A qualidade da democracia brasileira
Por José Maria Pereira da
Nóbrega Júnior
Professor de Ciência
Política da UFCG
Doutor em Ciência Política
pela UFPE
Coordenador do NEVU – Núcleo
de Estudos da Violência da UFCG
A democracia é uma forma de
governo clássica que está baseada numa gama imensa de teorias e perspectivas.
Desde a antiguidade esta forma de governo foi classificada e categorizada como
um regime político onde a maioria tem em suas mãos o poder decisório. Na
modernidade, a democracia foi definida como a forma de governo da vontade
geral, ou seja, a vontade da maioria em respeito aos direitos das minorias.
Nessa modernidade, a democracia iria se encontrar com o liberalismo,
principalmente depois de constituída a Constituição americana pós-independência.
A democracia dos modernos seria a democracia representativa que conhecemos
hoje. Os liberais a criaram, os socialistas a rechaçaram. Contudo, as
democracias contemporâneas buscam o equilíbrio entre igualitarismo e
liberalismo.
Podemos dizer que a
democracia é polissêmica em seu conceito. Os socialistas a definem como um
regime político que tem como norte a igualdade social de seus membros, é o todo
mais importante que a parte. Os liberais a definem como uma forma de governo
onde seu principal aspecto são as garantias constitucionais da propriedade
privada. Aí, a parte é mais importante que o todo. Já uma corrente mais
contemporânea, baseada numa linha habermasiana, vê a democracia representativa
e a busca da igualdade social como faces da mesma moeda, onde a participação
popular no processo deliberativo é de fundamental importância para as tomadas
de decisão nas arenas decisórias intra-parlamento. Aí, é imprescindível a
qualidade do eleitorado para a efetivação da accountability democrática, ou o que Guillermo O´Donnell chamou de accountability vertical ou social.
Partindo dessa premissa, a
qualidade da democracia estaria na capacidade do estado de direito em garantir
direitos de cidadania – civis, políticos e sociais -, e ampla participação
social em discussões que levassem em conta as políticas públicas, os gastos
públicos e sociais, as contas do estado e a cobrança de tributos. Poderíamos
definir democracia, então, como uma forma de governo onde os indivíduos têm
direitos civis, políticos e sociais, produzem governos em eleições periódicas e
pluripartidárias, com ampla participação no debate político implicando em
influência no processo decisório, onde os civis eleitos teriam funções de jure
e de fato de suas atribuições constitucionais.
Quando, no país em questão,
há graves violações aos direitos básicos de cidadania, ou as eleições se dão em
clima de tensão política, ou a participação é limitada por alguma violência
estatal ou não-estatal, ou até mesmo quando a lei e a ordem são constantemente
colocadas em risco, a qualidade do regime político democrático passa a ser
ameaçada. No Brasil, há eleições periódicas e pluripartidárias, os governos são
produzidos com ampla participação politica da sociedade. Mesmo com os últimos
escândalos e acusações de corrupção que alcançaram o atual governo federal e
alguns partidos de sua base, e até da oposição, as eleições no Brasil podem ser
consideradas um mecanismo extremamente legítimo e seguro.
Contudo, no Brasil há parca
participação social nas arenas decisórias. A participação política do
brasileiro é bastante restrita do ponto de vista prático, onde a maioria não se
interessa ou não entende o quadro político nacional. Mesmo com as manifestações
de 2013 e as últimas contra o governo da presidente Dilma Rousseff, ainda a
grande parte dos eleitores brasileiros se mostra apática às questões mais
prementes da política brasileira.
Outra questão importante,
diz respeito a fragilidade do estado de direito no Brasil, a desconfiança nas
instituições que isto gera, além das graves violações aos direitos humanos e o
crescimento exacerbado da violência.
Adiante trago alguns dados
que reforçam esses argumentos aqui levantados. Inicialmente, com os dados do
Latinobarómetro (2013) vamos detalhar algumas características específicas da
democracia brasileira segundo os próprios brasileiros.
Para 12,4% dos brasileiros o
estado garante a efetividade da lei e da ordem. Ou seja, mais de 85% da
população brasileira não acredita na capacidade do estado de direito em gerar
lei e ordem dentro do território nacional. Isso se mostra muito grave para a
qualidade de um regime político democrático.
