A história dos homicídios em Pernambuco


Por José Maria P. da Nóbrega Júnior – Doutor em Ciência Política pela UFPE, Professor Adjunto III da UFCG e Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da UFCG (NEVU).

Entre 1990 e 2015, foram assassinadas 95.830 pessoas no Estado de Pernambuco. Em 1990, Pernambuco tinha 7.031.080 habitantes, segundo estimativa do IBGE. Neste ano, foram assassinadas 2746 pessoas. A taxa de homicídios por cem mil habitantes foi de 39 por cem mil. As Nações Unidas consideram como tolerável os 10 homicídios por cem mil habitantes. Quando esse dado supera os 10 por cem mil habitantes, considera-se em situação de endemia homicida, ou de descontrole da criminalidade violenta. Em Pernambuco, em 1990, o Estado já apresentava esta situação com quase quatro vezes superior ao tolerável. Para que Pernambuco se mantivesse no limite do tolerável, o número de homicídios não poderia ultrapassar os 700 óbitos por agressão naquele ano.

Em 2015, Pernambuco teve a população estimada em 9.345.173. Ocorreram neste ano, 3891 assassinatos (quando no máximo deveria ter sido 934), quando a taxa foi de 41,6 – taxa que podemos considerar a atual, pois estamos no início de 2016. Ou seja, passados vinte e cinco anos ainda mantivemos a taxa de homicídios no patamar do início da década de noventa. O Estado de Pernambuco não consegue controlar os homicídios mantendo-os no patamar de 10 por cem mil habitantes desde o início da década de noventa, não obstante tentativas de governos em investir mais em segurança pública.

Gráfico 1. Taxas de Homicídios (mortes  por agressão) – Pernambuco – 1990/2015*



Fontes: SIM/DATASUS/SDS-PE/NEVU. * os dados de 2014 e 2015 são da SDS-PE

Observando o gráfico acima vemos que, de 1990 a 1995, as taxas de homicídios não chegavam aos 40/100 mil. De 1996 a 2001 houve uma verdadeira explosão dos homicídios, saltando de 3015 assassinatos em 1996 para mais de 4.600 em 2001, onde a taxa por cem mil chegou perto dos 60/100 mil. Já era uma tragédia anunciada desde o início da série histórica, pois os assassinatos cresciam ano a ano sem que os governos mudassem suas estratégias na segurança pública – se é que tinham alguma estratégia. Governaram Pernambuco, Joaquim Francisco e Miguel Arraes neste período. Foi justamente no governo do socialista Miguel Arraes que a criminalidade chegou a patamares exponenciais. Entre 1990 e 2001, os homicídios foram incrementados em 71% nos números absolutos e 84% quando consideramos a taxa por cem mil. Os dois governos nada fizeram para controlar a criminalidade violenta.

As práticas policialescas, como bem expressou o mestre Jorge Zaverucha, foram mantidas do período da ditadura militar, em ambas policias. Atos discricionários de governadores nas décadas de oitenta e noventa mantiveram a polícia judiciária sob a tutela do governo de plantão. A técnica e a inteligência policiais nunca foram estimuladas, muito menos que isso, sempre sofreu a antipatia dos governantes, dos secretários de segurança e das corporações das polícias. A segurança pública não era, se é que um dia foi, tratada como uma política do estado para a contenção da violência, do crime e para a garantia dos direitos civis, políticos e sociais.

De 1998 a 2007, e aí tivemos duas gestões do ex-governador Jarbas Vasconcelos, as taxas de homicídios em Pernambuco nunca tiveram abaixo dos 50/100 mil, sempre despontando entre os três primeiros estados mais violentos do país no famoso catálogo do Mapa da Violência. As medidas do governo para a segurança pública só vieram a reforçar os conflitos entre as polícias civis e militares, onde a criação dos Núcleos de Segurança mais rivalizaram as atividades policiais que levaram à cooperação. Reforçou o caráter conflituoso das instituições coercitivas. Para completar, a escolha dos secretários de segurança pública ou de defesa social, a partir de 1999, não teve como critério o conhecimento científico policial.

Somente em 2007 é que o governo pernambucano se preocupou em efetivar uma política pública de segurança no Estado. Eduardo Campos, neto de Arraes – governador que fora responsável pela explosão dos homicídios na década de noventa -, se elegeu com a bandeira do controle da criminalidade. O Pacto pela Vida (PPV), a marca do programa de segurança pública do Estado de Pernambuco, foi implementado já no primeiro ano da gestão de Eduardo e ganhou forte repercussão midiática. Baseado numa linguagem científica das políticas públicas e com um governador dinâmico e com formação sofisticada, o PPV passou a ser o principal trunfo do governo Eduardo Campos.

A meta principal do PPV era reduzir os homicídios em menos 12% ao ano a partir do seu implemento – em maio de 2007. No primeiro ano, a redução nas taxas de homicídios foi de -6,2%, o que não fez que a oposição o criticasse por não ter alcançado a meta de -12% - sabemos que a redução foi importante para o primeiro ano. As críticas levaram a queda do gestor do PPV, o vice-governador João Lyra, e ajudou a levantar a imagem política do atual prefeito do Recife, Geraldo Júlio, que então era secretário de planejamento do governo e assumiu o PPV.

Em artigo publicado por Zaverucha e por mim (http://revistadil.dominiotemporario.com/doc/DILEMAS-8-2-Art2.pdf) mostramos como as tomadas de decisão do governador Eduardo Campos favoreceu o sucesso do PPV na redução dos homicídios entre 2007 e 2013. Contudo, depois da saída de Eduardo do governo, o PPV definhou. Entre 2013 e 2015 os dados retornaram ao crescimento depois de sete anos consecutivos de queda – que chegou a reduzir em mais de 30% as taxas de homicídios em Pernambuco. Os números de 2014 e 2015 foram responsáveis pela perca de 50% da redução alcançada entre 2007 e 2013, evidenciando que a mudança de governo alterou a condução da política pública. Demonstrando, também, que o PPV não se consolidou como uma política de estado, mas sim uma marca do governo Eduardo Campos.

Os homicídios em Pernambuco têm uma história de carnificina contínua, mesmo com o sucesso do PPV. Enquanto foi bem-sucedido, o PPV fora responsável por uma redução média de -4,5% ao ano, onde a meta de redução de 12% ao ano só foi alcançada em 2010. A política pública não se consolidou e agora definha a claras vistas. Em 2015, como vimos acima, a taxa de homicídios voltou ao patamar de início da década de noventa, ou seja, de início do PPV. Foram gastos milhões de reais em recursos públicos, mas os homicídios ainda não foram controlados.

Se a média anual de -4,5% ao ano fosse mantida, precisaríamos de um pouco mais de dez anos para controlarmos a taxa no patamar de 10 por cem mil habitantes, o que foi conseguido por São Paulo com a manutenção de sua política de segurança pública que, não obstante as mudanças de governos, manteve a redução, aparentemente se tornando uma política pública do estado paulista.

Até quando uma democracia suporta tão elevadas taxas de homicídios? Podemos dizer que as instituições do estado brasileiro são sólidas? São questões que a ciência política precisa responder a luz de suas instituições coercitivas.

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