Diagnóstico socioeconômico do Cariri ocidental paraibano (1991, 2000 e 2010): resultados preliminares

Por José Maria Pereira da Nóbrega Júnior[1]


Nos últimos vinte anos a pobreza e a desigualdade foram fortemente combatidos pelos governos brasileiros. Independentemente das divergências ideológico-partidárias, os governos foram eficientes em reduzir o grande gargalo social e econômico que grassava a sociedade brasileira, principalmente depois de uma década inteira praticamente perdida, a década de oitenta. Os relatórios dos diversos órgãos – de governo e da sociedade civil organizada -, a exemplo do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2013), trabalho organizado pelo PNUD-Brasil, IPEA e FJP[2], demonstraram o impacto socioeconômico da melhoria dos indicadores de pobreza, renda, longevidade, educação etc. nos diversos níveis nas regiões do país. Aqui, irei me preocupar em resgatar alguns importantes dados socioeconômicos tendo como fim avaliar este impacto ao nível do Cariri ocidental paraibano[3] - que terá Monteiro e Sumé[4] como parâmetros dessa microrregião -, no intuito de abrir um trabalho mais profundo nos dois Cariris paraibanos em trabalho futuro.
Dessa forma, o relatório busca comparar essas duas cidades com as principais cidades da Paraíba – João Pessoa e Campina Grande -, e também no nível agregado do Estado como um todo e em relação ao país.
Os dados socioeconômicos escolhidos para esta análise foram: 1. Índice de Gini; 2. Percentual de extrema pobreza; 3. Renda per capita; e 4. Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Esses dados foram extraídos da plataforma do Atlas de Desenvolvimento Humano Brasil (2013), em seu banco de dados disponível em programa Excel.
Este tipo de análise é importante, pois relatórios específicos de microrregiões nordestinas são mais raros. Também, mostra-se fundamental fazermos levantamentos dessa natureza para conhecermos melhor esta microrregião que hoje se encontram localizados dois campus universitários, um estadual e outro federal.
O período da análise abrange três anos (anos do censo do IBGE), de 1991, 2000 e 2010.


Definição dos dados

O índice de Gini mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda domiciliar per capita de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda). O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes.
O percentual de extrema pobreza é a proporção dos indivíduos com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 70,00 mensais, em reais de agosto de 2010. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes.
A renda per capita, é a razão entre o somatório da renda de todos os indivíduos residentes em domicílios particulares permanentes e o número total desses indivíduos. Valores em reais de 01/agosto de 2010.
E o IDHM, abrange a média geométrica dos índices das dimensões Renda, Educação e Longevidade, com pesos iguais. O índice vai de 0 a 1, onde entre 0 e 0,499 o IDHM é considerado muito baixo; entre 0,500 e 0,599, baixo; entre 0,600 e 0,699, médio; entre 0,700 a 0,799, alto; e a partir de 0,800, muito alto.
A operacionalização dos dados deu-se da seguinte forma: levantamento dos dados nos três anos do censo, 1991, 2000 e 2010, e a análise do comparativo percentual das variáveis entre 1991 e 2000.

Análise dos dados socioeconômicos

Tabela 1. Dados socioeconômicos – Sumé – 1991/2000/2010
Sumé
1991
2000
2010
Gini
0,49
0,53
0,50
% Ext. Pobreza
40
25,6
11,3
Renda per capita (R$)
129,47
196,90
339,68
IDHM
0,349
0,469
0,627
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil (2013).

Os indicadores de Sumé demonstram uma realidade de altíssimo nível de extrema pobreza em 1991. Com 40% de sua população vivendo em extrema pobreza. Este dado melhorou substancialmente em 2000, 25,6%, e 2010, 11,3%, mas se comparados aos dados de João Pessoa (tabela 3) vemos o quanto a extrema pobreza ainda é alta na microrregião. A diminuição da população que vivia na extrema pobreza foi de -72,5% entre 1991 e 2010, superior ao decréscimo nacional, que foi de -64,5% (tabela 6).
No que tange ao índice de Gini, os dados demonstraram certa estabilidade, já que a queda neste indicador é muito menos sensível devido ao seu valor agregado mais robusto.
A renda per capita cresceu no período. Em 1991, a renda era de R$ 129,47. Em 2000, a renda já superava o salário mínimo, que era de R$ 151,00. Contudo, o último ano da série demonstra uma renda per capita inferior ao salário mínimo do período[5], mas com crescimento de 162,3% no comparativo 1991/2010. Se compararmos com a renda per capita dos pessoenses, os sumeenses estão bem abaixo (tabela 3).
No IDHM, Sumé saiu de uma situação de muito baixo desenvolvimento humano em 1991, para um patamar de médio desenvolvimento humano em 2010. O incremento percentual foi de 79,6%, onde o IDHM saltou de 0,349 para 0,627.

Tabela 2. Dados socioeconômicos – Monteiro – 1991/2000/2010
Monteiro
1991
2000
2010
Gini
0,54
0,57
0,57
% Ext. Pobreza
46,2
27
13,4
Renda per capita (R$)
130,18
224,67
392,05
IDHM
0,341
0,452
0,628
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil (2013).

