A Idade Mínima Penal e a Redução do Achismo

Artigo do Prof. Glaucio Ary Dillon Soares, publicado em 2007 no Correio Braziliense.
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A Idade Mínima Penal e a Redução do Achismo



O debate sobre a maioridade penal deve crescer, mas dificilmente sairá do "perímetro da ignorância". As pessoas debatem sem conhecer as pesquisas e os dados. A senadora Patrícia Saboya Gomes declarou que reduzir a idade penal é "um retrocesso". Por que seria um retrocesso? A civilização caminha para o aumento da idade penal? A senadora não diz porque. É retrocesso e pronto!
Afinal, o que pensa o mundo sobre a idade penal mínima? Há muitos países nos quais a idade mínima penal é de sete anos: Belize; Chipre; Gana; Irlanda; Liechtenstein; Malawi; Nigéria; Papua Nova Guiné; Singapura (um país importante porque reduziu dramaticamente a criminalidade sendo, hoje, um dos países mais seguros do planeta), África do Sul, Suiça e Tasmânia (na Austrália). Há outros dez países com nove anos. Oito países optaram pelos dez anos. Doze anos é a idade minima penal de sete países, incluíndo o Canadá, a Grécia e a Holanda; entre 13 e 14 anos há vários países europeus, como a França, a Áustria, a Alemanha, a Hungria e a Itália. Segundo Corinne Remedios, em seu trabalho sobre Hong Kong, The Age of Criminal Responsibility in Hong Kong, The Legal Issues, a Bélgica e o Luxemburgo teriam consagrado os 18 anos. O Brasil e a Colômbia também.
Nos Estados Unidos, cada estado tem jurisdição sobre a idade mínima penal. Num país que preza a responsabilidade individual e acredita que cada um deve assumir as conseqüências dos seus atos, a idéia de inimputabilidade até os 18 anos causa estranheza. O pesquisador Gregor Urbas do Australian Institute of Criminology preparou um excelente documento sobre o tema no qual chama a atenção que muitos estados não tem leis sobre a idade mínima penal. Em grande medida, isso apenas reflete o fato de que o sistema legal se baseia na jurisprudence, o conjunto de decisões judiciais, obedecida a hierarquia das leis. Esses dados não são evidência de que as leis americanas são mais duras. Um trabalho detalhado nesse sentido veria a jurisprudence de cada estado, e os resultados deveriam ser continuamente atualizados porque a jurisprudence é dinâmica e muda.
Por que pessoas com uma atividade parlamentar tão notável, exemplar mesmo, como a senadora Patrícia Saboya Gomes defenderiam uma posição que supõe um "evolucionismo" social e afirma que reduzir a idade mínima penal nos colocaria atrás? Creio que em grande parte isso se deve a que o conhecimento sobre o tema, que tem sido muito pesquisado, não chegou à avassaladora maioria da inteligentsia brasileira, que lê filósofos e ideológos, mas não lê a produção dos pesquisadores. Está por fora. Na perspectiva ideológica da senadora, a principal vertente na violência brasileira é a desigualdade social. Mas os dados provam que não é. A desigualdade, medida pelo Índice de Gini, mudou pouco em um quarto de século, nas décadas de 70, 80 e parte da década de 90. Não obstante, a taxa de homicídios aumentou retilinearmente, mais ou menos no mesmo rítmo. A desigualdade estacionou quase trinta anos e o homicídio cresceu durante esses mesmos anos. Ou seja, temos que buscar a explicação para o crescimento do homicídio em outro lugar.
A visão sobre-determinista do crime também parece afetar o Presidente da República e seu Senador Aluizio Mercadante, do PT de São Paulo, que usou de procedimentos legais, mas autoritários, para impedir a discussão e possível votação de um projeto que incluía a redução da maioridade penal. Baseados em quê? O achismo é generalizado. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, disseram que reduzir a maioridade penal não "resolveria" a violência. Como sabem? Bola de cristal? Onde estão os dados?
A qüestão está mal colocada: não existe a possibilidade de "resolver a qüestão da violência" a curto prazo. Resta saber se essas medidas reduziriam significativamente a violência, se salvariam vidas, se fariam justiça. Do outro lado do debate, a extrema direita propõe a pena de morte e a revogação do Estatuto da Criança e do Adolescente, tout court. Quer sangue. Tudo no âmbito da ideologia, da raiva e da emoção. Achismo puro.
Por que líderes políticos e a inteligentsia nacional se pronunciam sobre temas tão relevantes sem fazer o dever de casa? A redução da violência não é tarefa impossível: o Estado de São Paulo, com governo tucano, reduziu dramaticamente as taxas de homicídio e de outros crimes a ponto de passar a ser citado como um exemplo no plano internacional. Usou, principalmente, o que há de melhor na Ciência Policial e pouco de prevenção social; a Prefeitura de Diadema, que é petista, também reduziu drasticamente suas taxas de homicídio e de violência doméstica, usando um programa suplementar, basicamente de prevenção, no qual se destaca a Lei Seca. Brigam na política, mas acertam na segurança. Resultado: há mais segurança em São Paulo e em Diadema (e em muitos outros municípios paulistas). Atualização: há outros exemplos, no Rio de Janeiro (PMDB), Pernambuco (PSB) e, mais recentemente, o Espírito Sano. Há muitos exemplos fora do Brasil de endurecimento das leis e de abrandamento delas, mas o conhecimento derivado das pesquisas sobre elas não encontrou o caminho das leituras feitas pela nossa inteligentsia.
Infelizmente, talvez saiamos dessa onda de fervor (até a próxima barbárie) sem responder à pergunta: afinal, com que idade o brasileiro de hoje adquire o sentido do bem e do mal, de que o que faz é crime?


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