Violência homicida no nordeste brasileiro: um breve olhar



José Maria Nóbrega Jr. – Doutor em Ciência Política pela UFPE, Professor Adjunto da UFCG, autor do Livro “Homicídios no Nordeste. Dinâmica, relações causais e desmistificação da violência homicida”. EDUFCG.

A criminalidade violenta é um dos maiores problemas a serem enfrentados pelos governos brasileiros. Em todas as regiões do país há índices alarmantes de criminalidade, não obstante alguns governos conseguirem arrefecer os dados com políticas públicas de segurança. O homicídio, ou morte por agressão, é o principal indicador para medir a amplitude da violência e da criminalidade em determinado espaço social. As ciências sociais vêm tendo mais atenção a essa temática e os estudos na área da Ciência Política em especifico, negligenciam a violência como sendo um impeditivo para o avanço da nossa democracia. O que vemos atualmente é um quadro de crescimento vertiginoso da criminalidade violenta medida pelos indicadores de assassinatos, com destaque à região Nordeste.
Em alguns trabalhos publicados pelo país, mostrei um processo de inversão entre as taxas de homicídios da região Sudeste em relação ao Nordeste. O Sudeste foi entre 1980 e 2005 a região mais violenta, tanto em números absolutos de homicídios, como em taxas calculadas por cem mil da população. Em 2006 houve a inflexão dos números e a região Nordeste passou a ser a mais violenta nas duas perspectivas, em números absolutos e em taxas por cem mil. Em 2010 o Nordeste ficou atrás do Norte em termos de taxas por cem mil.
É importante destacar o principal banco de dados que são catalogadas todas as mortes por assassinatos do país. O Sistema de Informações de Mortalidade, o SIM, é um sistema de dados do Ministério da Saúde responsável por ampla catalogação na área da saúde. Funciona com a metodologia internacional da Classificação Internacional de Doenças (CID) da sua última revisão ocorrida em 1996 conforme estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Sua sofisticação metodológica não é encontrada na área da Segurança Pública. A dificuldade de acesso aos dados criminais no Brasil, a precariedade das informações disponibilizadas entre outros fatores, fazem os dados das secretarias de segurança e da polícia serem impraticáveis em termos metodológicos, salvo um ou outro caso.
Retomando a discussão, o Nordeste é hoje a região que merece uma atenção especial na análise da violência homicida. O ano de 2010, último ano consolidado no SIM, mostra que no Brasil houve 52.260 assassinatos, ou mortes por agressão segundo os dados do SIM, onde a taxa de homicídios chegou ao patamar de 27,3/100 mil. Países com sérios problemas com narcotráfico e descontrole governamental, como Colômbia e Venezuela, estão à frente do Brasil. Mas, segundo os dados do Global Study on Homicide de 2011, das Nações Unidas, o Brasil fica atrás apenas da Colômbia e da Venezuela. Contudo, países com sérios problemas políticos, como El Salvador e Honduras, também respondem por taxas de homicídios muito além do tolerável (que seria no máximo 10/100 mil, segundo a OMS).
No Nordeste a taxa chegou a 35,5/100 mil em 2010 ficando atrás do Norte, com taxas de 38/100 mil. Contudo, em termos de números absolutos de homicídios o Nordeste é campeão nacional e uma das regiões mais violentas do globo, perdendo, inclusive, para países em guerra, como o Iraque. Mata-se mais no Nordeste que em países com graves problemas políticos e que sofrem intervenção militar, como no Afeganistão. É mais fácil morrer assassinado no Nordeste brasileiro do que na Faixa de Gaza nos conflitos Israel x Hamas. O número de assassinatos absolutos no Nordeste foi de 18.867 mortes no ano de 2010! Uma verdadeira carnificina. No Norte, apesar da taxa superior por questão de sua população ser bem inferior à nordestina, as mortes absolutas por agressão chegaram a 6.014 homicídios. O Sul teve 6.463, com taxa de 23,5/100 mil. O Centro-Oeste teve 4.382 assassinatos, com taxa de 31,1/100 mil. O Sudeste com 16.534 ficou com taxa inferior à nacional, 20,5/100 mil. E o Distrito Federal com 786 assassinatos e uma taxa de 30,5/100 mil. O Nordeste puxou para cima os dados nacionais.
