Os militares brasileiros estão sob controle civil?
José Maria Nóbrega – cientista político
Passados 25 anos da redemocratização brasileira, ainda é expressivo o poder político dos militares brasileiros. As matérias jornalísticas são claras quanto à interferência verde-oliva na política brasileira, enquanto a maioria dos cientistas sociais brasileiros perde o interesse em estudar o militarismo nas relações de poder.
A polêmica em torno dos arquivos secretos da época do regime autoritário dos militares reacende a importância de se analisar o problema “MILITARES E PODER POLÍTICO NO BRASIL”.
Será que a recém eleita presidente Dilma Rousseff terá coragem de desafiar os militares e, finalmente, disponibilizar os documentos que estão guardados a “sete chaves” do período de exceção?
Nem Lula teve coragem, não obstante uma das maiores popularidades já vistas na história do Brasil.
Lula recuou no caso dos CINDACTAS (Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo) que mostrou a crise do sistema aéreo brasileiro, onde tal sistema está sob controle das Forças Armadas. O comando da aeronáutica repreendeu o presidente da República quando o mesmo quis “negociar” com os amotinados (isso mesmo, para os militares houve desobediência, motim por parte dos controladores de vôo, que são militares) como se estivesse no período o qual era sindicalista.
Há claros domínios reservados por parte dos militares no Brasil e que poucos têm a coragem de discutir tais domínios.
Discutir o delicado caso dos documentos da ditadura militar é debater o futuro da democracia brasileira. Há democracia sem controle efetivo das Forças Armadas? A resposta é absolutamente negativa! Em regimes políticos democráticos, além de eleições com os elementos schumpeterianos, são imprescindíveis as garantias constitucionais dos direitos civis e políticos e o efetivo controle dos civis eleitos pelo povo sobre os militares.
Abaixo retirei trecho escrito em meu livro “Semidemocracia brasileira: as instituições coercitivas e práticas sociais” (2009: pp. 190-194), resultado de pesquisa elaborada no meu Mestrado entre 2003 e 2005 e que continuei a pesquisar até 2008. Parece que o trabalho vai manter-ser atualizado por um bom tempo!
Art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988:
“todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da Sociedade e do Estado” (Grifo meu).
Observando o dispositivo constitucional, percebe-se um certo cuidado em manter algumas informações em sigilo. Claro que é importante manter certos segredos para a segurança e manutenção da soberania nacional, mas algumas informações, estas do período ditatorial, se mantêm em segredo, privando direitos civis de pessoas que tiveram privadas suas liberdades naquele regime de exceção.
A questão das informações dos documentos da ditadura é bem delicada. Parece que os atores políticos civis e militares não estão muito preocupados em publicizá-las. Em matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 29 de outubro de 2004, tem-se colocada a questão da tensão em que governos civis temem entrar em conflito com as Forças Armadas. “Especialistas em ditadura e militares avaliam que as Forças Armadas brasileiras são, desde a transição democrática, relativamente autônomas em relação ao Poder Executivo, e que o medo do governo em entrar em conflito com os militares explica a relutância em abrir imediatamente documentos sigilosos do regime posterior ao golpe de 64.” Nessa matéria, colocações importantes de especialistas em relações civil-militares tem destaque. Gláucio Ary Dillon Soares, pesquisador do IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) disse: “não falta poder a Viegas porque ele não exerce o poder que tem, mas sim porque ele não exerce o poder que não tem”. Já Jorge Zaverucha, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) “afirma que o regime militar não terminou completamente porque foi feito um ‘pacto’ com os civis no momento da transição democrática, pelo qual ‘os militares permitem democracia eleitoral, desde que áreas, domínios reservados, enclaves autoritários sejam mantidos reservados. Tais documentos se encaixam nessa área de domínio reservado”.
O Decreto nº 5.301, de 9 de dezembro de 2004, regulamenta o disposto na Medida Provisória nº 228, que dispõe sobre a ressalva prevista na parte final (em negrito acima) do disposto no inciso XXXIII do artigo exposto acima, e dá outras providências.
