Violência se espalha rapidamente pelo Litoral Sul

Povoação e explosão econômica da região provocam mazelas comuns nas cidades grandes

Publicado em 03/12/2011, às 20h26 (Jornal do Commercio-PE)

Bruno Albertim

De um lado, a Reserva do Paiva, um eldorado litorâneo onde o aluguel de uma casa de cinco quartos, 800 metros quadrados, pode custar R$ 30 mil por mês. Na outra extremidade, o Complexo Industrial Portuário de Suape, símbolo da decantada redenção econômica que pode, numa perspectiva cheia do otimismo provocado pelo assunto, tornar o PIB pernambucano equivalente ao de todo o Nordeste em duas décadas. Entre o luxo e o porto, há um conjunto de praias onde quintais viram cortiços, invasões ocupam matas, favelização e águas cristalinas são tão comuns como a violência típica dos subúrbios do Recife. Assaltos e homicídios constantes como coqueiros. Agora, no Cabo de Santo Agostinho, o terror tem vista para o mar.

“Nunca mais volto numa destas praias”, diz o montador Marcelo Alexandre da Silva, 40 anos. No dia 23 de outubro, o funcionário da Odebrecht foi encontrado semimorto, depois de ter a casa assaltada em Enseada dos Corais. Milagrosamente, recupera-se de um traumatismo que deixou a cobertura do crânio frágil como a de um recém-nascido. “O médico disse que se um caju cair na minha cabeça, morro”, comenta. “Ali, não tem uma semana sem homicídios. Não deixo amigo ou parente passear naquela região.” Marcelo havia se mudado para o litoral porque, além de estar perto do trabalho em Suape, pensava em recuperar a qualidade de vida que o Recife violento e engarrafado não permitia. Uma ilusão litorânea.

Enquanto Suape não faz o PIB de Pernambuco pular dos atuais R$ 80 bilhões para R$ 400 bilhões e um Plano Diretor para a zona de influência do complexo não passa de uma série de projetos em rascunho, sobram mazelas sociais nunca vistas desde que o porto surgiu há 33 anos. “Isso aqui parece o paraíso. Mas é o inferno disfarçado”, compara o alemão Gerard Sattelmayer, 56, com residência provisória em Gaibu. Mora na praia enquanto trabalha num sistema de engenharia industrial no Centro do Cabo. Ele já viu dois tiroteios diante das piscinas naturais que emolduram a janela de sua suíte. “Só saio do hotel para o trabalho”, afirma o engenheiro. “Vi um homem matar duas pessoas na praia e sair andando.”

Longe de ser privilégio de um gringo facilmente identificável para bandidos em busca de desavisados, a violência é rotina da gente bronzeada que se confunde com a paisagem. “A Ponte do Paiva, infelizmente, não trouxe só o progresso”, diz o comerciante Eduardo de Carvalho, 42. Morador de Itapuama, ele foi viver no balneário, há 18 anos, em busca de sossego. “Agora, ninguém tem coragem de ficar na rua à noite.” Com o sereno, o silêncio é total na vila. Luzes acesas indicam moradores trancados em casas. O medo alterou os hábitos locais. “Ninguém daqui vai à praia aos domingos. Vez ou outra, há tiroteios.”

A violência não é apenas uma ameaça à vida do comerciante. Virou história concreta. No começo do ano, um homem foi morto na loja que alugara no térreo de sua residência. “Meu inquilino sofreu dois assaltos em menos de 15 dias no restaurante que montou. No último, o noivo de uma funcionária foi assassinado.”

É notória a diferença entre as praias vizinhas do Paiva e de Itapuama. Nos 8,5 quilômetros do Paiva onde, segundo o slogan, “Um estilo de vida único espera por você e sua família no primeiro bairro 100% planejado de Pernambuco”, seguranças e câmeras discretas mal atrapalham o canto dos pássaros. Nas outras praias, puxadinhos e casebres encastelam-se uns sobre os outros. Esgotos correm na rua. E, mais que isso, sobra gente. Muita. E de sotaques variados. São pelo menos 47 mil homens envolvidos nos três maiores equipamentos econômicos do complexo.

Nos bastidores, comenta-se que, para cumprir as metas ousadas, Suape saiu contratando desesperadamente peões de fora do Estado. Sem critérios. “Todo mundo aqui sabe que os canteiros estão cheios de bandidos com documento falso. À boca miúda, sempre um comenta que outro tem um, dois homicídios nas costas”, diz, em reserva, um funcionário do estaleiro.

As ocorrências se multiplicam como ondas. Há três meses, a fotógrafa Luciana Ourique foi amarrada numa árvore com mais três amigos por assaltantes. Abordados depois de passar o dia na paradisíaca Calhetas, teve o carro roubado. “Eu ia duas vezes por mês com meus filhos. Nunca mais volto àquela praia. É muito triste.”

E não é de agora. Há mais de um ano, a arquiteta Vera Pires foi feita refém com mais 12 argentinos hospedados em sua casa, em Enseada dos Corais. “Os bandidos eram de fora.” Enquanto forasteiros invadem o litoral, veranistas evitam suas casas. “Quem tem casa por lá, vai pouco, e com medo”. Onde antes havia muros baixos e gramados, surgem grades e cercas elétricas. Saem cabanas e terraços. Chegam muralhas à beira-mar.

Estudioso do assunto, o cientista político José Maria Nóbrega diz que houve redução de homicídios no Cabo, nos últimos três anos. “De 2008 a 2010, o número de assassinatos caiu de 169 assassinatos para 126.” Mas ele pondera: “Isso não quer dizer que não tenha havido aumento localizado de ocorrências”, diz, lembrando de um movimento clássico da criminalidade. “Se há aumento específico de riqueza numa área, há também um aumento da bandidagem atrás de oportunidades criminosas. O crescimento econômico de um Estado, dada a fragilidade de seus aparatos coercitivos, aumenta sim a violência”, analisa o autor de Homicídios no Nordeste Brasileiro, a ser lançado pela Universidade Federal de Campina Grande.

Segundo dados oficiais da Secretaria de Defesa Social, apesar de ter havido uma redução significativa de 26,2% no número de homicídios, entre 2008 e 2009, o Cabo de Santo Agostinho teve um ligeiro aumento (1,1%), na quantidade de assassinatos no biênio seguinte. Também sob a influência de Suape, Ipojuca teve redução de 16,1%. “Como o Cabo abriga maior parte dessa nova população, as ocorrências criminais tendem a se concentrar ali”, reconhece o titular da Defesa Social, Wilson Damázio. O secretário anuncia que, diante do quadro, dois grandes centros integrados de segurança serão implantados no próximo ano no Cabo. Um deles no complexo industrial.

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