Consciência negra e os homicídios de pardos na Paraíba
José Maria Pereira da
Nóbrega Júnior
Professor da UFCG e
cientista político
Liberdade, participação
política e justiça sempre foram temas candentes nas discussões das ciências
sociais. Num país como o Brasil, de graves e contínuas desigualdades sociais,
econômicas e jurídicas, esses temas se tornam mais urgentes ainda quando se
trata dos cidadãos negros dessa nação. Na semana da consciência negra, urge
discutirmos um tema que amarra os três temas destacados acima: a violência
homicida entre os pardos (categoria utilizada pelo IBGE para classificar os
mestiços, negros e mulatos, de nossa nação).
Inicialmente, é importante
destacar a nossa história de escravidão onde, nas palavras de José Murilo de
Carvalho, temos a formação política, social e cultural do Brasil: “Três séculos
depois da conquista, à época da independência da colônia, a população do novo
país foi calculada em torno de quatro milhões de habitantes, número semelhante
ao de 1500. Desses quatro milhões, 800 mil eram indígenas e um milhão eram
escravos africanos. Tinham desaparecido cerca de três milhões de indígenas e
entrado número semelhante de africanos escravizados”. Ou seja, a população
negra está no alicerce de nossa nação.
Mas, alijados do processo de construção do Estado-Nação.
Quando da passagem do
Império para a República, a Abolição da Escravatura não foi suficiente para
gerar justiça igualitária nos moldes do contratualismo europeu e do federalismo
americano. Aqui, em nossas plagas, manteve-se uma forma peculiar de tratamento
aos desiguais – os ex-escravos. Nas palavras do abolicionista Rui Barbosa,
temos a essência da “igualdade” à brasileira, onde o tratamento desigual aos
desiguais foi o cerne do republicanismo tupiniquim: “A regra da igualdade não
consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se
desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é
que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do
orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com
igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real".
Este princípio aristotélico,
encontrado nas palavras de Barbosa, era (é) averso ao igualitarismo da escola
clássica contratualista e é, até hoje, a essência do princípio jurídico
nacional. Daí a Constituição Federal de 1988, em seu artigo quinto sobre as
liberdades civis, muitas das vezes não ser respeitada pela doutrina jurídica
ainda imperante no país. Esse princípio jurídico inicialmente esteve atrelado ao
Brasil da República Velha, onde a elite branca e latifundiária não permitiu um
direito civil à inglesa aos ex-escravos, mas um modelo hierárquico que
prepondera nas formas de tratamento encontrado até hoje na sociedade
brasileira.
Este procedimento legal, mas
ilegítimo do ponto de vista filosófico, terminou influenciando nas formas de
abordagens policiais e nos conflitos sociais de uma forma geral. O “você sabe com quem está falando?”
Damattiano retrata bem isso do ponto de vista antropológico.
Os negros e mulatos de nossa
nação ainda continuam numa situação de desvantagem social e econômica e, o
pior, são mais atingidos quando o assunto é violência homicida.
Por exemplo, na Paraíba a
renda domiciliar per capita dos
negros e mulatos é inferior em quase 50% em relação à população branca. Em
2010, ano do último censo demográfico elaborado pelo IBGE, os negros e mulatos
tinham rendimento domiciliar de R$ 366,48, enquanto os brancos tinham neste
indicador uma renda de R$ 610,17. Analisando os dados referentes ao desemprego,
ambos mostraram números semelhantes em termos percentuais, com uma leve desvantagem
para os negros e mulatos (8,85%), e os brancos com 8% de taxa de desemprego
(dados do IBGE). Isso me leva a concluir que os negros e mulatos recebem menos porque
estão trabalhando em empregos que exigem menor escolaridade, daí o menor
rendimento, pois estes, também, tem menor nível de escolaridade em relação aos
brancos.
Esses dados nos mostram que
a realidade brasileira pune os negros e mulatos bem mais que os brancos, mesmo
os mais pobres. Quando avaliamos a violência homicida, isso pode ser percebido
de forma mais drástica. Os números de homicídios do Brasil são um dos maiores
do mundo. 11,8% dos homicídios do planeta ocorrem em terras brasilis. Desses, 77% vitimam cidadãos negros e mulatos!
Os dados são alarmantes. Na
Paraíba, um dos estados em que mais negros e mulatos são assassinados, a taxa
de homicídio por cem mil habitantes foi de 40/100 mil em 2012. Quando o cálculo
é feito em cima da população parda (negros e mulatos) esta cifra vai para
82/100 mil homicídios. Ou seja, aumenta mais de 100% o número da taxa por cem
mil.
Nas cinco cidades mais violentas
da Paraíba (Campina Grande, João Pessoa, Bayeux, Cabedelo e Santa Rita), os
assassinatos de negros e mulatos são mais críticos. Por exemplo, em 2011
ocorreram 1.624 assassinatos no Estado. Desses, 1.007 foram perpetrados nessas
cinco cidades, ou 67% dos homicídios de toda a Paraíba. Dessas mortes, 921
foram vítimas negras! Ou seja, 91,5% das vítimas de homicídio nas cidades mais
populosas da Paraíba foram negras e/ou mulatas.
Temos uma grave situação a
nível estadual e regional. Os outros estados do Nordeste repetem em menor ou
maior grau essa epidemia de violência homicida racial.
No Brasil, há desigualdade
social ainda endêmica, não obstante a melhoria no quadro nos últimos dez anos. Puxada
pela desigualdade perante às leis e ao tratamento desigual de boa parte dos
agentes institucionais. Os níveis de desconfiança dos cidadãos, em sua maioria
mestiços, nas instituições policiais e do Judiciário, podem ser explicados por
esses indicadores de violência homicida tão desqualificadores de nossa frágil
democracia.
Na semana da Consciência
Negra precisamos refletir a situação da cidadania dos negros e mulatos do Brasil.
Os níveis de participação política, de representação partidária e de inserção
intelectual da comunidade negra ainda são pífios. As políticas públicas de
cotas nas universidades precisam ser alicerçadas em bases mais sólidas de
cidadania inclusiva. Da forma que vemos hoje, analisando através de indicadores
socioeconômicos, a dívida aos descendentes dos escravos negros que sustentaram
por tanto tempo a economia brasileira, está longe de ter sido paga! Os dados de
homicídios reforçam este argumento.
Boa noite José Maria! Vi no seu currículo lattes que você publicou o livro "Homicídios no Brasil" e eu achei muito interessante. Eu gostaria de comprar o livro mas eu não o encontrei no site da editora da UFCG. Você poderia, por favor, me mandar um e-mail dizendo como posso adquiri-lo? Meu e-mail é deboravianapereira@gmail.com.
ResponderExcluirAgradeço desde já, Débora
Desculpe, José Maria. O nome do livro é "Homicídios no Nordeste"
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