Este decreto presidencial dispõe alguns pontos que são relevantes, destaco os seguintes:
Art. 3. Os documentos públicos que contenham informações imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado poderão ser classificados no mais alto grau de sigilo.
Parágrafo único. Para os fins deste Decreto, entende-se por documentos públicos qualquer base de conhecimento, pertencente à administração pública e às entidades privadas prestadoras de serviços públicos, fixada materialmente e disposta de modo que se possa utilizar para informação, consulta, estudo ou prova, incluindo áreas, bens e dados.
No artigo 7, que trata dos prazos de duração, classificando-os, mostra um cuidado excessivo:
Art. 7. Os prazos de duração da classificação a que se refere este Decreto vigoram a partir da data de produção do dado ou informação e são os seguintes:
I – ultra-secreto: máximo de trinta anos;
II – secreto: máximo de vinte anos;
III – confidencial: máximo de dez anos; e
IV – reservado: máximo de cinco anos.
Parágrafo único. Os prazos de classificação poderão ser prorrogados uma vez, por igual período, pela autoridade responsável pela classificação ou autoridade hierarquicamente superior competente para dispor sobre a matéria (Grifo meu).
No artigo 4 do decreto, ficou instituída a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas, que tem por finalidade decidir pela aplicação da ressalva constitucional (inciso XXXIII, artigo 5º da Constituição). Essa Comissão é composta pelos seguintes membros:
I – Presidente da República;
II – Vice-Presidente da República;
III – Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas;
IV – Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; e
V – Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior.
§ 2. Além das autoridades estabelecidas no caput, podem atribuir grau de sigilo:
I – Secreto: as autoridades que exerçam funções de direção, comando, chefia ou assessoramento, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou entidade de Administração Pública e Federal; e
II – Confidencial e reservado: os servidores civis e militares, de acordo com regulamentação específica de cada órgão ou entidade da Administração Pública Federal. (Grifo meu)
Esse decreto foi assinado pelos senhores Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, o então Ministro da Casa Civil José Dirceu de Oliveira e Silva, Ministro do Gabinete da Segurança Institucional da Presidência da República General Jorge Armando Félix e o Advogado Geral da União Álvaro Augusto Ribeiro.
A presença dos militares na condução do que deve ficar em sigilo ou não, demonstra forte prerrogativa militar em assunto de esfera civil em democracias sólidas. Dessa forma, arquivos do ancien regimé ficam a mercê da vontade castrense em que seja divulgado. Fica garantido os interesses de atores políticos não eleitos, onde de fato interferem em assuntos da esfera civil, passando por cima de direitos e, por sua vez, da própria democracia.
A intromissão castrense está em muitos setores da vida pública brasileira. No policiamento de trânsito, na segurança pessoal do presidente e vice-presidente da República, na polícia militar como força de reserva das Forças Armadas, no combate ao narcotráfico, nas investigações sobre adulteração de combustíveis, e vários outros setores que poderiam ser colocados de forma exaustiva aqui.
Tudo isso corrobora para a afirmação de que no Brasil a participação política dos militares é bem acentuada, fragilizando a democracia como regime político. Os militares brasileiros não são figuras decorativas, ou “tigres de papel” (Hunter, 1997) como afirmam alguns, estão sim, atuando plenamente na política nacional e passam, cada vez mais, a ocupar espaços institucionais na área de segurança pública. Os civis não contribuem para a efetivação de um regime plenamente democrático, fazendo com que os militares não tenham o mínimo interesse em golpear o Estado, pois não são estimulados para isso. Sem esse perigo eminente, governos eleitos democraticamente se sucedem sem colocar em risco a preponderância verde-oliva. Eleições são importantes, mas não suficientes, pois presidentes eleitos pelo voto da população, mas que são receosos em descontentar a caserna, nada mais são que figuras frágeis dentro de uma democracia também fragilizada, ou melhor dizendo, uma semidemocracia.
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