“Uma arma de fogo não é o fim do mundo”* (Humberto Viana – Secretário Executivo de Ressocialização de Pernambuco).
Por José Maria Nóbrega Jr. – Doutor em Ciência Política pela UFPE e Professor da Faculdade Maurício de Nassau
O título deste artigo é proposital, para o nosso secretário pode ser que não seja o final do mundo uma arma de fogo dentro do sistema prisional de Pernambuco, nem para a maioria da sociedade, acostumada a ver nos presídios depósitos de seres humanos indesejáveis. Mas, para quem observa com olhos críticos o crescimento galopante da criminalidade e da violência na América Latina pode ser, sim, considerado, se não o fim do mundo, o fim total do controle do estado em relação ao sistema de justiça criminal.
As condições de detenção na América Latina são deploráveis. No Brasil, que juntamente com o Peru, o Paraguai e a Venezuela (só para citar os piores), temos um dos piores indicadores de controle do sistema penal do mundo. Tortura, maus tratos, falta de controle interno, chaveiros de cela (no caso de Pernambuco), milícias que mandam e desmandam dentro dos presídios, grupos organizados criminosos que mandam matar de dentro dos presídios, superlotação, despreparo dos agentes etc. mostra que dentro dos presídios brasileiros impera o “estado de guerra” hobbesiano, um estado de natureza humana onde o homem é o lobo do homem. Onde o estado não consegue executar a sua principal função: implantar o monopólio da força e da violência legal. Na verdade, não há estado nos presídios brasileiros. O sistema prisional está há muito tempo morto! Falido!
Não é uma questão meramente de aplicar os direitos humanos, tão caros aos detentos e não detentos brasileiros. É uma questão de aplicação das regras do jogo democrático, do estado democrático de direito.
O que reza a ONU em suas instituições responsáveis pelo ordenamento interno ao sistema prisional em países democráticos? O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana dos Direitos Humanos acusam constantemente o Brasil de maus tratos e de cometer verdadeiros crimes contra os direitos individuais em suas dependências prisionais.
Respondendo a pergunta lançada acima, as Regras de Padrão Mínimo de Tratamento de Prisioneiros (RPM) das Nações Unidas obrigam a separação dos prisioneiros condenados daqueles com prisão preventiva. As pessoas acusadas e presas preventivamente ou provisoriamente devem ser separadas das condenadas, onde deve ser dado a pessoa acusada (e, portanto, inocente até o processo transitado e julgado) tratamento separado apropriado ao seu status de pessoa não condenada. Segundo o relator especial da ONU para assuntos relacionados à tortura, Nigel S. Rodley, em artigo escrito em 2000*, “essa linguagem vai ao ponto crucial do assunto: em virtude de não serem condenadas, as pessoas acusadas estão sujeitas à presunção de inocência. O propósito da detenção não é punir, corrigir ou reabilitar; é apenas uma precaução” (2000: p. 45).
Ainda citando as RPM da ONU, na prática as instituições do sistema de justiça criminal são obrigadas a arcar com espaços suficientes para a demanda de prisioneiros que chegam as suas dependências. No Brasil há poucos espaços dentro do sistema prisional, como é de praxe. As superlotações e as rebeliões são freqüentes. A Human Rights Watch (HRW) relatou que os detentos em pré-julgamento com freqüência vivem ao lado daqueles que cumprem pena por homicídios (Rodley, 2000: p. 45).
Além dos direitos humanos, o sistema penitenciário não consegue manter controle interno em suas funções básicas, como vemos aqui em Pernambuco, com o caso do Aníbal Bruno, de longe o mais problemático. Casos como o chaveiro de cela (preso que faz função de agente estatal, (des)controlando a entrada e saída de seus “colegas”), e agora de milícias (grupos armados dentro do presídio), mostram o total descontrole do estado em uma instituição que é fundamental para o controle da criminalidade. Se o governo de Pernambuco pensa que vai controlar a criminalidade sem controle dos presídios, está totalmente equivocado.
O PCC (Primeiro Comando da Capital) surgiu de dentro do sistema prisional paulistano e hoje tem filiais em toda a América Latina, inclusive no Aníbal Bruno, onde já recebi informações que tem 200 componentes desse grupo criminoso em suas dependências. Esses criminosos mandam e desmandam de dentro do Aníbal Bruno!
Voltando as RPM da ONU elencarei algumas das condições internacionais do sistema prisional, modelo para os países signatários daquela instituição supranacional:
1. Onde as acomodações para dormir forem em celas individuais ou quartos, cada prisioneiro ocupará, à noite, uma cela ou quarto dele próprio. Se por razões especiais, tais como superlotação temporária, tornar-se necessário que a administração central da prisão faça uma exceção a essa regra, não é desejável ter dois prisioneiros em uma cela ou quarto.
