DÉFICIT DEMOCRÁTICO
DÉFICIT DEMOCRÁTICO
(artigo originalmente publicado na Coluna de Opinião do Jornal do Commercio, Recife).
Jorge Zaverucha
José Maria Nóbrega Júnior
Juliano Domingues da Silva
Espera-se que democracia seja mais do que eleições. Em
última instância, trata-se de qualidade de vida. Nesse sentido, como vai o
Brasil? Dados de dois relatórios divulgados nos últimos dias podem ajudar a
responder à pergunta.
Análise do The
Economist Intelligence Unit (EIU) 2015
aponta uma América Latina estagnada em termos de democratização. Problemas de
cultura política, participação, governança, criminalidade e corrupção têm se
mostrado barreiras ao processo de consolidação democrática na região. O
relatório detecta insatisfação e frustração por parte do eleitorado em relação
à classe política como um todo, resultado da percepção de que a corrupção e a impunidade
são generalizadas.
Nesse contexto, o Brasil perdeu sete posições em comparação
ao ano anterior e ficou em 51o no índice de democracias. O estudo
cita o chamado Petrolão, menciona a prisão de membros do PT e destaca o
processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff como fatos relevantes. Com
nota 6,96, o Brasil continuou no grupo das chamadas flawed democracies (democracias imperfeitas).
A EIU assim denomina
países em que, apesar do baixo grau de participação política e problemas de
governança, há eleições livres e justas, bem como respeito a liberdades civis
básicas. Foram nesses dois últimos aspectos que o Brasil atingiu suas maiores
notas (9,58 e 9,12, respectivamente).
Entretanto, rankings dessa natureza são controversos.
Afinal de contas, as liberdades civis básicas são respeitadas no Brasil? O
alarmante número de 60 mil pessoas assassinadas por ano, 40% na região
Nordeste, e a superlotação carcerária, para citar somente dois exemplos, já não
seriam indícios suficientes para fragilizar esses resultados?
Não há resposta simples para esses questionamentos. Relatório
2016 da Human Rights Watch reforça,
porém, a necessidade de fazê-los. Em sua 26a edição, o documento criticou
o País em várias áreas. Em segurança pública, por exemplo, o relatório destaca
o aumento em 40% do número de pessoas assassinadas por forças policiais em
comparação a 2014. Por que as análises de qualidade da democracia da EIU e de
outras instituições não levam em conta como os países tratam suas populações?
Há ressalvas, ainda, no quesito liberdade de expressão. O
risco de criminalização de movimentos sociais via lei antiterrorismo em debate
no Congresso e a violência contra profissionais da imprensa foram alvo de
críticas. O estudo faz referência ao assassinato de ao menos sete jornalistas e
blogueiros em 2015 após denunciarem casos de corrupção.
Os registros de violência contra lésbicas, gays, bissexuais
e transgêneros na Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos também integram o relatório
da Human Rights Watch no item
orientação sexual e identidade de gênero. Somente na primeira metade de 2015,
foram contabilizados 522 casos de agressões dessa natureza.
Mesmo sob uma perspectiva minimalista da democracia, eleições
e pluripartidarismo são condições necessárias porém não suficientes para uma
democracia sólida. Democracia seria tudo isso e muito mais.
Seria um bem em si mesmo, cujos processos promoveriam o bem
estar do ser humano, liberdade individual, segurança, equidade e resolução
pacífica de conflitos. Entendendo esses pressupostos como verdadeiros, como
está o Brasil?
Jorge Zaverucha, José Maria Nóbrega Júnior e Juliano Domingues da Silva
são, respectivamente, cientistas políticos da UFPE, UFCG e Unicap.
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