Segurança Pública no Brasil, um obstáculo ao avanço da democracia
Por José Maria Nóbrega Jr. –
Professor Adjunto da UFCG, Cientista Político e Coordenador do NEVU
As democracias plenas
europeias e norte-americanas nunca tiveram um papel militarizado das suas
polícias. As polícias nasceram naqueles regimes antes mesmo da democracia
política que abriram espaço para a contestação pública e a inclusão do voto.
Nos EUA, mesmo no período da Nova Inglaterra – quando eram colônia britânica -,
o que prevaleceu foi uma polícia comunitária surgida com os pioneiros daquela nação, polícia esta
voltada para a defesa das pequenas e médias propriedades dos habitantes do
Nordeste da colônia. Na Inglaterra, a polícia tem um papel de administrador de
conflitos sociais, muitas das vezes agindo sem arma letal. No Japão, aí citando
um país de cultura bem diferenciada, as polícias comunitárias seguem o perfil
do policiamento civil executado pela polícia, mas administrado pelos cidadãos
das comunidades as quais fazem parte. Daí o problema genético da segurança
pública brasileira: a polícia nasceu para defender o Estado mais que o cidadão
e isto não mudou com o processo de transição da Ditadura para a Democracia,
pelo contrário, fortaleceu-se com o robustecimento militar da polícia. Este
tema será delineado nas próximas linhas.
Inicio com o conceito de
democracia contemporânea baseado em uma literatura liberal-democrata, mais
conhecida no meio acadêmico como Teoria Democrática Minimalista. Nesta
concepção a democracia só é garantida através de instituições
políticas/públicas de um estado de direito onde o regime político consiga: 1.
Instituir eleições livres, limpas e pluripartidárias; 2. Com ampla participação
da população nos mecanismos de contestação e inclusão pelo voto, ou sufrágio
universal; 3. Com a garantia dos direitos civis e políticos (as liberdades
civis) e; 4. O controle civil sobre os seus militares (MAINWARING ET AL, 2001;
ZAVERUCHA, 2005; NÓBREGA JR., 2010).
Daí
a importância de uma teoria que direcione o observador a um caminho que seja
possível avaliar a qualidade do regime político. Esta concepção de democracia
mostra a importância do aparato de segurança para a sua consolidação e,
consequentemente, qualidade. No caso do Brasil, o processo de abertura política
até a composição da Constituição Federal de 1988 (CF/88) - que teve início com
a descompressão em 1974, no governo do Presidente Ernesto Geisel, e
consolidou-se com a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e a posterior
promulgação da atual CF/88 - não foram suficientes para ultrapassar os aspectos
autoritários da sua Segurança Pública (SP). Pelo contrário, a SP brasileira
permaneceu intocada em sua aparência militarizante. As forças policiais
militares eram mínimas antes de 1969. Naquele ano as Polícias Militares (PMs)
passaram a ser responsáveis pela “manutenção da ordem e segurança interna”,
sendo elas subordinadas às Forças Armadas. As PMs eram forças auxiliares do
Exército e ficavam aquarteladas a maior parte do tempo, quem fazia a função
ostensiva da segurança interna eram as polícias civis e a guarda civil (uma
polícia fardada, porém civil).
Aí
está o obstáculo à democracia brasileira, em pleno século XXI com uma polícia militarizada
fazendo o papel central da segurança pública dos cidadãos. Uma polícia
hierarquizada pouco propensa a defesa da cidadania e muito menos dos Direitos
Humanos. O modelo de polícia adotado na democracia brasileira é de duplo ciclo,
ou seja, uma polícia civil responsável pela investigação e pelos procedimentos
administrativos da acusação criminal e uma polícia militarizada fardada e
ostensiva responsável pela segurança pública. Este ciclo é ineficaz do ponto de
vista formal e leva ao choque de competências inadmissíveis em se tratando de
operação policial. Uma polícia termina prejudicando a outra, quando não
competindo entre si.
Este
formato foi mantido pela Subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua
Segurança, instância que ficou responsável pela composição dos artigos a
respeito da Segurança Pública na atual CF/88. Seu principal interlocutor, o
Deputado Ricardo Fiúza, foi o responsável pela condução dos trabalhos. Este
ator político defendia os interesses das Forças Armadas no processo de abertura.
Foi um dos atores políticos negociadores da abertura sob a tutela dos
verde-oliva. Manteve praticamente inalterado o desenho institucional das
polícias do período autoritário (ZAVERUCHA, 2005).
A
manutenção da vinculação das PMs às Forças Armadas, com destaque central no seu
papel na Segurança Pública do Brasil, e de, também, suas atribuições aos
governadores de estado, ambas vinculações consagradas pela CF/88, geram
situação ambígua, pois as PMs terminaram por ter dois “patrões”, os
governadores de estado e o Exército. Este desenho institucional leva o
governador a ter informações suas sendo enviadas aos comandos militares, sem
seu conhecimento/consentimento. Este tipo de violação regida pelas instituições
levam a um tipo de interferência de alto impacto no regime politico por atores
políticos não eleitos pelo povo.
O
que vemos na atualidade, como as greves das Polícias Militares, a
inconstitucionalidade de formação de sindicatos para defender seus interesses e
a constante violência policial são elementos da ordem do dia e precisam ser
discutidos pelos parlamentares (representantes do povo) e pela sociedade civil.
A atividade policial em democracia deveria ser de caráter exclusivamente civil.
A lógica militar é inadequada, para dizer o mínimo, às atividades relacionadas
à prevenção e coerção da violência e da criminalidade. O policial que age na
rua deve ter autonomia para defender a cidadania, e não somente obedecer a um
superior hierárquico. A sua atuação não deve estar fundamentada em princípios
bélicos, ligados à lógica da guerra e do combate ao inimigo, mas na proteção
aos cidadãos de maneira democrática e equitativa. A atividade policial em
democracias consolidadas é eminentemente civil, com uma polícia prestadora de
serviço à sociedade, aos seus cidadãos, com foco na proteção individual e não
no combate a um inimigo (FONTOURA ET AL, 2009).
Referências bibliográficas:
FONTOURA,
Natália de O.; RIVERA, Patrícia S.; e RODRIGUES, Rute I. (2009), “Segurança
Pública na Constituição Federal de 1988: continuidades e perspectivas.” IN: Boletim de Políticas Sociais:
acompanhamento e análise. Vinte anos da Constituição Federal de 1988. N. 17.
Vol. 3. IPEA. Brasília. DF.
MAINWARING,
S.; BRINKS, D. & PÉREZ- LIÑAN, A. (2001). Classificando regimes políticos
na América Latina. Dados, Rio de
Janeiro, v. 44. n. 4, p. 645-687. Disponível em:
http:—www.scielo.br-pdf-dados-v44n4- a01v44n4.pdf. Acesso em: 15.set.2011.
NÓBREGA
JR, José Maria P. (2010a). “A Militarização Da Segurança Pública: Um Entrave
Para A Democracia Brasileira”. Rev.
Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 35 , p. 119-130, fev. 2010.
ZAVERUCHA,
Jorge (2005) FHC, forças armadas e
polícia. Entre o autoritarismo e a democracia 1999-2002. Record. Rio de
Janeiro.
Comentários
Postar um comentário