2. Onde são usados dormitórios, eles devem ser ocupados por prisioneiros cuidadosamente selecionados como os mais convenientes para conviverem entre eles naquelas condições. Deverá haver supervisão regular durante a noite, de acordo com a natureza da instituição.
3. Toda acomodação fornecida para uso dos prisioneiros e em particular toda acomodação para dormir deve cumprir todos os requisitos de saúde, sendo dada a devida atenção às condições climáticas e particularmente ao conteúdo cúbico de ar, espaço mínimo no chão, luz, aquecimento e ventilação.
4. Em todos os lugares onde os prisioneiros forem viver ou trabalhar,
4.1. As janelas dever ser grandes o bastante para permitir aos prisioneiros ler ou trabalhar com luz natural, e devem ser construídas de modo a que possam permitir a entrada de ar fresco, havendo ou não ventilação artificial;
4.2. Deve ser fornecida luz artificial suficiente para os prisioneiros lerem ou trabalharem sem prejudicar a vista.
5. As instalações sanitárias devem ser adequadas para permitir a cada prisioneiro cumprir suas necessidades naturais quando necessário e de um modo limpo e decente.
6. Instalação adequada de banho e chuveiro deve ser proporcionada de modo que o prisioneiro possa e precise tomar banho ou chuveiro, em uma temperatura conveniente ao clima, tão freqüente quanto o necessário para a higiene geral de acordo com a estação e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana num clima temperado.
7. Todas as partes de uma instituição regularmente usadas pelos prisioneiros devem ser mantidas de modo apropriado e conservadas escrupulosamente limpas em todos os momentos.
Um tipo ideal longe da nossa realidade! Nem mesmo o controle dos pavilhões os nossos agentes estatais (governo) conseguem ter! Para o secretário não é o fim do mundo armas de fogo nos estabelecimentos do Aníbal Bruno, mas para o mundo desenvolvido é! As democracias sólidas sustentam presídios modernos e controlam seus presos, pelo menos isto! Em Pernambuco o descontrole do sistema prisional fortalece as injustiças, a criminalidade e o não-estado de direito democrático.
*Em entrevista cedida ao Jornal do Commercio em 15 de maio de 2010, no Caderno Cidades, página 2.
RODLEY, N. S. (2000), “Tortura e Condições de Detenção na América Latina” in Democracia, Violência e Injustiça. O não-estado de Direito na América Latina. Juan E. Mendez, Guillermo O´Donnell e Paulo Sérgio Pinheiro (orgs.) Paz e Terra. São Paulo.
O título deste artigo é proposital, para o nosso secretário pode ser que não seja o final do mundo uma arma de fogo dentro do sistema prisional de Pernambuco, nem para a maioria da sociedade, acostumada a ver nos presídios depósitos de seres humanos indesejáveis. Mas, para quem observa com olhos críticos o crescimento galopante da criminalidade e da violência na América Latina pode ser, sim, considerado, se não o fim do mundo, o fim total do controle do estado em relação ao sistema de justiça criminal.
As condições de detenção na América Latina são deploráveis. No Brasil, que juntamente com o Peru, o Paraguai e a Venezuela (só para citar os piores), temos um dos piores indicadores de controle do sistema penal do mundo. Tortura, maus tratos, falta de controle interno, chaveiros de cela (no caso de Pernambuco), milícias que mandam e desmandam dentro dos presídios, grupos organizados criminosos que mandam matar de dentro dos presídios, superlotação, despreparo dos agentes etc. mostra que dentro dos presídios brasileiros impera o “estado de guerra” hobbesiano, um estado de natureza humana onde o homem é o lobo do homem. Onde o estado não consegue executar a sua principal função: implantar o monopólio da força e da violência legal. Na verdade, não há estado nos presídios brasileiros. O sistema prisional está há muito tempo morto! Falido!
Não é uma questão meramente de aplicar os direitos humanos, tão caros aos detentos e não detentos brasileiros. É uma questão de aplicação das regras do jogo democrático, do estado democrático de direito.
O que reza a ONU em suas instituições responsáveis pelo ordenamento interno ao sistema prisional em países democráticos? O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana dos Direitos Humanos acusam constantemente o Brasil de maus tratos e de cometer verdadeiros crimes contra os direitos individuais em suas dependências prisionais.
Respondendo a pergunta lançada acima, as Regras de Padrão Mínimo de Tratamento de Prisioneiros (RPM) das Nações Unidas obrigam a separação dos prisioneiros condenados daqueles com prisão preventiva. As pessoas acusadas e presas preventivamente ou provisoriamente devem ser separadas das condenadas, onde deve ser dado a pessoa acusada (e, portanto, inocente até o processo transitado e julgado) tratamento separado apropriado ao seu status de pessoa não condenada. Segundo o relator especial da ONU para assuntos relacionados à tortura, Nigel S. Rodley, em artigo escrito em 2000*, “essa linguagem vai ao ponto crucial do assunto: em virtude de não serem condenadas, as pessoas acusadas estão sujeitas à presunção de inocência. O propósito da detenção não é punir, corrigir ou reabilitar; é apenas uma precaução” (2000: p. 45).
