O Brasil que todos queremos

Por José Maria Nóbrega – Doutor em Ciência Política pela UFPE

Lendo artigo de um jovem estudante no blog de Jamildo (Pai, será que um dia vou votar no Lula) fiquei bastante preocupado: devemos ter cuidado ao ler e reler a história recente do Brasil. Passados vinte e cinco anos da abertura política, pouco mais de vinte da promulgação da Constituição Federal, é importante destacar que o nosso país foi governado por décadas por elites políticas que não lograram êxito em seus intentos, antes e depois do regime militar. Não obstante, desde 1994 o Brasil vem evoluindo, mesmo que em alguns pontos pareça retroceder. O Brasil que queremos, todos os brasileiros, é difícil de se consolidar, as vontades são muitas, as necessidades diversas, alcançar um tipo ideal de governo, de sistema e de regime político é algo quase utópico. Digo quase, pois a utopia faz parte dos mais diversos sonhos daqueles que realmente têm princípios políticos.

Analisando a História Política do Brasil de, pelo menos, a República Velha, vemos um país construído nas bases da hierarquia e do patrimonialismo. República Oligárquica a qual “meia dúzia” de coronéis dominava mantendo a “alternância” no poder como algo artificial, deixado a um segundo plano a vontade mais geral da população, esta quase que completamente alijada do processo de escolha dos governantes (não mais de 4% da população tinha acesso a este dispositivo democrático). Ou seja, nem ao menos o mecanismo de escolha dos governantes nos era fornecido pelos donos do poder.

Passados os idos da República Velha e do regime autoritário do “pai dos pobres”, onde os direitos sociais avançaram consideravelmente (leis trabalhistas, férias remuneradas, jornada de trabalho de oito horas, dentre outros), foi limitado nos direitos políticos, onde o mínimo que existia como mecanismo de escolha fora subtraído da população brasileira que só veio ter acesso a esse dispositivo mínimo da democracia quando o regime varguista veio ao ocaso.

De 1946 a 1964 a democracia representativa se firmou no Brasil, com eleições pluripartidárias, periódicas, com alternância e com o voto quase que completamente universalizado. Isto, porém, não foi suficiente para consolidarmos a democracia em nossas plagas. Os “anos de chumbo” vieram no meio de um contexto externo de tensão provocada pela Guerra Fria, onde os EUA representavam o capitalismo e a democracia liberal e a URSS o socialismo real, este defendido pela esquerda brasileira com veemência.

O nosso país sofreu uma ruptura drástica no que tange ao avanço da democracia, o que passou vinte e um anos sob um regime militar agressivo, limitador dos direitos civis mínimos aos quais tínhamos ainda algum acesso (como a liberdade de imprensa e de expressão, característicos do período democrático anterior) e dos direitos políticos que foram quase que completamente interrompidos.

O regime militar acabou, mas manteve seus resquícios autoritários nas instituições políticas, principalmente naquelas responsáveis pela manutenção da lei e da ordem. Os direitos políticos foram expandidos e o sufrágio alcançou um padrão nunca antes visto no país, abrangendo toda a população adulta ativa e ainda sendo facultativo para outra gama que não tem a obrigação de participar do processo de escolha dos governantes.

Neste ínterim, as elites políticas se diversificaram. Na primeira eleição para presidente da República depois do regime militar – o que foi quase trinta anos sem esse processo de escolha ao principal cargo da República brasileira -, foi escolhido um ator político de uma elite ainda pertencente a um passado inglorioso do Brasil. Fernando Collor de Melo, assumiu o governo com ares de “Cézar” ao derrotar, no segundo turno, o ex-operário Luís Inácio da Silva. Chegou ao governo pensando que tinha a condução totalitária do sistema político recém aberto. Foi impeachado, mostrando ao país que é impossível governar o Brasil sem a participação ativa do Congresso Nacional.

Assumiu Itamar Franco, político moderado de Minas Gerais, com uma tarefa dificílima, e que alguns acreditavam impossível: acabar com a hiperinflação que fez a década de oitenta ser a mais dramática da história econômica do país. Os jovens de hoje com menos de trinta anos de idade não se lembra o que é viver numa realidade daquelas!

Itamar Franco colocou para administrar a pasta da Fazenda (economia) o sociólogo e cientista político Fernando Henrique Cardoso. Este ator político implementou o Plano Real, o mais bem sucedido plano econômico da História do Brasil, o qual a maioria dos brasileiros, inclusive a oposição (que foi contra o plano), não acreditava no seu sucesso.

