A democracia como valor universal
José Maria Nóbrega Jr.
O que é democracia afinal? Esta é uma pergunta fundamental e deve ser feita logo de início quando alguém aspira em escrever sobre ela. A democracia é uma forma de governo onde indivíduos livres e iguais escolhem seus governantes e representantes para o Legislativo. Além disso, indivíduos livres e iguais podem e devem participar diretamente do governo através de plebiscitos, fóruns deliberativos e outras formas de manifestações ordeiras e em respeito ao estado de direito. O estado de direito é ingrediente fundamental da democracia. Ou seja, além do seu conteúdo “forma de governo” a democracia é um regime político dotado de regras e leis que buscam, no limite, garantir os direitos de cidadania, ou seja, os direitos civis, políticos e sociais dos cidadãos dentro de seu território. Diferente do que ocorre em países fundamentalistas, como o Irã, a Coreia do Norte, a Nigéria, dentre outros países que não respeitam os direitos de seus cidadãos, que são considerados meros súditos e que, em não concordando com a tirania do príncipe (governo absoluto), tem sua vida destruída. As bases da democracia moderna são a liberdade e os direitos humanos. Estes, além de direitos universais, garantidos pelas diversas cartas internacionais endossadas nas Nações Unidas (ONU), devem ser defendidos como valor universal.
A democracia como regime político parte de princípios fundamentais, e podemos defini-la como um regime que: 1) Promove eleições livres e limpas para o Executivo e o Legislativo; 2) Garante direitos civis e políticos para a ampla maioria de sua população; 3) Controla suas forças armadas e os agentes eleitos pelo povo têm prerrogativas em construir leis e regras que tenham como norte os direitos individuais de seus cidadãos. Na perspectiva de Rousseau, o governo é súdito do povo, e este é o soberano. O povo, sob um estado de direito, garante a ordem democrática quando fiscaliza seus eleitos, pressionando os mesmos a cuidarem da República. A coisa pública e a liberdade individual são os maiores bens a serem protegidos. A democracia, além de forma de governo e de regime político, é um sistema de proteção aos excessos dos poderes. Com um povo educado para a democracia, nenhum governo (ou príncipe) a submete aos seus desejos e caprichos (seja lá de que cunho for: religioso, político, cultural, etc).
A base da democracia contemporânea é a liberdade. E o pai do liberalismo é John Locke. Este, no seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil, instituiu a base da doutrina liberal que é o alicerce para que a igualdade de oportunidades se dê em ambiente democrático, sem tiranias de maiorias ou de minorias. A princípio, as liberdades individuais estavam atreladas à burguesia, mas com o passar do tempo e das revoluções socialistas, estas liberdades alcançaram os trabalhadores e pessoas mais simples. A hierarquia social e as tiranias foram contidas e o povo se instruiu e desenvolveu suas potências individuais, levando ao desenvolvimento de seus países e culturas. Onde isto não aconteceu, a pobreza e a tirania ainda se encontram como algo corriqueiro.
A democracia é o regime político a ser defendido, pois nele a liberdade e a busca da felicidade são bens inalienáveis. Quando os cidadãos não valorizam a democracia, mesmo onde ela é frágil, como no contexto latino americano o é, a tendência é dos generais e lunáticos religiosos de plantão fazerem seus desejos egoísticos prevalecerem em cima do bem público, da coisa pública, dos interesses individuais, fazendo com que a sociedade entre em colapso e a violência, o crime, o fascismo e a agressão se tornem práticas cotidianas do estado, que fica refém dos fanáticos.
Por isso, a democracia deve ser defendida, além do seu caráter político. Deve ser defendida como um valor universal. Valor este atrelado à liberdade (de expressão, religiosa, de imprensa, etc.) desde que o uso dessa liberdade não ofenda a liberdade do outro. Ser católico, evangélico, judeu, islâmico, gay, ateu, etc, é uma escolha do indivíduo e o estado democrático de direito deve garantir isto. O valor à liberdade é o primeiro ingrediente de um regime político e social democrático.
Na América Latina a maior parte dos países não tem um regime democrático consolidado. Há lacunas, sobretudo no que tange ao seu estado de direito, muitas das vezes agredido pela corrupção, pela violência e pelo descaso das elites políticas e econômicas. Mas, a superação desses problemas está atrelada a capacidade de seus povos em exigir avanços nos seus regimes políticos. Intolerância, qualquer que seja, deve ser rechaçada. Eleições devem produzir governos e representantes com compromisso com o povo e com a coisa pública. Se há eleições, mas o povo não enxerga quem é quem no jogo político, as democracias não se consolidam. Então, para que se consolide, o valor cultural intrínseco em sua ossatura teórica deve expandir-se para toda a sociedade latino americana, onde esta sociedade deve pressionar seus governos por maior liberdade, maior respeito com a coisa pública e maior responsabilidade com os seus povos. A pior das democracias, ainda é melhor que a “melhor” das tiranias, inclusive as de caráter religioso.
José Maria Nóbrega Jr. é professor da UFCG
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