Apesar de considerarmos as
eleições limpas no Brasil, 87,8% dos brasileiros não acreditam que essas
eleições são limpas. Ora, se para a democracia representativa é fundamental o
dispositivo eleitoral, e se a maioria dos eleitores não acredita na lisura
desse dispositivo, o que dizer da qualidade do regime político brasileiro!
No que tange as garantias
dos direitos básicos de cidadania, apenas 10,6% dos brasileiros acreditam que
haja proteção da justiça aos mais humildes em relação a possíveis abusos
sofridos pelos mais poderosos politica e economicamente. Uma democracia que não
garante igualdade perante as leis, e isso é visto como problema por quase 90%
de sua população, atinge diretamente a qualidade de uma democracia.
No que diz respeito ao apoio
à democracia, 48,5% dos brasileiros afirmaram que preferem esta forma de
governo a qualquer outra forma, mas quase 20% deles admitem um governo
autoritário em algumas circunstâncias. Mostrando que 1/5 da população não ver
problema em um regime não-democrático. Além de que, 21% dos entrevistados não
estão preocupados se o regime é ou não democrático.
O nível de satisfação com a
democracia é preocupante segundo o survey
do Latinobarómetro. Apenas 1,9% dos brasileiros estão muito satisfeitos com a
democracia. Não muito satisfeitos ou nada satisfeitos tiveram expressivos 70%.
Ou seja, apesar de quase 50% dos brasileiros preferirem a democracia como forma
de governo, a grande maioria está insatisfeita com os resultados que ela gera.
Outro ponto que fragiliza a
nossa democracia é a violência. A cada dez minutos, uma pessoa é assassinada no
país. Em 2013, foram registradas 53.646 mortes por agressão pelo Sistema de Informação
de Mortalidade do SUS. Na região Nordeste, entre 2000 e 2013, houve um
crescimento de 132% nos números absolutos de homicídios que saltaram de 9.245,
em 2000, para 21.434 em 2013, fazendo com que a região se tornasse a mais
violenta do Brasil, concentrando quase 40% de todos os óbitos desse tipo no
país.
A impunidade se mostra como
a principal causa para o crescimento da violência no Brasil. Não obstante a
melhoria da renda e a queda da desigualdade, os números de homicídios e de
violência contra o patrimônio cresceram veementemente. A impunidade é
representativa. Em pesquisa executada pela Fundação Getúlio Vargas-Direito-SP,
81% dos entrevistados concordam que é fácil desobedecer às leis no país. Dados
do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2014 mostram que não chega a 10% os
homicídios investigados no Brasil e que apenas 33% das vítimas de violência
terminam procurando a polícia para resolverem seus conflitos.
Para a qualidade da
democracia são necessárias instituições políticas representativas e coercitivas
que garantam as liberdades civis e políticas. Para a qualidade da democracia os
conflitos devem ser resolvidos institucionalmente tendo como norteador a
constituição democrática. No Brasil, temos uma democracia representativa de
baixa intensidade, onde as eleições se dão periodicamente e de forma limpa, mas
os direitos básicos de cidadania são desrespeitados, onde as instituições são
pouco críveis em relação aos cidadãos que a procuram e que a violência termina
gerando um produto final totalmente contrário aos princípios mais básicos da
cidadania. Dessa forma, a qualidade da democracia brasileira é baixa e o
produto final dela é ineficaz e ineficiente.
O cidadão comum, trabalhador e pacato assiste impotente e estarrecido a escalada da violência. Nos últimos anos, essa tragédia tem se alastrado para as cidades pequenas. Eu e minha família fomos vítimas de extorsão mediante sequestro em duas ocasiões nos últimos três anos. O curioso é que um mesmo marginal participou das duas ações. Estava em liberdade condicional. Outro, que participou na segunda investida tinha um mandado de prisão em aberto. Fui obrigada a mudar de residência e de emprego. Um quadro de estresse pós traumático grave me mantém improdutiva.
ResponderExcluirEscrevi um ebook no qual narro os fatos e tento expurgar meus medos:
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