QUEM VAI SER ASSASSINADO?

CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sábado, 12 de março de 2011 • Opinião • 15

GLÁUCIO SOARES

Pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj)

As mortes violentas, incluindo os homicídios, têm características contraditórias: no agregado, são previsíveis; no nível individual, não o são. É mais fácil prever a taxa de um gênero, de uma raça ou de uma faixa etária do que uma morte individual. 

A impossibilidade de prever eventos individuais nos remete ao estudo do risco. O risco de vitimização varia muito na sociedade brasileira. Há categorias de alto e de baixo riscos. Uma análise combinatória das variáveis associadas com o risco aumenta as diferenças entre os extremos. Por exemplo, em Minas Gerais, a probabilidade de um homem ser assassinado era mais de nove vezes a probabilidade de uma mulher ser assassinada — 9,21, para ser exato. A razão de risco de vitimização entre homens e mulheres em 2001 era alta, próxima da média brasileira. Em vários países é muito menor. Da mesma maneira, o risco de vitimização dos jovens era muito mais alto do que entre crianças ou idosos. O leitor pode perceber que, combinando gênero e idade, as diferenças entre os extremos aumentam. O risco de um homem jovem ser assassinado era quase 30 vezes mais alto do que o de uma mulher da terceira idade.
Há outros fatores, como o estado civil e a raça/cor da pele, que podem ser introduzidos na análise combinatória, separando mais as taxas das combinações mais altas e as das mais baixas. Evidentemente, só podemos trabalhar com as variáveis sobre as quais há dados; infelizmente, há variáveis que influenciam a taxa de vitimização, como a religião e a religiosidade,a estrutura da família, o nível efetivo de educação, sobre as quais não há informação confiável e que não podem ser incluídas na análise combinatória.
Se não temos dados sistemáticos de qualidade sobre essas variáveis no nível estadual ou nacional, como sabemos que elas estão relacionadas com o risco de ser assassinado?
É uma hipótese que, em grande parte, se fundamenta em estudos realizados fora do Brasil, em países onde essas informações já são parte da base nacional de dados, e em pesquisas específicas de vitimização, realizadas dentro e fora do Brasil, que incluíram dados sobre elas, demonstrando que são relevantes para a análise da vitimização por crimes violentos. 

Com os dados que temos sobre Minas Gerais (e sobre o Brasil), podemos afirmar o que se segue: gênero, idade, estado civil e raça/cor da pele são fatores associadas ao risco de vitimização por homicídio; a combinação desses fatores refina as taxas de risco. Por exemplo: conhecendo o gênero e a idade, podemos diferenciar a população em grupos de risco, que variam desde menos de 2 por 100 mil (exemplo: mulheres de 60 a 69 anos) até quase 53 por 100 mil (homens de 20 a 29 anos), ou seja, a comparação entre a taxa de vitimização por 100 mil habitantes de um grupo de alto risco (homens de 20 a 29 anos) com a de um de baixo risco (mulheres de 60 a 69 anos) em 2001, mostra que a primeira era 26,5 mais alta do que a do segundo.

Essas diferenças entre as taxas de risco de subgrupos da população são estruturais: houve profundas mudanças em cada um dos cinco anos estudados, mas as mesmas faixas e grupos tiveram os valores mais altos e mais baixos de cada ano.

Alguns desses fatores têm efeitos interativos e não simplesmente somatórios. Por exemplo: conhecendo o gênero e a idade, dados constantes tanto dos censos quanto dos registros de óbitos, podemos diferenciar a população em grupos de risco, que variam muito entre si. As relações entre os riscos de vitimização não são as mesmas em todas as partes do país nem em todos os anos. Não são uma constante no tempo e no espaço: elas mudam pouco gradualmente, mas mudam. Quando há um incremento acelerado nos homicídios vinculados ao crime organizado, as disparidades entre o risco dos homens e o das mulheres crescem. Drogas e armas de fogo vitimam ainda mais homens jovens, pobres e negros do que as demais armas e circunstâncias.

As diferenças entre as taxas de risco de combinações que aumentam e que diminuem o risco são grandes e devem ser levadas em consideração pelas políticas públicas inteligentes de prevenção dos homicídios. Para levá-las em consideração é preciso conhecê-las. Políticas públicas inteligentes salvam vidas.