A questão democrática e o problema da ação coletiva


Por José Maria Nóbrega Jr. – Doutor em Ciência Política UFPE


Nos estudos sobre a Teoria Democrática Contemporânea a análise dos grupos e subgrupos de interesse se faz relevante. Numa perspectiva da Escolha Racional, os grupos buscam maximizar seus interesses nas arenas decisórias em um curto espaço de tempo. Numa visão da Democracia como mercado (Przeworski, 1999) os pequenos grupos demandam melhor seus interesses (Olson, 2002). Já na Democracia vista como fórum (Avritzer, 2000) os grandes grupos deliberativos agem melhor (Nóbrega Jr., 2004).
Aqui neste espaço, no intuito de discutir a lógica da ação coletiva em democracia, irei focar nos pequenos grupos que buscam defender seus interesses numa perspectiva da Democracia Eleitoral (Schumpeter, 1984; Weber, 1999; Mainwaring et al, 2001). Primeiro, levando ao debate a democracia como mecanismo de escolha dos governantes, ao que me reporto a Schumpeter (1984). Depois, avaliando o papel dos grupos políticos no sistema político eleitoral contemporâneo.
A democracia contemporânea parte, pelo menos, de três grandes grupos epistemológicos: 1. A perspectiva teórica na qual a democracia é vista como um sistema de governo atuante na defesa e garantias dos direitos sociais, ou seja, a democracia substantiva que reporta a Rousseau e Marx. 2. A democracia deliberativa, que foca as arenas decisórias como grandes espaços de comunicação e participação ativa do cidadão, mas que não despreza o aparato político eleitoral da democracia procedimental (Habermas, 1997). E 3. A democracia minimalista schumpeteriana, que foca nos procedimentos eleitorais e em alguns direitos que fazem parte do componente liberal da democracia (Dahl, 2005).
Deterei-me na democracia vista como um mecanismo de escolha dos governantes, ou na democracia procedimental liberal para definir o conceito de democracia aqui alicerçado. Apesar da crítica contemporânea dos multiculturalistas e dos republicanos (Nóbrega Jr., 2004), o ponto de partida eleitoral praticamente é unanimidade nos estudos da Ciência Política Contemporânea. Segundo O´Donnell (1999), sobre a visão minimalista schumpeteriana, tal minimalismo não procede por que Schumpeter subentende ser de fundamental importância para o método democrático (ou mecanismo de escolha dos governantes) certas liberdades civis e políticas, como aquelas que são encontradas nos oito critérios dahlsianos para que haja contestação e inclusão (Dahl, 2005: 27).
Para Schumpeter a democracia é um regime político no qual políticos profissionais disputam o voto do cidadão em um mercado competitivo. Neste mercado, os atores políticos, sejam eles partidos políticos ou indivíduos, buscam maximizar e otimizar suas ações no intuito de alcançarem uma vitória eleitoral em um curto espaço de tempo.
Schumpeter descarta a visão de uma participação mais efetiva por parte do eleitor – que ele enxerga como limitado em assuntos políticos/públicos – atribuindo a política a um mundo restrito de assuntos políticos, onde o marketing também deve focar o mínimo de questões técnicas nos debates e processos de discussão eleitoral, já que questões mais complexas do governo devem ser destinadas a especialistas (Held, 1987: 160). Para Schumpeter a democracia permite apenas uma participação mínima do cidadão/eleitor, esta participação seria o método schumpeteriano.
A democracia minimalista schumpeteriana aborda o mecanismo de escolha – eleições livres, limpas, periódicas, pluripartidárias para o Executivo e o Legislativo (com direito à alternância); com certos direitos civis e políticos expansivos (mais ou menos a visão bidimensional da democracia dahlsiana, inclusão e contestação [Dahl, 2005]) à maioria adulta da população. Tal mecanismo coloca o cidadão médio como mero ator passivo no processo. A política é destinada a uma elite política (Miguel, 2002).
Depois de avaliado resumidamente a Teoria Democrática que nos baseia, passo a avaliar o segundo ponto deste artigo: a ação dos grupos de interesse no processo político eleitoral.
Olson (2002) afirma que os pequenos grupos tem maior eficiência quando a perspectiva é a ação. No sistema de disputa eleitoral, que caracteriza a democracia eleitoral contemporânea, as articulações entre os principais atores em disputa se mostram de fundamental importância para a vitória no pleito.
Tanto os partidos políticos como os atores políticos de destaque (por exemplo, os “caciques” e líderes políticos) são importantes na análise da ação coletiva. Partidos políticos com muitos líderes são ineficientes em disputas eleitorais, sobretudo por que em períodos de disputa eleitoral a ação tem de ser imediata! Muitos líderes e partícipes nas arenas decisórias intrapartidárias servem para grandes debates e processos deliberativos, que demandam muito tempo de discussão. Dessa forma, são eficazes para a democracia vista como um fórum de discussão (Avritzer, 2000).
Os partidos políticos que focam em poucos líderes e que estes líderes deliberam mais rapidamente e com grande poder de barganha intrapartidária, são mais eficazes numa perspectiva da democracia como mercado (Przeworski, 1999).
Por exemplo, o PSDB vem tendo dificuldades em definir o vice do seu candidato a Presidente da República, José Serra, para a disputa eleitoral que se avizinha. São muitos os líderes dentro do partido o que pode estar levando a uma falha de ação coletiva intrapartidária.
O PT, apesar das dificuldades ocasionadas pelos escândalos de corrupção que afastou seus principais quadros, tem a figura de Lula como principal líder do Partido, que logo conseguiu impor o nome de Dilma Rousseff – sem expressão eleitoral - para a disputa presidencial e decidiu a figura do vice com as articulações de interesses com o principal partido do Congresso, o PMDB. Ou seja, não houve problemas maiores de ação coletiva.
Concluindo, numa perspectiva da democracia eleitoral é fundamental a boa articulação dos grupos de interesse para um resultado satisfatório de suas ações em curto prazo. Dessa forma, numa visão procedimental da democracia, os pequenos grupos são mais eficazes.

