O Fantasma da Privatização
Opinião, Jornal do Commercio, 11.11.10
O Estado deve ser o provedor dos serviços sociais para o conjunto da sociedade de modo a impedir a formação das desigualdades sociais e regionais que decorrem do mercado, mesmo que não seja, necessariamente, o executor das atividades e o gestor dos serviços. Para o exercício amplo e adequado de promoção do desenvolvimento, o Estado não precisa e não deve ser produtor de bens e serviços da economia, ou seja, o país não precisa de empresas estatais para garantir o patrimônio nacional e o bem-estar social. A maioria dos países de mais alto desenvolvimento humano não se sustenta sobre empresas estatais, mas sobre um Estado fortemente provedor de serviços públicos, principalmente educação de qualidade.
Sérgio C. Buarque, em "Opinião" do Jornal do Commercio
A campanha eleitoral ficou para trás e agora podemos esperar um espaço de racionalidade para discutir alguns dos temas que foram explorados com emoção e mistificação, como o fantasma da privatização utilizado para estigmatizar a oposição. Passadas as paixões e a publicidade eleitorais, o Brasil precisa discutir seriamente o papel do Estado e da iniciativa privada no projeto de desenvolvimento brasileiro. A começar pelo abandono da falsa dicotomia entre privatização e estatização, entre mercado e Estado.
Na sociedade contemporânea, Estado e mercado devem se equilibrar com pesos diferenciados no tempo e no espaço, e principalmente, com papéis diferenciados e complementares. O Estado é a instância político-jurídica do país responsável pela promoção do desenvolvimento, mas não pode ignorar o mercado nem substituir a atividade privada na economia, mais eficiente e rentável. O fracasso do chamado socialismo real decorreu, em grande medida, da concentração total do Estado, ignorando ou tentando acabar com o mercado e as atividades privadas, o resultado foi a ineficiência econômica, a formação do mercado negro e a corrupção nos negócios.
No entanto, o mercado, sinalizador da eficiência econômica, orienta as decisões pelo curto prazo - gerando desequilíbrios macroeconômicos - e tende a promover concentração e desigualdades social e regional. O mercado deve ser regulado e seus resultados compensados pelas instituições e políticas públicas, inclusive para garantir a concorrência, evitando a formação de monopólios e controlando os oligopólios naturais (áreas de petróleo, energia elétrica, telecomunicações, etc.).
O Estado deve ser o provedor dos serviços sociais para o conjunto da sociedade de modo a impedir a formação das desigualdades sociais e regionais que decorrem do mercado, mesmo que não seja, necessariamente, o executor das atividades e o gestor dos serviços. Para o exercício amplo e adequado de promoção do desenvolvimento, o Estado não precisa e não deve ser produtor de bens e serviços da economia, ou seja, o país não precisa de empresas estatais para garantir o patrimônio nacional e o bem-estar social. A maioria dos países de mais alto desenvolvimento humano não se sustenta sobre empresas estatais, mas sobre um Estado fortemente provedor de serviços públicos, principalmente educação de qualidade.
É verdade que o Brasil dificilmente teria formado uma indústria aeronáutica se o Estado não tivesse sido o investidor inicial nos anos 60/70, na medida em que, na época, o investimento não era competitivo, e o setor demanda alta tecnologia e capital que o empresariado não tinha. Mas, se a Embraer não tivesse sido privatizada na década de 90, o Brasil não teria hoje uma das mais competitivas empresas aeronáuticas do mundo, a Embraer privada é altamente rentável, gerando muito mais emprego e divisas e uma elevada arrecadação pública para o Estado exercer melhor seu papel de provedor social. O mesmo raciocínio se aplica à Vale do Rio Doce, estatal criada por Getúlio Vargas para que o País tivesse uma indústria estratégica, mas que vivia à míngua na década de 90, privatizada, a Vale tornou-se a maior empresa minero-siderúrgica do planeta. Os brasileiros ganham hoje muito mais com estas duas empresas privadas - emprego e arrecadação pública - do que antes com as obsoletas estatais que hoje estariam fora do mercado global.
Da mesma forma, nada pode desqualificar hoje a parceria com o capital privado para exploração das reservas de petróleo no Brasil (o chamado pré-sal). A sociedade não perde nada com a associação da Petrobras e com as concessões da Agência Nacional de Petróleo, ao contrário, o sistema híbrido por gerar muito mais empregos em menos tempo e o governo pode receber mais royalties e impostos para gastos como provedor social. O que faz a diferença no desenvolvimento brasileiro não é a origem e a natureza do capital das empresas, mas a forma em que o Estado as regula e uso que fará dos resultados por elas gerados. O resto, são fantasmas eleitorais que precisam ser exorcizados pela discussão desapaixonada.
PS: Sérgio C. Buarque é economista e consultor
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