O jogo turco em Gaza
Folha de S. Paulo 9 de abril de 2010
JORGE ZAVERUCHA
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Tudo indica que a decisão israelense de uso da força foi mensagem enviada ao Irã; o propósito da flotilha era criar embaraço a Israel
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A Turquia já foi uma aliada de Israel. Tudo mudou com a eleição do primeiro-ministro Erdogan.
Ele encontrou no conflito com Israel uma boa oportunidade para se tornar o líder sunita mais importante do mundo.
Aos poucos, vai abandonando a tradicional democracia secular turca em busca de uma aproximação com o radicalismo islâmico.
Patrocinou, juntamente com o Brasil, um acordo permitindo ao Irã ganhar tempo para a fabricação da bomba atômica.
Erdogan prega o respeito aos direitos humanos, mas hospedou oficialmente os presidentes do Irã e do Sudão, acusado de genocídio em Darfur. Apoia a criação de um Estado palestino, mas reprime os curdos que lutam por um Estado próprio no Curdistão.
Foi a organização não governamental turco-islâmica IHH (Insani Yardim Vakfi, Fundo de Ajuda Humanitária) quem criou a ideia da "flotilha da paz".
O Instituto de Estudos Internacional da Dinamarca afirmou, em 2006, que a IHH manteve ligações com a Al Qaeda e com outras redes que atuam na guerra santa islâmica internacional. A IHH foi banida pelas autoridades israelenses.
Frise-se que Egito, também, fecha sua fronteira terrestre com Gaza, não permitindo sequer ajuda humanitária, mas não houve qualquer crítica ao governo egípcio por parte do IHH.
Israel propôs que a ajuda humanitária fosse desembarcada e depois levada para Gaza. Cimento, por exemplo, é proibido, pois pode ser usado na construção de túneis para contrabando de armamento.
Israel solicitou à flotilha que uma carta fosse entregue ao soldado israelense que se encontra sob o poder do Hamas -que, por sinal, nunca permitiu uma visita da Cruz Vermelha Internacional ao mesmo.
Em vão. O propósito da flotilha era criar um embaraço a Israel. E foi muito bem-sucedida.
O bloqueio naval israelense encontra amparo na lei internacional.
Bloqueios foram utilizados na Guerra do Vietnã e na Guerra do Golfo. Israel está em conflito armado com o Hamas, que costumava ser abastecido por armas vindas do Irã, como o míssil iraniano de longo alcance Fajr-5, por via marítima.
A abordagem aos barcos de bandeira turca também é respaldada pelo Manual de San Remo de Direito Internacional, de 12 de junho de 1994. O artigo 98 justifica a tentativa de tomada de poder das embarcações em águas internacionais, desde que haja fundamento para acreditar que elas violarão o bloqueio naval.
Tudo indica que a decisão israelense de uso da força foi uma mensagem enviada ao Irã. Coincidência ou não, na semana passada, o "Sunday Times" noticiou a decisão israelense de colocar continuamente submarinos nucleares no golfo Pérsico. A grande falha foi operacional.
A inteligência naval israelense teve tempo suficiente para obter informações fidedignas sobre quem estava no Mavi Marmara, o único dos seis navios a não obedecer a ordens de parar.
Os equipamentos, a tática e o número dos participantes foram mal calculados. Erros inadmissíveis em uma tropa de elite.
Nove mortos e uma severa derrota midiática para Israel. Do ponto de vista estratégico, o governo israelense espera que o presidente iraniano Ahmadinejad tenha entendido a mensagem.
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JORGE ZAVERUCHA, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas e da Criminalidade da Universidade Federal de Pernambuco e autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: entre o Autoritarismo e a Democracia", entre outras obras.
JORGE ZAVERUCHA
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Tudo indica que a decisão israelense de uso da força foi mensagem enviada ao Irã; o propósito da flotilha era criar embaraço a Israel
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A Turquia já foi uma aliada de Israel. Tudo mudou com a eleição do primeiro-ministro Erdogan.
Ele encontrou no conflito com Israel uma boa oportunidade para se tornar o líder sunita mais importante do mundo.
Aos poucos, vai abandonando a tradicional democracia secular turca em busca de uma aproximação com o radicalismo islâmico.
Patrocinou, juntamente com o Brasil, um acordo permitindo ao Irã ganhar tempo para a fabricação da bomba atômica.
Erdogan prega o respeito aos direitos humanos, mas hospedou oficialmente os presidentes do Irã e do Sudão, acusado de genocídio em Darfur. Apoia a criação de um Estado palestino, mas reprime os curdos que lutam por um Estado próprio no Curdistão.
Foi a organização não governamental turco-islâmica IHH (Insani Yardim Vakfi, Fundo de Ajuda Humanitária) quem criou a ideia da "flotilha da paz".
O Instituto de Estudos Internacional da Dinamarca afirmou, em 2006, que a IHH manteve ligações com a Al Qaeda e com outras redes que atuam na guerra santa islâmica internacional. A IHH foi banida pelas autoridades israelenses.
Frise-se que Egito, também, fecha sua fronteira terrestre com Gaza, não permitindo sequer ajuda humanitária, mas não houve qualquer crítica ao governo egípcio por parte do IHH.
Israel propôs que a ajuda humanitária fosse desembarcada e depois levada para Gaza. Cimento, por exemplo, é proibido, pois pode ser usado na construção de túneis para contrabando de armamento.
Israel solicitou à flotilha que uma carta fosse entregue ao soldado israelense que se encontra sob o poder do Hamas -que, por sinal, nunca permitiu uma visita da Cruz Vermelha Internacional ao mesmo.
Em vão. O propósito da flotilha era criar um embaraço a Israel. E foi muito bem-sucedida.
O bloqueio naval israelense encontra amparo na lei internacional.
Bloqueios foram utilizados na Guerra do Vietnã e na Guerra do Golfo. Israel está em conflito armado com o Hamas, que costumava ser abastecido por armas vindas do Irã, como o míssil iraniano de longo alcance Fajr-5, por via marítima.
A abordagem aos barcos de bandeira turca também é respaldada pelo Manual de San Remo de Direito Internacional, de 12 de junho de 1994. O artigo 98 justifica a tentativa de tomada de poder das embarcações em águas internacionais, desde que haja fundamento para acreditar que elas violarão o bloqueio naval.
Tudo indica que a decisão israelense de uso da força foi uma mensagem enviada ao Irã. Coincidência ou não, na semana passada, o "Sunday Times" noticiou a decisão israelense de colocar continuamente submarinos nucleares no golfo Pérsico. A grande falha foi operacional.
A inteligência naval israelense teve tempo suficiente para obter informações fidedignas sobre quem estava no Mavi Marmara, o único dos seis navios a não obedecer a ordens de parar.
Os equipamentos, a tática e o número dos participantes foram mal calculados. Erros inadmissíveis em uma tropa de elite.
Nove mortos e uma severa derrota midiática para Israel. Do ponto de vista estratégico, o governo israelense espera que o presidente iraniano Ahmadinejad tenha entendido a mensagem.
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JORGE ZAVERUCHA, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas e da Criminalidade da Universidade Federal de Pernambuco e autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: entre o Autoritarismo e a Democracia", entre outras obras.
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