Bibliografia:

AVRITZER, Leonardo (2000), “Teoria Democrática e Deliberação Pública”, Lua Nova Revista de Cultura e Política, n. 50, São Paulo, pp. 25-46.
DAHL, Robert (2005), Poliarquia. Participação e Oposição. Edusp. São Paulo.
HABERMAS, Jürgen (1997), Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro.
HELD, David (1987), Modelos de Democracia. Ed. Paidéia, Belo Horizonte.
MAINWARING, Scott; BRINKS, Daniel e PÉREZ-LIÑAN, Aníbal (2001), “Classificando Regimes Políticos na América Latina, 1945-1999”. Dados, v. 44, n. 4. Rio de Janeiro.
MIGUEL, Luis Felipe (2002), “A Democracia Domesticada: Bases Antidemocráticas do Pensamento Democrático Contemporâneo”. Dados, v. 45, n.3, Rio de Janeiro, pp. 483-511.
NÓBREGA JR., José Maria P. da (2004), “Teoria Democrática Contemporânea: As concepções Minimalistas e seus Críticos Contemporâneos”. Política Hoje, Vol. 14, Recife.
NÓBREGA JR., José Maria P. da (2009), Semidemocracia brasileira: as instituições coercitivas e práticas sociais. Nossa Livraria Editora. Recife.
O´DONNEL, Guillermo (1999), “T eoria Democrática e Política Comparada”. Dados, v. 42, n.4, Rio de Janeiro.
OLSON, Mancur (2002), A Lógica da Ação Coletiva. Os Benefícios Públicos e uma Teoria dos Grupos Sociais, Edusp, São Paulo.
PRZEWORSKI, Adam (1999), “Minimalist Conception of Democracy: a defense” in SCHAPIRO, Ian e Casiano HACKER-CORDÓN (eds.), Democracy´s Value. Cambridge, pp. 23-55.
SCHUMPETER, J. (1984), Capitalismo, Socialismo e Democracia, Zahar Editores, Rio de Janeiro.
WEBER, Max (1999), Economia e Sociedade. Ed. UNB, Brasília.

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