O que Nova York pode ensinar a SP no combate à violência?
Paula Adamo Idoeta
Da BBC Brasil em São Paulo
Atualizado em 11 de dezembro, 2012 - 06:59 (Brasília) 08:59 GMT
Nova York já foi vista como uma das metrópoles mais perigosas do mundo, alcançando em 1990 seu pico de homicídios: 2.262 em um ano, média de 188 por mês.
Mas esse cenário mudou: a cidade de 8 milhões de habitantes apresentou uma das maiores reduções de crimes registradas nos EUA. E recentemente, em 26 de novembro, teve um dia inédito, sem nenhum registro de crimes violentos.
Notícias relacionadas
Tópicos relacionados
Algo assim é extremamente incomum, mas reflete uma tendência de queda na criminalidade. O número de homicídios em Nova York caiu para 515 em 2011 - uma redução de quase 80% em relação à década de 1990.
São Paulo teve queda equivalente nos casos de homicídio desde os anos 1990. A estatística mais antiga disponibilizada pelo governo é de 1996, quando 4.682 casos foram registrados. Em 2011, foram 1.019 - uma queda aproximada também de 80%.
Já em São Paulo, diferentemente de Nova York, os números da violência voltaram a subir neste ano.
A cidade americana contabilizou 376 homicídios entre janeiro e 26 de novembro deste ano, queda de 21% em relação ao mesmo período de 2011. Na capital paulista, segundo os dados mais recentes, os assassinatos subiram 33% entre 2011 e 2012, no período entre janeiro e outubro (dado mais recente disponível). Foram 870 mortes no ano passado e 1.157 neste ano.
O aumento dos homicídios foi puxado por uma onda de violência entre polícia e facções criminosas que começou em maio e se intensificou em setembro. Só entre agosto e outubro, São Paulo registrou 433 homicídios, mais do que Nova York deve registrar durante todo o ano.
Em crimes contra o patrimônio, a redução foi muito maior em Nova York na série histórica, em comparação com São Paulo (veja quadro).
Não há consenso entre especialistas quanto a quais pontos da "receita" de Nova York tiveram mais impacto na redução da criminalidade. Mas analistas ouvidos pela BBC Brasil e estudos apontam as medidas que acreditam ter sido mais eficazes.
Será que a cidade americana tem algo a ensinar às metrópoles brasileiras em redução da violência?
Camila Dias, pesquisadora do NEV (Núcleo de Estudos da Violência da USP), considera "interessantes" algumas iniciativas de Nova York, mas critica a "base ideológica da política de segurança pública americana, de encarceramento massivo e segregação".
O especialista em segurança pública Guaracy Mingardi cita diferenças cruciais entre os sistemas judiciais e policiais entre Brasil e EUA – lá, por exemplo, as polícias são de controle municipal; aqui, estão sob os Estados e divididas entre PM, Polícia Civil e perícia.
Mas os dois comentam como as medidas adotadas em Nova York se comparam a São Paulo. Confira:
Modelo da 'janela quebrada'
Nos anos 1990, a prefeitura de Nova York pregava o combate a crimes pequenos e a prevenção do vandalismo ("janelas quebradas"), para impedir uma espiral de violência que levasse a crimes mais graves.
"A questão foi intervir na (degradação do) espaço urbano, que contribui para a instalação de gangues", explica a brasileira Elenice Souza, da Universidade Rutgers (Nova Jersey), autora de estudos sobre violência no Brasil e nos EUA.
"Em Nova York, houve a restauração de áreas públicas onde problemas de violência eram visíveis", agrega. Também foram fechados "mercados abertos" de drogas, onde o tráfico atuava livremente.
E em SP? Para Mingardi, o modelo tem validade em locais como a cracolândia, em São Paulo – área central e urbanizada, mas degradada pela ação do tráfico -, mas não em bairros periféricos, áreas enormes e pouco urbanizadas onde as dificuldades da polícia são maiores.
Camila Dias considera "importante" a recuperação de espaços públicos, mas critica a ação já feita na cracolândia: "Recuperar o espaço não significa limpá-lo, afastando dele alguns segmentos sociais."
Identificar focos de criminalidade e patrulhá-los preventivamente
Para alguns observadores, o modelo da "janela quebrada" foi superestimado em Nova York. O mais importante, dizem, foi identificar focos de criminalidade para concentrar, ali, ação preventiva.
"Foi possível assinalar áreas pequenas onde criminosos mais atuavam, onde sabia-se que crimes iam ocorrer", diz Tom Reppetto, ex-policial e autor de livros sobre a polícia nova-iorquina. Ele sugere que essas áreas tenham presença visível e constante da polícia.
"O mais importante é a localização da polícia", complementa Frank Zimring, professor da Escola de Direito da Universidade da Califórnia e autor de artigos sobre a criminalidade em Nova York.
Segundo ele, as patrulhas preventivas – e em grande número - em focos de crime foi essencial para reduzir a violência. "O crime é mais situacional do que se pensa, inclusive homicídios. Com a patrulha policial, pessoas que iam cometer crimes simplesmente foram fazer outra coisa."
E em SP? Com efetivo insuficiente para policiamento preventivo, a Polícia Militar paulista "está, na maior parte do tempo, atrás do crime que já ocorreu", afirma Mingardi.
