a região Nordeste não aproveitou a oportunidade gerada pelo ED ou não efetuou adequadamente as apreensões necessárias.

Observando a tabela acima, percebemos que apenas Bahia e Pernambuco apresentaram aprisionamento de pessoas por porte ilegal de armas (crimes ligados ao Estatuto do Desarmamento – ED) com redução dos homicídios. Na Bahia foi reduzido em -17,4% os homicídios com o crescimento de 22,7% na apreensão de armas entre os anos de 2012 e 2013. Em Pernambuco, foi reduzido em -7,3% os homicídios com crescimento de 15,5% nas ditas apreensões para o mesmo comparativo.

O Ceará apreendeu 3.783 indivíduos por porte ilegal de armas em 2013 com variação percentual de 10,2% de um ano para o outro nas apreensões, mas os homicídios apresentaram percentual de crescimento de 4% no mesmo comparativo.

Para o teste da hipótese proposta, vou fazer uma correlação matricial para verificar o nível de associação entre as variáveis ED e homicídios. Utilizarei como ano base o ano de 2013, os dados de homicídios em números absolutos e os dados de apreensão de armas, também em números absolutos (cf. descrição na tabela 01).

A correlação busca encontrar relação entre duas variáveis X e Y[3], uma dependente e a outra independente. O R da correlação é o coeficiente de Correlação de Pearson. A correlação é direta quando o R > 0, e é inversa quando o R < 0. Quando o R = 0 não há correlação, ou seja, a correlação é nula. Correlações entre 0,03 e 0,35 são consideradas fracas, o mesmo ocorrendo com as negativas (menor que zero). Para que haja significância na correlação entre variáveis, o R deve ser maior que 0,35.

Correlacionando as duas matrizes (colunas), o resultado do R da Correlação foi de 0,561, ou seja, houve um nível moderado e/ou médio de associação entre as variáveis.

Para o teste da hipótese aqui proposta, o ED não foi eficiente completamente, como também não foi totalmente ineficiente, o que nos indica que, para a boa performance da lei é importante o desenho das políticas públicas de segurança que levem em consideração outros aspectos além das apreensões. A correlação, apesar de média/moderada, mostra que o ED é importante como política pública de controle da violência, sobretudo a homicida, na região Nordeste.

Bibliografia:


SOARES, Gláucio A. D. e CERQUEIRA, Daniel (2015). Estatuto do desarmamento: um tiro que não saiu pela culatra. Insight Inteligência. ANO XVII, Nº 68. Pp-79-86.




[1]  Inclui os itens Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Permitido, Disparo de Arma Fogo, Posse ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito, Comércio Ilegal de Arma de Fogo, Tráfico Internacional de Arma de Fogo (FBSP, 2014).
[2] Dados de mortes por agressão do Datasus/Sim.
[3] As variáveis X e Y são as variáveis dependentes e independentes do estudo. Neste caso, X são os homicídios e Y as apreensões, conforme a descrição na tabela 01 para os dados de 2013 nos nove estados da região Nordeste.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas