Violência no Nordeste e a lacuna do estado de direito
José Maria Nóbrega – Coordenador do Núcleo de Estudos da
Violência da UFCG (NEVU)
A violência é um fenômeno social inerente à realidade das
sociedades em todos os tempos históricos. Esteve sempre filiada ao conceito de
poder, ou seja, onde tem poder há violência. Com a ascensão da democracia
moderna e seu forte componente liberal, a violência passou a ser controlada
pelas instituições estatais com o fito de mitigar os anseios tirânicos do
príncipe. Seja este um rei, uma assembleia de notáveis ou uma assembleia
popular. O principio do estado democrático de direito seria(é) a garantia da inviolabilidade
da propriedade privada que, como conceito advindo do liberalismo clássico, constituiria
a garantia da vida, dos bens e da liberdade. Dessa forma, a violência seria
controlada ao nível estatal, onde o poder coercitivo estaria regulado por leis
e regras de conduta que, no limite, puniriam aqueles que não a obedecessem. Tais
leis garantiriam (ou deveriam garantir), sobretudo, a vida dos cidadãos em
regime político democrático.
Dito isto, como então avaliar os altos níveis de violência pelos
quais passam a sociedade nordestina não obstante a melhoria das condições de
vida de sua população? Teorias que tem como base a expansão do estado social
como resolução para as desigualdades e conflitos gerados pela propriedade “caem
por terra” quando passamos a avaliar os indicadores sociais de pobreza e
desigualdade em relação à violência no Nordeste. A extrema pobreza e o nível de
concentração de renda melhoraram em todos os níveis sociais no Nordeste
contemporâneo. Por exemplo, analisando os dados secundários no IPEADATA (banco
de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) da Paraíba, entre 2001 e
2009, o percentual de pessoas que viviam em extrema pobreza diminuiu de 31,31%
em 2001, para 14,57% em 2009. Uma redução de 54% no percentual de pessoas em
estado de miserabilidade em um dos estados mais pobres do país. Programas
sociais, como o Bolsa Família, ajudaram veementemente na redução das
desigualdades e no robustecimento das matrículas na escola básica. Segundo estudo
liderado por Marcelo Néri, Presidente do IPEA, o impacto do Bolsa Família no
PIB (Produto Interno Bruto) foi o mais relevante entre os benefícios sociais. Quando
compararam os efeitos multiplicadores de algumas transferências sociais –
Previdência Social, Benefício de Prestação Continuada, Seguro Desemprego, Abono
Salarial PIS/PASEP e FGTS – sobre agregados econômicos no curto prazo,
constatou-se neste estudo que o Bolsa Família foi, por larga margem, a
transferência com maiores efeitos sobre o PIB. Um gasto adicional de 1% do PIB
no Bolsa Família gera aumento de 1,78% na atividade econômica.
Dessa forma, e voltando ao questionamento do parágrafo
anterior. Por que o crescimento da violência nesta região que foi a maior
obtentora dos recursos transferidos do Bolsa Família?
A resposta está na ineficácia, na ineficiência e, o pior
delas, na inefetividade do estado de direito em garantir o básico: a
propriedade privada, numa linguagem contemporânea, os direitos civis mais
básicos do conceito de cidadania moderna. O primeiro deles, o direito à vida,
só é garantido quando o estado se mostra efetivo para a maioria da população.
Ou seja, quando este estado é capaz de garantir um acesso irrestrito a qualquer
pessoa as suas instâncias, as suas instituições responsáveis pela administração
dos conflitos. Amplos direitos sociais podem ser garantidos em estado de exceção,
mas direitos civis apenas em estados democráticos de direito.
A violência medida pelos números de homicídios mais que
dobraram no Nordeste entre 2000 e 2011. Em 2000 ocorreram 9.245 homicídios na
região o que gerou uma taxa por cem mil habitantes de 19.36. A média nacional
naquele ano foi de 26,7 homicídios por cem mil. Em 2011 os dados saltaram para
19.390 assassinatos e uma taxa de 36,2, onde a estimativa de crescimento
populacional para este ano foi de mais ou menos 9%, mas o incremento percentual
na taxa foi de quase 190%. Superando em dez mortes por cem mil a média
nacional.
Quando avaliamos a criminalidade na Paraíba, por exemplo,
todos os tipos penais incrementaram-se. Roubos, assaltos, estupros, homicídios,
latrocínios e tráfico de drogas saltaram exponencialmente nos últimos anos. Só
para exemplificar, o roubo cresceu ao nível de 160% entre 2009 e 2011 na
Paraíba.
O estado de direito está sendo violado constantemente no
Brasil, com destaque para a região Nordeste. Os níveis de violência e
criminalidade já ultrapassaram, e muito, a margem do suportável. Somente um
pacto social por uma segurança pública avançada e tecnologicamente constituída a
nível regional, com a participação dos prefeitos e governadores, será capaz de
retroceder os números de violência na região Nordeste.
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