O voto do preso


Publicado em 05.08.2010


Adeildo Nunes
adeildonunes@oi.com.br

Pernambuco foi o primeiro Estado da federação a possibilitar a abertura de seções eleitorais dentro do ambiente prisional, precisamente durante as eleições de 2002, quando alguns dos reclusos dos presídios Aníbal Bruno, Caruaru, Palmares, Pesqueira e Arcoverde, além de detentas da Colônia Penal Feminina do Recife, exercitaram o direito ao voto, por decisão do Tribunal Regional Eleitoral. A autorização do TRE de Pernambuco, consagrando o voto do preso dentro do próprio presídio, teve como base a Constituição Federal de 1988, que consagrou o princípio da inocência, segundo o qual ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ora, estando o preso detido por força de custódia cautelar (prisão preventiva, provisória ou flagrante delito), sem que haja sentença penal condenatória definitiva, aos olhos da Carta Magna, trata-se de uma pessoa absolutamente inocente e que detém todos os direitos inerentes a quem está em gozo da liberdade, exceto a própria liberdade. Se condenado, no âmbito do devido processo legal, um dos efeitos da sentença penal condenatória é a imediata suspensão dos direitos políticos do criminoso, impossibilitando-o, portanto, do exercício do direito de votar e ser votado, até que a pena seja efetivamente cumprida.

Antes da decisão histórica do TRE-PE que autorizou de forma pioneira o voto do preso no próprio local de custódia, poucos presos provisórios puderam exercer o direito constitucional de votar, pois havia necessidade de escoltá-los até a sua seção eleitoral, certamente causando enorme constrangimento à pessoa do presidiário, que lá chegava escoltado pela força policial, comumente algemado, sem contar o pavor social que o fato desencadeava, porquanto notório o preconceito social nutrido em relação ao detento. Com a instalação e funcionamento das primeiras seções eleitorais em algumas unidades prisionais, esse vexame social desapareceu completamente, pois agora o preso exercia o voto dentro do seu ambiente carcerário, sem qualquer tipo de constrangimento, em homenagem ao exercício da cidadania, ao tempo que era proporcionado a todos os presidiários provisórios o livre acesso ao voto. Contudo, mesmo reconhecendo-se o grande avanço adotado na sábia decisão do TRE, nem todos os presídios puderam ser contemplados com a instalação de seções eleitorais, significando dizer que alguns presos votavam, outros não.

Com a aprovação da Resolução 23.219, de 02.03.10, editada pelo Tribunal Superior Eleitoral, a instalação de seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e em unidades de internação de adolescentes tornou-se obrigatória em todo território nacional, instrumento normativo que finalmente regulamentou o voto do preso provisório e do adolescente internado, claro, desde que previamente alistados na seção eleitoral que obrigatoriamente terá que ser criada e instalada em cada unidade de custódia. Embora se reconheça que a resolução foi editada muito próxima do prazo previsto para o alistamento, revisão e transferência de domicílio eleitoral (05.05.2010), a verdade é que o processo eleitoral dentro das mais de quatro mil unidades prisionais para adultos e adolescentes existentes no Brasil, definitivamente viu-se regulamentado, oferecendo ao custodiado e à Justiça Eleitoral os meios necessários para a consagração do direito constitucionalmente previsto, mas que foi renegado a muitos, durante muito tempo.

A Resolução 23.219-TSE, de uma vez por todas, estabeleceu regras claras e precisas sobre a nomeação de membros das mesas receptoras de votos, consagrando que cabe ao juiz eleitoral designar preferencialmente servidores públicos e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, garantindo-se a segurança pessoal dos servidores e de todos os partícipes do processo eleitoral, mas, diferentemente das seções eleitorais comuns, a presença da força policial e de agentes penitenciários será permitida a menos de 100 metros do local de votação, considerando tratar-se de ambientes que exigem a presença constante de agentes do estado. Entretanto, as seções eleitorais só podem ser instaladas em estabelecimentos prisionais ou de internação que comportem mais de 20 eleitores aptos a votar, e somente os que estão alistados na seção poderão exercer o voto, embora sempre haja a possibilidade de justificação. Nada impede a presença na seção eleitoral de candidatos, na qualidade de fiscais natos, e de um fiscal indicado por cada partido político ou coligação, desde que a segurança interna do estabelecimento não seja comprometida. Quanto à propaganda, ela poderá ser realizada com a utilização dos meios de comunicação gratuitos do rádio e da televisão, mas o juiz eleitoral poderá fixar outras formas de divulgação, observando a igualdade entre todos os candidatos.

» Adeildo Nunes é mestre em direito penitenciário, juiz de Execução Penal-PE e membro do CNPCP.

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