No entanto, dos 5.565 municípios que o Brasil possui, 1712 deles se encontram no Nordeste. Daí veio a curiosidade do pesquisador: quais municípios são mais representativos na concentração dos assassinatos? Levantamento feito em cima dos 1712 municípios, apenas 56 deles tem populações superiores aos 100 mil habitantes – escolha feita para calcular as taxas de homicídios que são por grupos de 100 mil da população em tela -, e o que mais chamou atenção, são neles que está a maioria dos assassinatos da região. São 3,3% dos municípios nordestinos que concentra em média 60% dos homicídios. Um dado importante, a urbanização e o crescimento populacional importam, mas não são determinantes. Existem municípios com populações semelhantes, mas com taxas totalmente díspares. Como é o caso de Lauro de Freitas na Bahia que, em dez anos, teve um crescimento de mais de 900% em suas taxas de homicídios, em 2010 essa taxa foi de 92/100 mil. Já em Barreiras, não houve nenhum assassinato e em 2009 a sua taxa foi de 2/100 mil. O desvio padrão entre a maior taxa e a menor na Bahia me revelou o seguinte: ou Barreiras é uma cidade muito pacata, ou as mortes ocorridas lá estão sendo cadastradas em outra localidade.
Contudo, é impressionante o número de assassinatos nessas 56 cidades, o equivalente a 51,5% das mortes registradas em toda a região. Dos 18.867 assassinatos perpetrados no Nordeste, 10.821 foram registrados naquelas cidades.
São duas cidades em Alagoas: Arapiraca, com taxa de 74,2/100 mil e Maceió, com taxa de 98,4. Quinze cidades na Bahia: Alagoinhas, com taxa de 50/100 mil; Barreiras, sem assassinatos para 2010, mas com taxa de 2/100 mil habitantes para o ano de 2009; Camaçari com taxa de 58/100 mil; Feira de Santana, com taxa de 56,5/100 mil; Ilhéus, com taxa de 63/100 mil; Itabuna, com taxa de 90,3/100 mil; Jequié, com taxa de 36,2/100 mil; Juazeiro, com taxa de 39,4/100 mil; Lauro de Freitas, com taxa de 92,3/100 mil; Paulo Afonso, com taxa de 60/100 mil; Porto Seguro, com taxa de 107/100 mil; Salvador, com taxa de 69,2/100 mil; Simões Filho, com taxa de 98,2/100 mil; Teixeira de Freitas, com taxa de 75,8/100 mil; e Vitória da Conquista, com taxa de 81,7/100 mil. Oito municípios no Ceará: Caucaia, com taxa de 51/100 mil; Crato, com taxa de 36,2/100 mil; Fortaleza, com taxa de 47,6/100 mil; Itapipoca, com taxa de 20,6/100 mil; Juazeiro do Norte, com taxa de 31,2/100 mil; Maracanaú, com taxa de 56,4/100 mil; Maranguape, com taxa de 25,5/100 mil; e Sobral, com taxa de 17,5. Maranhão com oito cidades: Açailândia, com taxa de 46/100 mil; Caxias, com taxa de 25/100 mil; Codó, com taxa de 25,4/100 mil; Imperatriz, com taxa de 43,3/100 mil; Paço do Lumiar, com taxa de 18/100 mil; São José de Ribamar, com taxa de 29,4/100 mil; São Luís, com taxa de 45/100 mil; e Timon, com taxa de 23/100 mil. A Paraíba com quatro cidades: Campina Grande, com taxa de 48,5/100 mil; João Pessoa, com taxa de 68,4; Patos, com taxa de 56,6/100 mil; e Santa Rita, com taxa de 82,2/100 mil. Pernambuco com doze cidades: Cabo de Santo Agostinho, com taxa de 68,6/100 mil; Camaragibe, com taxa de 39,4/100 mil; Caruaru, com taxa de 38,7/100 mil; Garanhuns, com taxa de 37,8/100 mil; Jaboatão dos Guararapes, com taxa de 45,7/100 mil; Olinda, com taxa de 57/100 mil; Paulista, com taxa de 38,2/100 mil; Petrolina, com taxa de 29/100 mil; Recife, com taxa de 43,5/100 mil; São Lourenço da Mata, com taxa de 31/100 mil; e Vitória de Santo Antão, com taxa de 49,2/100 mil. Piauí com duas cidades: Parnaíba com 22,6/100 mil e Teresina, com 24,8/100 mil. Rio Grande do Norte com três cidades: Mossoró, com taxa de 48,8/100 mil; Natal, com taxa de 36,4/100 mil e Parnamirim, com taxa de 20,7/100 mil. Finalmente Sergipe, com duas cidades: Aracaju, com taxa de 27,4/100 mil e Nossa Senhora do Socorro, com taxa de 49/100 mil. Todos com os dados de 2010 do SIM.