Os indicadores de Monteiro são ainda mais perversos no início da década de noventa. Quase a metade da população monteirense vivia na extrema pobreza. Entre 1991 e 2010 foi arrefecido em -71% a extrema pobreza, chegando a 13,4% da população.
Apesar da melhoria da renda no período, o índice de Gini aumentou três pontos, ficando estável em 2000 e 2010. Um nível alto de concentração de renda ainda é encontrado no município.
No entanto, a renda per capita cresceu no período, ficando maior que o salário mínimo de 2000, mas em 2010 ficou bem abaixo que o salário mínimo daquele ano, com R$ 392,05.
A renda per capita da população do Cariri ocidental é bastante baixa, ficando bem abaixo dos habitantes de João Pessoa (tabela 3). Em 2010 o salário mínimo era de R$ 510,00, mas a renda per capita de Monteiro foi bem abaixo.
O IDHM assemelha-se ao que vemos em Sumé. Em 1991, Monteiro apresentou um nível de muito baixo desenvolvimento humano. Em 2000 esse nível, apesar do crescimento quantitativo, manteve-se em muito baixo desenvolvimento. Em 2010, os dados demonstraram uma sensível melhora com Monteiro ficando no nível de médio desenvolvimento humano, com 0,628.

Tabela 3. Dados socioeconômicos – João Pessoa – 1991/2000/2010
João Pessoa
1991
2000
2010
Gini
0,62
0,62
0,62
% Ext. Pobreza
12,2
6,5
3,4
Renda per capita (R$)
483,07
662,85
964,82
IDHM
0,551
0,644
0,763
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil (2013).

O que vemos com os dados de João Pessoa, logo de princípio, é o alto nível de desigualdade regional que encontramos no Estado da Paraíba. O índice de Gini é bastante elevado na capital paraibana, o que é comparável ao nível nacional (tabela 6). Em relação ao Cariri ocidental, os dados são impactantes.
O nível de extrema pobreza do início da década de noventa é similar aos níveis encontrados no final da série estudada nos municípios de Sumé e Monteiro (ver tabelas 1 e 2). Em 1991, o percentual de extrema pobreza em João Pessoa era de 12,2% e foi arrefecido até o nível de 3,4% em 2010, menor que o percentual brasileiro. A queda foi de -72%.
A renda per capita é avassaladoramente maior que a do Cariri ocidental. Em 1991, a renda per capita de João Pessoa era maior 42,2% que a renda per capita de Sumé em 2010. Neste ano, a renda per capita dos pessoenses foi de R$ 964,82, maior que o salário mínimo daquele ano em 89%[6].
O IDHM de João Pessoa em 1991 foi de 0,551, o que indicava um nível baixo de desenvolvimento humano. Em 2000, foi para 0,644, nível médio. E em 2010, foi para o patamar de 0,763 com um nível alto de desenvolvimento humano, maior que a média nacional (tabela 6). O que destaca ainda mais a desigualdade regional no Estado.

Tabela 4. Dados socioeconômicos – Campina Grande – 1991/2000/2010
Campina Grande
1991
2000
2010
Gini
0,61
0,62
0,58
% Ext. Pobreza
20,3
12
5
Renda per capita (R$)
302,81
449,24
630,03
IDHM
0,476
0,601
0,720
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil (2013).

Os indicadores de Campina Grande mostram-se menos expressivos que os de João Pessoa, mas em relação às cidades do Cariri ocidental estão bem acima. Mostrou uma queda no índice de Gini, e a redução da extrema pobreza, também, foi maior que a média nacional. Em 2010, o percentual de pessoas nesta condição foi de 5%.
A renda per capita dos campinenses cresceu 108% e, em 2010, superava o salário mínimo. O nível de seu IDHM alcançou o patamar de alto desenvolvimento humano em 2010 com 0,720, onde no início da década de noventa era de 0,476, ou desenvolvimento humano muito baixo. O incremento no comparativo 1991/2010 foi de 51,2%.

Tabela 5. Dados socioeconômicos – Paraíba – 1991/2000/2010
Paraíba
1991
2000
2010
Gini
0,64
0,63
0,61
% Ext. Pobreza
41
25
13,3
Renda per capita (R$)
196,59
299,09
474,94
IDHM
0,382
0,506
0,658
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil (2013).

