Renda e violência em alta nas regiões Norte e Nordeste do país
Nos estados com maior aumento em taxa de mortes não naturais, salários cresceram acima da média
RIO, SÃO PAULO E MACEIÓ - Entre 2001 e 2011, período em que estados das regiões Norte e Nordeste registraram aumento na renda per capita acima da média nacional, um efeito indesejado ocorreu: o crescimento das mortes violentas. Para especialistas, a causa dessa aparente contradição é que as mudanças sociais e econômicas não foram acompanhadas por estruturas de segurança pública de melhor qualidade.
O contraste entre o bom momento econômico e a piora nos indicadores de segurança pode ser constatado num cruzamento de indicadores de renda per capita e taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes feito pelo GLOBO nos microdados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE) e nos registros do DataSus.
No grupo de dez estados que mais registraram aumento na taxa de mortes violentas, nove são do Norte e do Nordeste, e oito tiveram crescimento da renda per capita acima da média nacional (22%). No período analisado, só seis unidades da federação viram suas taxas de violência diminuir: Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Amapá, Roraima e Rondônia. Desse grupo, apenas os dois últimos tiveram crescimento da renda acima da média nacional.
Os dados utilizados pelo GLOBO contemplam todos os tipos de óbitos registrados no SUS por causas não naturais. Incluem homicídios, vítimas de trânsito, suicídios e acidentes. Os homicídios, no entanto, são o fator que mais explica o crescimento da violência, de acordo com especialistas, seguido de acidentes de trânsito.
Especialistas em segurança pública consideram inusitado que a renda melhor não tenha sido acompanhada por menos mortes violentas.
— A violência está aumentando no Norte e no Nordeste. O que espanta é que o Nordeste é a região que mais se beneficiou da redução da pobreza. Houve um crescimento demográfico, econômico e social importante em vários estados do Nordeste, que, no entanto, foi acompanhado de mais violência e maior presença do tráfico de drogas — disse Ignacio Cano, professor de Ciências Sociais e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Descuido com a segurança pública
Para Claudio Beato, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estados que foram beneficiados por mais investimentos econômicos e por programas de renda, como Bolsa Família, descuidaram do sistema de segurança:
— O que ocorreu é um paradoxo. Houve uma desestruturação do sistema de segurança em vários estados, como Alagoas e Bahia. Esses estados nunca cuidaram muito bem da questão da segurança, e agora a coisa está dando resultados negativos — disse Beato.
Em 2011, Alagoas estava em primeiro lugar na lista de estados com mais mortes violentas, superando o Espírito Santo (que encabeçava o ranking em 2010). Em 2011, Alagoas teve 115 mortes violentas por 100 mil habitantes; 63% delas foram por agressões (homicídios). O Espírito Santo teve 108 mortes violentas por 100 mil habitantes em 2011, sendo 44% por agressões. O resultado dos dois estados é bem pior do que a média nacional de mortes violentas naquele ano: 76 por 100 mil habitantes.
— O Espírito Santo está sempre entre os piores e mais violentos do país. Até a década de 1990, Alagoas era um estado tranquilo, a taxa de homicídio era baixa, mas cresceu na última década. Em Alagoas o problema tem a ver com a difusão das armas de fogo. No Espírito Santo o problema é mais antigo, o crime organizado tomou o estado. Conter as mortes violentas nesses estados não é algo fácil — diz o pesquisador e diretor de Estado e Instituições do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Daniel Cerqueira.
— O governo federal está fazendo esforços para conter os problemas de violência em Alagoas. É um estado pequeno. É como um teste tentar resolver os problemas de lá — disse Ignacio Cano.
No Rio de Janeiro, a situação melhorou, segundo os dados do DataSus. Os índices de mortes violentas tiveram pequena queda na comparação de 2010 com 2011, e uma redução significativa, quando se analisa a série histórica desde 2001. As mortes por homicídio também caíram. O estado, que ocupava a 10ª posição entre os com maior índice de mortes violentas em 2010, passou à 12ª posição em 2011, atrás de estados do Norte e do Nordeste, além de Minas Gerais e Goiás.
— O Rio vem melhorando desde 2002, pois foram feitos investimentos nas polícias — disse Beato.
Para Daniel Cerqueira, os resultados do Rio têm relação com a expansão das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs):
— A queda do índice de mortes por agressão tem a ver com as UPPs, que começaram a ser implantadas em favelas pequenas. As UPPs só tomaram corpo no final de 2009 e em 2010, quando a região da Tijuca começou a ter unidades — afirmou Cerqueira.
São Paulo também melhorou seus índices de mortes violentas entre 2001 e 2011. No caso paulista, no entanto, como os dados do DataSus, recém-liberados pelo Ministério da Saúde, vão somente até 2011, ainda não é possível analisar o efeito da onda de violência verificada na Região Metropolitana do estado este ano:
— O Sudeste, de maneira geral, fez um dever de casa que o Nordeste vai ter que começar a fazer agora, que é ter uma gestão melhor da área de segurança, ter um investimento mais acentuado — disse Beato.
Falta de ciclovias favorece acidentes
Em Alagoas, o crescimento do trânsito em Maceió e nas cidades vizinhas não foi acompanhado de providências, como a construção de ciclovias, um dos fatores que levou à morte de Álvaro Vasconcelos Júnior, de 26 anos, uma promessa no triatlon, na última segunda-feira. Ele morreu enquanto pedalava, durante um treino na AL-101 Sul. Um ônibus atropelou o rapaz, herdeiro de uma das maiores fortunas do estado. O motorista foi indiciado por homicídio. Disse que chovia muito e, por isso, não viu o rapaz.
O salto de Alagoas nas estatísticas do DataSus assustou o presidente do Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do estado, Daniel Pereira.
— Não há como saber as causas dessa violência porque não temos um observatório, um instrumento para analisar e combater esses casos. Aqui na comissão trabalhamos só com homicídios.
A Secretaria estadual de Defesa Social informou que vai instalar bases comunitárias nas áreas consideradas mais violentas.
Colaborou Odilon Rios (Especial para O GLOBO)
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