A UE e seus dilemas na zona do Euro


Por Thales Castro*

Nas Relações Internacionais recentes, merece atenção o esforço empreendido, desde o final da segunda guerra mundial (1939-1945), não somente no contexto de sua reconstrução por meio do Plano Marshall (1947-1952), mas também para encontrar meio de superação do longo conflito franco-germânico e unificar a Europa. Árduo e longo foi o caminho percorrido pela Europa ocidental para conformar e equacionar suas problemáticas internas de formação do conceito de Estado nacional e seu relacionamento intra-europeu. Longo e dificultoso foi encontrar a fórmula adotada pelo Plano Schumann-Monet também corroborado pelo chanceler da Alemanha Ocidental Konrad Adenauer durante a década de 50. A audaciosa engenharia política integracionista européia representa a transformação factível do projeto de Estado-nação, redefinindo o paradigma de Westphalia (originado no Tratado de Paz de Westphalia de 1648) que criou as engrenagens da soberania estatal como cerne das Relações Internacionais. O “projeto” que muitas vezes se confunde com “processo” europeu é profundo, marcante, contundente e, de acordo com suas especificidades, pode servir de análise para as transformações em curso.

Não quero com isso dizer que devemos, como se faz com freqüência nas terras brasileiras, incorporar acriticamente as “fórmulas estrangeiras” para solucionar problemas endógenos, nem tampouco quero dizer que os arranjos políticos e decisórios do Velho Continente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) representem, necessariamente, a melhor estratégia para o Mercosul que enfrenta sérios entraves ao seu funcionamento. Desejo apenas delinear, no transcurso de celebrações pelos 50 anos da assinatura do Tratado de Roma com os seis países fundadores (Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Itália, França e Alemanha Ocidental) do então Mercado Comum Europeu (MCE), sua trajetória culminando na União Européia (UE) com 27 Estados-membros atuais com uma moeda conversível das trocas comerciais mundiais, o Euro.

Importante logo salientar que não é objetivo deste brevíssimo artigo esgotar tema tão complexo, nem fazer apologia europeísta à política externa brasileira em meio a uma indefinição do Itamaraty de posicionamento quanto sua liderança (sic) na América do Sul. Aliás, parece-me que o tema da “liderança” brasileira no esteio do envio das tropas militares ao Haiti a partir de 2004 com a MINUSTAH (Missão de Assistência da ONU ao Haiti) está se reduzindo ao ponto de não mais considerar como item na agenda externa diplomática. A posição oficial do zeloso Itamaraty foi sempre de rejeitar, veementemente, esse tema em fidelidade ao paradigma Rio Branco que deplora qualquer tipo de ingerência ou de exercício de hegemonia por parte do Brasil entre os países da América do Sul e Latina. Mas, voltemos ao projeto / processo europeu com seus fundamentos históricos e desdobramentos hoje.

Depois de um contínuo fluxo de guerras mundiais, sobretudo, em solo europeu (1914-1918 e 1939-1945), o Velho Continente perdera o exercício hegemônico que tinha. A Europa ocidental, ressacada pelas guerras e pelo início da cortina de ferro da Guerra Fria, buscou integrar como meio de consolidar a paz no continente por meio da aproximação comercial, política, cultural, econômica e diplomática. Com o respaldo da experiência do BENELUX (União Aduaneira entre Bélgica, Luxemburgo e Holanda), os Planos Monet e Schumann, durante a década de 50 no contexto da criação da CECA, asseveravam que era necessário superar a rivalidade franco-germânica e criar instituições supranacionais para que a Europa voltasse a ocupar patamar político de preponderância em meio à ordem mundial bipolar centrada nos EUA-URSS. O caminho foi pavimentado para, em 1957, ser assinado o Tratado de Roma criando o então Mercado Comum Europeu. A Ata da Helsinque que finaliza a Conferência para Segurança e Cooperação na Europa de 1975 (CSCE) posteriormente materializada em Organização (OSCE), juntamente, com o Ato Europeu Único de 1985 vão consolidar os eixos de paz, cooperação e entendimento para uma melhor fluidez da renúncia de soberania estatal dos países da Europa. Os Estados como atores racionais e interessados precisam ter sólidas bases para delegar e renunciar sua soberania em prol da criação efetiva de instituições supranacionais de confiabilidade.

O lastro fundamental para os êxitos de sucessivas expansões do MCE, da Comunidade Européia e, mais recentemente, da UE foi selar a paz, a estabilidade e a segurança na Europa dos 27 atualmente. Este projeto muito se diferenciou do Mercosul criado pelo Tratado de Assunção de 26 de março de 1991 que incorporou boa parte dos processos, arranjos e contextos europeus para uma realidade platina bem diferente. Visto, no contexto de superação da rivalidade bipolar da Guerra Fria, como uma plataforma de inserção competitiva, o ideal do Mercosul não teve, naturalmente, as mesmas experiências européias desde a Guerra Franco-Prussiana de 1870 com sucessivas guerras e seus desdobramentos. Para o Mercosul, necessário é o entendimento de que um projeto anterior, um lastro de paz, cooperação, estabilidade e entendimento simétrico deva ser o eixo fundamental do bloco no Cone Sul e não apenas superficialmente nas trocas comerciais em um ambiente de união aduaneira incompleta que é seu o atual estágio. Os arranjos decisórios do Mercosul Pós-Ouro Preto (1994) e Pós-Olivos (2002) precisam ser ampliados e aprimorados, contando com uma plena participação da sociedade civil organizada para que o bloco não esteja adstrito apenas aos setores público-estatais.

Um dos dilemas no contexto de celebrações pelos 50 anos do Tratado de Roma é a dissonância sobre uma agenda comum para os programas de cooperação e expansão bem como sobre o expressivo freio que a França e a Holanda deram no processo / projeto europeu com a rejeição popular à constitucionalização da UE. Temas incômodos ainda persistem nos campos econômico (recessão e desemprego estrutural especialmente entre os jovens) e comercial no relacionamento extra-UE com seus fortes subsídios no campo agropecuário. Também incômodo, na esfera política, é a continuada rejeição da Turquia como membro do seleto “Clube de Bruxelas” em especial pelo desinteresse da Grécia que integra a Comunidade Européia em 1981. Dessa forma, muito ainda precisa para ser articulado no delicado, porém promissor projeto – ou melhor “processo” – de integração no Velho Continente com sua estratégia de voltar a ter hegemonia no cenário internacional dominado, atualmente, por uma unipolaridade norte-americana. É, com otimismo cauteloso, portanto, que a UE deve celebrar, com repercussões não somente para o Brasil e o Mercosul, suas conquistas de transformação e redefinição do sistema estatocêntrico internacional. No âmbito financeiro e econômico, atualmente, a UE conta com 16 países na zona do Euro e sua crise sistêmica pós-Grécia fez com que Bruxelas criasse um fundo no montante de 750 bilhões para estabilização e liquidez da Europa. Parte desse deste aporte virá do FMI em Washington mostrando ainda muitos dos desafios adiante.

*Doutor em Ciência Política pela UFPE. Internacionalista e mestre em Ciência Política pela Indiana University of Pennsylvania, EUA. Email: tccastro@hotmail.com.

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