Democracia, crime, violência e tráfico de drogas: qual o papel do Estado?
Por José Maria Nóbrega – Cientista Político e Professor da UFCG
A democracia pressupõe liberalismo. Este pressupõe direitos civis. Crime e violência crescentes e epidêmicos ferem os direitos civis. Dessa forma, sem o componente liberal não há democracia.
Muitos teóricos focam suas análises na perspectiva procedimental da democracia. Ou seja, se há eleições periódicas e a maioria da população tem acesso a escolha dos governantes, temos aí uma democracia funcionando, não obstante uma gama expressiva da população ter negado o acesso à justiça e esta ser extremamente lenta e ineficaz.
O crime e a violência no Brasil, em específico no Nordeste, vêm num ritmo de crescimento acelerado mesmo o país atravessando bons momentos de desenvolvimento econômico e de maior equilíbrio social. Desde as reformas econômicas no governo de Itamar Franco com a introdução do Plano Real para a estabilidade econômica do país, o Nordeste atravessa um período de melhoria em suas reais condições socioeconômicas. No governo de Lula os programas sociais beneficiaram, principalmente, os estados nordestinos, melhorando a qualidade de vida das pessoas, diminuindo a concentração de renda e permitindo maior acesso ao consumo de classe média para uma gama da sociedade que não consumia bens duráveis, como celulares e TV a cabo, por exemplo.
Do outro lado, as taxas de homicídios triplicaram na região, bem como o tráfico de drogas e o crime organizado. Entre 2000 e 2009, o Nordeste explode em seus indicadores de criminalidade homicida. Por exemplo, a Bahia, em 2000, tinha uma taxa de homicídios de 9,50/100.000 habitantes. Em 2009, num ritmo frenético, constante e linearmente positivo chegou à taxa de 36,51/100.000, quase quadruplicando a mesma em menos de dez anos. A Organização Mundial da Saúde considera o nível de 10/100.000 como limiar para o controle de uma determinada variável, no caso de se extrapolar este número considera-se epidêmico qualquer doença ou mal social, como é o caso da violência homicida.
Muitos teóricos focavam nas condições estruturantes as causas da violência, e como controle da criminalidade a melhoria das condições socioeconômicas. Tais teorias não se confirmaram nos testes empíricos. Indicadores socioeconômicos, como o Gini por exemplo, foram expressivamente melhorados sem reflexo na diminuição da criminalidade violenta. No Nordeste ocorreu o inverso, menos pobreza e menos desigualdade ao custo de muitas mortes por agressão. Onde estariam, então, as causas deste crescimento vertiginoso da criminalidade violenta? A resposta estaria, na verdade, na capacidade do estado em manter a ordem pública.
Muitos cientistas sociais não aprenderam que não existe sociedade civilizada sem polícia civilizada. E a nossa polícia ainda não é civilizada. Sem o conteúdo civitas introduzido na estrutura e no ethos policial, dificilmente teremos como modelo uma polícia gerencial capaz de gerir com eficácia os recursos públicos da segurança. No elo que configura a superestrutura do aparato de segurança pública, além da polícia, os ministérios públicos e o sistema carcerário entram nesta engenharia institucional estatal que é fundamental para a consolidação da democracia em qualquer lugar do globo.
Enquanto tratarmos o problema da criminalidade violenta e do tráfico de drogas apenas como uma questão social não há como desenvolver a democracia brasileira. Políticas públicas adequadas de segurança, que realinhe a nossa engenharia institucional coercitiva, somadas ao acesso célere à Justiça – uma justiça capaz de nivelar o seu papel de isonomia perante às leis – e a um modelo penal moderno e flexível completam o conceito real de democracia procedimental minimalista. Eleições livres e diretas são apenas uma variável interveniente para a consolidação democrática. Sem direitos civis garantidos e controle efetivo da violência, com política de restrição séria do consumo e repressão ao tráfico de drogas, não se consolidará a democracia no Brasil.
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