A cidade mais violenta em termos de taxas por cem mil foi Porto Seguro, na Bahia, com taxa superior em dez vezes o tolerável pela OMS, 107/100 mil. A Bahia é o Estado mais violento em números absolutos com 5.756 homicídios no ano de 2010 (SIM). Alagoas é o Estado mais violento em termos proporcionais de taxas por cem mil habitantes, com taxa de 66,8/100 mil. O único estado a apresentar variação percentual negativa no período 2000-2010 foi Pernambuco que reduziu seus dados de números absolutos de homicídios em -23,6%, com destaque aos três últimos anos da série histórica (2008-2010).
O desvio padrão médio foi de 17,2 para os dados de 2010 de todos os 56 municípios mais a soma dos estados e região Nordeste. A cidade com menor indicador foi Barreiras na Bahia, com taxa de 0, sem assassinatos. A capital mais violenta foi Maceió, com taxa de 98/100 mil e a menos violenta foi Teresina, com taxa de 24,8/100 mil (dados de 2010 do SIM).
O processo evolutivo dos números absolutos mostrou uma variação percentual positiva na relação 2000-2010 de 51% de crescimento dos homicídios no Nordeste. Em 2000 foram perpetrados 9.245 assassinatos em toda a região, em 2010 esse dado foi de mais de 18.800 mortes, como foi visto linhas acima. A taxa de homicídios em 2000 no Nordeste era de menos de 20/100 mil, no final da série histórica houve um crescimento de mais de 15 pontos na taxa, que foi de 35,5/100 mil, em 2010. A reação na concentração dos números no nível das cidades com populações superiores a 100 mil habitantes é um fato novo que deve ser levado em consideração pelos gestores e tomadores de decisão das políticas públicas de segurança.
Aqui foi levantado onde está concentrada a maior parte da violência homicida no Nordeste, em apenas 56 cidades, ou 3,3% do mapa da região. Concentrar esforços nas capitais e nas suas regiões metropolitanas ainda é insuficiente. Cidades nordestinas localizadas distante das capitais, mas que tem populações acima dos 100 mil habitantes concentram poder de consumo e de anonimato crescente devido ao crescimento populacional. Alvos potenciais do crime organizado e do tráfico de drogas que migram para o interior, mas não para cidades inexpressivas em termos populacionais.
Quando traçamos análises lineares dos homicídios nesses municípios percebe-se claramente uma linha positiva com taxas crescentes de forma padronizada no tempo e espaço. Como exemplo disso, o Estado da Bahia na análise temporal da série histórica do somatório dos números de homicídios entre 2000 e 2010 mostra um incremento percentual de crescimento lienar e contínuo de 34,8% ao ano. Isso fica bem representado graficamente abaixo:

Gráfico 1. Taxas de Homicídios somatório dos 15 municípios baianos (2010) – com linha logarítmica e r-square

Fonte: MS/SVS/DASIS – SIM. Cálculo das taxas e formatação NÓBREGA JR. 2013
O r-square despontado no gráfico mostra a forte relação temporal, o que nos aponta para a continuidade da tendência, caso nada seja feito na área da segurança pública.
Esse pequeno panorama precisa ser aprofundado em pesquisas pontuais nos nove estados da região Nordeste. Dados bem trabalhados e realidades bem estudadas podem vir a salvar mais vidas e efetivar uma verdadeira sociedade num estado democrático de direito. Da forma que está à violência tende a continuar! Como pode ser visto no caso da Bahia representada no gráfico acima.

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