Pois bem, a economia brasileira se recuperou nos idos de 1994, o controle da inflação foi implementado, o câmbio foi controlado, os juros caíram, a moeda finalmente se estabilizou. O brasileiro podia agora se organizar, planejar e efetuar compras a prazo. O que parece algo simples hoje em nossa economia era algo impensável por aqueles que viveram entre 1980 e 1994. Fazer uma compra parcelada é algo impossível com hiperinflação!

Nas eleições de 1994, no caminhar do sucesso econômico do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso assumiu o governo com a responsabilidade de manter a política econômica. Não foi fácil, e nos quatro anos de seu governo o brasileiro viu se consolidar a política econômica mais bem sucedida da história brasileira. Em 1998, FHC foi reeleito – no primeiro sistema com reeleição – e como na primeira vez, no primeiro turno. A agenda econômica dominava, e era importante manter a política.

FHC foi responsável pelo Plano Real, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, pela Reforma do Estado, pelo enxugamento da máquina pública – que dispendia muito sem controle - e pelas privatizações que foram fundamentais para: socializar as telecomunicações, fazer da Vale do Rio Doce uma das empresas mais prósperas do mundo, e fazer da Petrobrás uma empresa dinâmica e moderna.

As eleições de 2002 ocorreram num clima de mudanças. A sociedade brasileira já dispunha de uma economia estável, de políticas austeras, e queria mais robustez nos programas sociais. Os funcionários públicos estavam insatisfeitos pelos anos consecutivos de arrocho salarial, as universidades estavam estagnadas a mais de dez anos, a pobreza como um problema crasso, a violência crescente, o estado ainda ineficiente e caro, tudo isso ajudou no processo de mudança, o que é salutar em uma democracia que quer avançar.

Luís Inácio Lula da Silva, depois de quatro eleições consecutivas, finalmente conseguiu almejar seu sonho e, também, o sonho de milhares de brasileiros que viam no seu sucesso a esperança de ver seus problemas sociais resolvidos. Lula assumiu após garantir que não haveria extremismos e radicalismos, que manteria a política econômica e que elevaria a estima do país, bem como de seus nacionais.

Foram oito anos no poder, governados sob a égide da política econômica pragmática somada à perspectiva keynesiana de um estado provedor de bens, serviços e emprego. O PIB do país cresceu como nunca, o Brasil se tornou um dos países mais respeitáveis do mundo, não obstante a aproximação do presidente de líderes totalitários como o Ahmadinejad e os Castros. A economia continuou avançando e o estado também cresceu, o que fez da esfera da despesa um grande impacto no PIB brasileiro.

Não foram apenas as políticas sociais do governo Lula – políticas essas que nasceram no governo de FHC – que fizeram de Lula um líder e do lulismo uma nova categoria a ser estudada por acadêmicos nacionais e estrangeiros. Mas, a responsabilidade fiscal e monetária que o Brasil implementou, mantendo a raiz do programa bem sucedido de meados da década passada. A boa desenvoltura de sua equipe perante as intempéries das economias internacionais no mundo globalizado. O Brasil saiu ileso da grande onda da crise econômica do ano passado. O presidente acertou: “foi uma marolinha”!

O Brasil atravessa uma nova fase, agora com a primeira mulher a assumir tão importante cargo. Com os auspícios de Lula, Dilma Rousseff será, a partir de primeiro de janeiro de 2011, a nossa presidenta. Os desafios não são pequenos: como crescer economicamente com gastos públicos tão elevados? Como resolver o problema do déficit da previdência social? Como desonerar a classe produtiva do país? Como diminuir as elevadas taxas tributárias que inibe a iniciativa privada? Como controlar o crescimento do estado brasileiro? Como controlar as elevadas taxas de criminalidade que afetam dramaticamente a sociedade brasileira?

São respostas difíceis de serem respondidas de imediato. Mas, como vimos, é fundamental nos atentarmos para a realidade. O Brasil não começou no governo Lula. Atores políticos relevantes que advieram antes foram fundamentais para o país. Sempre escolhemos nossos governantes de uma elite política – seja de esquerda, centro ou de direita -, e que essa elite tem o dever de ser responsiva com os recursos públicos, eficiente no serviço prestado à sociedade, e que respeitem as minorias como também sendo parte dos brasileiros. Afinal, ainda não chegamos a consolidar o Brasil que todos queremos!

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