Para Dias, o policiamento preventivo poderia coibir pequenos delitos e servir como parte de uma estratégia mais ampla. "Mas pode levar à migração de crimes para outros locais. Acho que, no longo prazo, os efeitos seriam pífios."
Revistas frequentes
A polícia de Nova York tem como prática preventiva o stop and frisk, ou "parar e revistar".
"Se policiais veem alguém parado em um beco, se aproximam, perguntam se ele está armado e o revistam", conta Reppetto.
A medida é polêmica porque muitos a consideram um desrespeito ao cidadão; outros acham muitas revistas "preconceituosas", por sua tendência a focarem mais pessoas negras e pobres, por exemplo.
Para Reppetto, a revista só é válida se for embasada em suspeitas consistentes. Mas ele alega que a medida reduziu o número de armas nas ruas de Nova York.
E em SP? As revistas já são frequentes em São Paulo, mas também com o foco em traços "raciais" e socioeconômicos, dizem os analistas. Podem ajudar a prevenir alguns tipos de crimes, como brigas de bares, mas não chacinas, afirma Mingardi.
Cortes comunitárias e prisões
Para Souza, teve "papel importantíssimo" a implementação de cortes (tribunais), nos anos 1990, para tratar de crimes menores, mediar conflitos comunitários e violência doméstica e para lidar com usuários de drogas.
Criminalidade, em NY e SP
Homicídios em Nova York:
1990 - 2.265
2011 - 515
2012 (de janeiro a 26 de novembro) - 376
Homicídios em São Paulo:
1996* (dado mais antigo disponível) - 4.682
2011* - 1.019
2012** (de janeiro a outubro) - 1.157
(*Número de casos de homicídio. A Secretaria de Segurança Pública só começou a divulgar o número de vítimas de homicídio a partir de 2005. Até então, homicídios múltiplos eram contados como apenas um caso; **número de vítimas de homicídio)
Roubos em Nova York*:
2001 - 60.965 casos
2011 - 38.437 casos
Redução de 37%
(*inclui roubos de residências)
Roubos em São Paulo:
2001 - 112.031
2011 - 109.709
Redução de 2%
(Fontes: CompStat e Governo do Estado de SP)
A ideia é evitar que esses conflitos evoluam e aumentar a confiança dos cidadãos no sistema judiciário e político, diz ela, agregando que aumentou a aplicação de penas alternativas e serviço comunitário.
Quanto aos casos de prisão, não há consenso entre especialistas. Uma tese defendida por Michael P Johnson, que trabalhou na prefeitura nova-iorquina nos anos 90, é de que aumentou na época o número de pessoas presas na cidade, mas elas permaneciam detidas por menos tempo, como "advertência", para punir e mostrar que o sistema está atuante.
E em SP? "(A adoção de cortes comunitárias) é uma medida interessante, mas no Brasil a Justiça ainda está muito distante da população mais pobre, é um bem escasso", afirma Dias.
Mingardi cita os tribunais de pequenas causas, mas faz a ressalva de que, diferentemente dos EUA, não há cortes municipais no Brasil.
"E nossa legislação não prevê detenções de curto prazo, que acabam ocorrendo ilegalmente por decisão de delegados", agrega. "Nos EUA, a pessoa presa é apresentada ao juiz em questão de horas, mas aqui não. E a pessoa presa em flagrante, mesmo que por crimes menores, fica detida à espera da lentidão da Justiça."
Integração, tecnologia e reforma policial
Segundo especialistas, só houve redução do crime graças à adoção de medidas conjuntas e contínuas, por um longo período de tempo, com apoio da tecnologia – abrangendo o CompStat, serviço de compilação de dados, cumprimento de metas e mapeamento do crime; o sistema de monitoramento (com câmeras) da cidade; o uso de laptops nos carros policiais; o compartilhamento de dados entre polícia, sociedade civil e Poder Judiciário; o trabalho de inteligência e de campo para identificar criminosos que tenham fugido ou que não tenham comparecido a audiências judiciais.
"A atuação passou a ser proativa e aplicada de maneira apropriada e planejada", defende Reppetto.
Souza cita também a reforma policial realizada em Nova York nos anos 1990, para combater a corrupção e a desmotivação na força. Além do expurgo de oficiais corruptos, foram comprados novos uniformes, aumentados os salários e os recursos da corporação.
"A imagem da Polícia de Nova York mudou drasticamente, ainda que não necessariamente para o bem", afirma Zimring. "O que mostra que mudanças radicais podem acontecer."
E em SP? A polícia paulista conta, desde os anos 90, com o Infocrim, sistema computadorizado que mapeia o crime e que, para muitos, ajudou a reduzir as taxas de homicídio. "Mas falta ouvidoria operante, e as pessoas têm medo de denunciar. A criminalidade muda rápido, e o modelo que fez cair os homicídios já venceu", opina Mingardi.
Para Dias, "não há integração alguma, nem nos níveis mais básicos de instituições que trabalham em áreas próximas". Quanto à reforma policial, ela considera "essencial para se pensar em qualquer mudança mais profunda na estrutura da segurança pública" de São Paulo.
*Colaborou Luis Kawaguti, da BBC Brasil em São Paulo
Comentários
Postar um comentário