Ainda citando as RPM da ONU, na prática as instituições do sistema de justiça criminal são obrigadas a arcar com espaços suficientes para a demanda de prisioneiros que chegam as suas dependências. No Brasil há poucos espaços dentro do sistema prisional, como é de praxe. As superlotações e as rebeliões são freqüentes. A Human Rights Watch (HRW) relatou que os detentos em pré-julgamento com freqüência vivem ao lado daqueles que cumprem pena por homicídios (Rodley, 2000: p. 45).
Além dos direitos humanos, o sistema penitenciário não consegue manter controle interno em suas funções básicas, como vemos aqui em Pernambuco, com o caso do Aníbal Bruno, de longe o mais problemático. Casos como o chaveiro de cela (preso que faz função de agente estatal, (des)controlando a entrada e saída de seus “colegas”), e agora de milícias (grupos armados dentro do presídio), mostram o total descontrole do estado em uma instituição que é fundamental para o controle da criminalidade. Se o governo de Pernambuco pensa que vai controlar a criminalidade sem controle dos presídios, está totalmente equivocado.
O PCC (Primeiro Comando da Capital) surgiu de dentro do sistema prisional paulistano e hoje tem filiais em toda a América Latina, inclusive no Aníbal Bruno, onde já recebi informações que tem 200 componentes desse grupo criminoso em suas dependências. Esses criminosos mandam e desmandam de dentro do Aníbal Bruno!
Voltando as RPM da ONU elencarei algumas das condições internacionais do sistema prisional, modelo para os países signatários daquela instituição supranacional:
1. Onde as acomodações para dormir forem em celas individuais ou quartos, cada prisioneiro ocupará, à noite, uma cela ou quarto dele próprio. Se por razões especiais, tais como superlotação temporária, tornar-se necessário que a administração central da prisão faça uma exceção a essa regra, não é desejável ter dois prisioneiros em uma cela ou quarto.
2. Onde são usados dormitórios, eles devem ser ocupados por prisioneiros cuidadosamente selecionados como os mais convenientes para conviverem entre eles naquelas condições. Deverá haver supervisão regular durante a noite, de acordo com a natureza da instituição.
3. Toda acomodação fornecida para uso dos prisioneiros e em particular toda acomodação para dormir deve cumprir todos os requisitos de saúde, sendo dada a devida atenção às condições climáticas e particularmente ao conteúdo cúbico de ar, espaço mínimo no chão, luz, aquecimento e ventilação.
4. Em todos os lugares onde os prisioneiros forem viver ou trabalhar,
4.1. As janelas dever ser grandes o bastante para permitir aos prisioneiros ler ou trabalhar com luz natural, e devem ser construídas de modo a que possam permitir a entrada de ar fresco, havendo ou não ventilação artificial;
4.2. Deve ser fornecida luz artificial suficiente para os prisioneiros lerem ou trabalharem sem prejudicar a vista.
5. As instalações sanitárias devem ser adequadas para permitir a cada prisioneiro cumprir suas necessidades naturais quando necessário e de um modo limpo e decente.
6. Instalação adequada de banho e chuveiro deve ser proporcionada de modo que o prisioneiro possa e precise tomar banho ou chuveiro, em uma temperatura conveniente ao clima, tão freqüente quanto o necessário para a higiene geral de acordo com a estação e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana num clima temperado.
7. Todas as partes de uma instituição regularmente usadas pelos prisioneiros devem ser mantidas de modo apropriado e conservadas escrupulosamente limpas em todos os momentos.
Um tipo ideal longe da nossa realidade! Nem mesmo o controle dos pavilhões os nossos agentes estatais (governo) conseguem ter! Para o secretário não é o fim do mundo armas de fogo nos estabelecimentos do Aníbal Bruno, mas para o mundo desenvolvido é! As democracias sólidas sustentam presídios modernos e controlam seus presos, pelo menos isto! Em Pernambuco o descontrole do sistema prisional fortalece as injustiças, a criminalidade e o não-estado de direito democrático.
*Em entrevista cedida ao Jornal do Commercio em 15 de maio de 2010, no Caderno Cidades, página 2.
RODLEY, N. S. (2000), “Tortura e Condições de Detenção na América Latina” in Democracia, Violência e Injustiça. O não-estado de Direito na América Latina. Juan E. Mendez, Guillermo O´Donnell e Paulo Sérgio Pinheiro (orgs.) Paz e Terra. São Paulo.
Comentários
Postar um comentário