O nível de desigualdade regional reflete-se nos indicadores do Estado. Enquanto João Pessoa e Campina Grande apresentaram indicadores bem acima da média, Sumé e Monteiro tiveram os piores índices nesta análise.
A Paraíba demonstra um índice de Gini de alta concentração de rendimento, com a extrema pobreza reduzindo, mas abaixo da média nacional (o que reflete o desiquilíbrio regional). No início da década de noventa, 41% da população paraibana vivia na extrema pobreza e quase toda ela estava fora das principais cidades. O que nos leva a hipotetizar que as políticas públicas do Estado prestigiaram as principais cidades, mesmo em período de diminuição da pobreza e da renda per capita.
O decréscimo da extrema pobreza foi de -67,5%, onde em 2010 esse dado foi de 13,3% da população paraibana. Em João Pessoa não chegou a 4% e em Campina Grande foi de 5%.
A renda per capita reforça a tese da desigualdade regional encontrada na Paraíba. Enquanto em João Pessoa, em 2010, a renda foi de R$ 964,82, no Estado foi de R$ 474,94, praticamente a metade da capital. No início da década de noventa a renda per capita do paraibano foi de 196,59 e em 2000 foi de R$ 299,09. O incremento percentual no comparativo 1991/2010 foi de 141,5%. Não obstante, a renda do paraibano em média sempre esteve bem abaixo da do cidadão pessoense.
O nível de desenvolvimento humano ficou em 0,658 em 2010, com indicador de médio desenvolvimento. Em 1991, o nível era de muito baixo desenvolvimento humano.


Tabela 6. Dados socioeconômicos – Brasil – 1991/2000/2010
Brasil
1991
2000
2010
Gini
0,63
0,64
0,60
% Ext. Pobreza
18,6
12,4
6,6
Renda per capita (R$)
447,56
592,46
793,87
IDHM
0,493
0,612
0,727
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Brasil (2013).

Os indicadores nacionais demonstram posição acima da Paraíba, mas abaixo dos dados de João Pessoa. Apesar do índice de Gini ser bem semelhante entre o Estado da Paraíba e o Brasil, os percentuais de extrema pobreza, renda per capita e IDHM mostram importantes diferenças.
O nível de extrema pobreza em 1991 foi de 18,6% da população brasileira com decréscimo de -64,5% em vinte anos, onde em 2010 apenas 6,6% da população do país encontrava-se nessa situação.
A renda per capita era de R$ 447,56 em 1991 sendo incrementada em 77,3% até 2010, onde a renda chegou a R$ 793,87, bem acima do salário mínimo.
O IDHM nacional era de 0,493 em 1991, no limite do muito baixo. Em 2000, já era de desenvolvimento médio, com 0,612 e em 2010 o país alcançou o nível de alto desenvolvimento humano, com 0,727. O que poderia ser bem mais senão fossem as persistentes desigualdades regionais, como a que verificamos dentro da Paraíba.

Cariri ocidental paraibano: uma região ainda muito pobre

O que verificamos com esses dados é o persistente nível de desigualdade regional dentro do Estado da Paraíba e que, provavelmente, vamos verificar dentro de outros estados nordestinos.
Não obstante a melhoria dos indicadores testados aqui, o nível de renda per capita de Sumé e Monteiro está bem abaixo da média nacional e, sobretudo, da média da capital paraibana. A concentração da economia e, com destaque, da política na região metropolitana, faz a microrregião do Cariri ocidental ficar a mercê de políticas clientelistas de seus prefeitos e vereadores (geralmente cooptados pelos prefeitos).
Sumé com renda per capita de R$ 339,68 e João Pessoa com R$ 964,82, 184% acima, demonstra bem como o Estado é desigual e urgem políticas públicas que mudem a realidade do povo que vive no Cariri ocidental.
Apesar da chegada das universidades federal e estadual, a primeira em Sumé e a segunda em Monteiro, juntamente com um IFPB em Monteiro, a realidade de destacada desigualdade regional não foi arrefecida. Essas instituições precisam adentrar mais na realidade das cidades da microrregião.
Sumé e Monteiro são as cidades mais populosas e, por sua vez, as mais importantes do Cariri ocidental. Apresentam níveis de desenvolvimento social e econômico bem abaixo das principais cidades do Estado e precisam de políticas públicas mais eficazes do ponto de vista do desenvolvimento.
Falamos de desenvolvimento sustentável para a região do Cariri ocidental, mas como falar de sustentabilidade se sequer sabemos com mais profundidade a realidade socioeconômica dessa microrregião.
O Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA), Campus da UFCG em Sumé, precisa angariar esforços em suas duas unidades acadêmicas[7] para fornecer um maior impacto na qualidade de vida das pessoas da microrregião do Cariri ocidental. Este pequeno relatório pode ser o início dessa preocupação.

Bibliografia

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil – Brasília: PNUD, Ipea, FJP, 2013.



[1] Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor e Pesquisador da Universidade Federal de Campina Grande, lotado no Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA), Campus de Sumé, PB. Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da UFCG (NEVU). E-mail: jmnobrega@ufcg.edu.br
[2] Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Fundação João Pinheiro.
[3] Microrregião da Paraíba que abrange no total de 17 cidades.
[4] Principais cidades da microrregião.
[5] Em 2010 o salário mínimo era de R$ 510,00.
[6] O último aumento do salário mínimo em 2015 deixou o mesmo com o valor de R$ 788,00.
[7] Unidade Acadêmica de Educação do Campo (UAEDUC) e Unidade Acadêmica de Tecnololgia (UATEC).

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