O Mapa da Violência e suas contradições



José Maria Nóbrega Jr.*
O trabalho de Waiselfisz (Mapa da Violência 2010: anatomia dos homicídios no Brasil) é uma dinâmica dos homicídios que analisa o processo de evolução das mortes por agressão utilizando os dados do SIM/DATASUS. O maior problema dessa pesquisa são seus resultados, com grande lacuna estatística, sobre a redução dos homicídios no Brasil e suas causas.
O autor do Mapa da Violência aponta para redução dos homicídios no Brasil a partir de 2003. Na verdade houve redução apenas na região Sudeste. Quando retiramos esta região do quadro o que há é crescimento. Por exemplo, entre 1996 e 2008, na região Nordeste, o incremento das mortes passou dos 100% nos números absolutos de homicídios.
O Mapa aponta para as políticas públicas de alguns estados como sendo exitosas, mas não aborda a importância das instituições coercitivas como variáveis independentes importantes para o controle/redução dos homicídios. Cita o Estatuto do Desarmamento como ponto positivo para a redução das taxas de homicídios, mas não explica a relação causal entre as variáveis.
No Nordeste todos os estados vem apresentando crescimento desse tipo de violência, com destaque para Alagoas e Bahia que apresentam crescimento explosivo nos últimos anos da série (1996-2007/SIM). Em Alagoas de 2004 para 2007 houve um incremento de 800 mortes desse tipo, saltando de 1.035 mortes para 1.835 assassinatos. Na Bahia de 2000 a 2007 o incremento foi de 2.386 mortes a mais, com destaque para os três últimos anos da série (2005 com 2.816 mortes, 2006 com 3.288 e 2007 com 3.628). Pernambuco, Bahia e Alagoas foram responsáveis, no ano de 2007, por 2/3 dos homicídios na região Nordeste.
Boa parte da literatura nacional e internacional que trabalha a questão da violência associa a desigualdade e a pobreza como fatores causais fundamentais. O modelo de correlação de Pearson apresentado no Mapa da Violência de 2010 na seção dedicada às conclusões tenta justificar esta relação, mas sem sucesso!
Quando o foco da análise é a região Nordeste e a violência analisada é o homicídio, o resultado contradiz a teoria. Os resultados de Waiselfisz apotam para a existência de correlação entre variáveis socioeconômicas clássicas (como o Gini e a renda per capita) e os homicídios no contexto de 70 países, incluindo o Brasil. Neste tipo de modelo há multicolinearidade entre as variáveis escolhidas. Além disso, modelos estatísticos que procuram encontrar relação entre variáveis que abordam vários anos e vários contextos diferentes tendem a não alcançarem a real dimensão das macrovaritas.
Entre 2001 e 2005 a desigualdade de renda declinou substancialmente no Brasil, e de forma contínua, alcançando neste último ano o menor nível das últimas três décadas. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) demonstrou que, de 1995 a 2005, houve uma tendência à queda na desigualdade de rendimento domiciliar per capita (RDPC), onde a partir de 2001 este decréscimo se mostrou mais relevante. O índice de Gini da distribuição do rendimento domiciliar per capita (RDPC) caiu de 0,594 em 2001 para 0,566 em 2005. Essa redução de 2,8 pontos percentuais em quatro anos pode parecer pequena, mas cabe assinalar que o valor absoluto de sua intensidade anual é semelhante ao do crescimento de oito pontos percentuais do índice de Gini do rendimento mensal total de pessoas economicamente ativas com rendimento positivo (PEA) no Brasil, na década de 1960, que mereceu grande destaque na literatura sobre distribuição de renda e no debate político.
Outros indicadores de desigualdade confirmam essa tendência. A percentagem da renda apropriada pelos 10% mais ricos caiu de 47,2% em 2001 para 45% em 2005, ao mesmo tempo em que a percentagem da renda total recebida pelos 5% mais ricos caiu de 33,8% para 32%. Em 2001 a percentagem da renda total apropriada pelo 1% mais rico (13,8%) ainda era maior do que a percentagem da renda apropriada pelos 50% mais pobres (12,7%). A situação inverteu-se em 2005, ficando 12,9% para o centésimo mais rico e 14,2% para a metade mais pobre (Hoffmann, 2006: 96-97).
Na Região Nordeste o índice de renda das pessoas que se apropriam da renda equivalente ao 1% mais rico sofreu uma redução de aproximadamente cinco pontos percentuais entre os anos de 2001 e 2005. A redução de domicílios pobres na Região Nordeste foi constante entre 2001 e 2005. Em Alagoas, em 2001, 33,8% correspondia as pessoas que se apropriavam da renda equivalente ao 1% mais rico da população, isto caiu para 22,3% em 2005. Na Bahia, em 2001, era de 29,4%, já em 2005 caiu para 21,4%. No Ceará, em 2001, era de 35%, em 2005 caiu para 26%. No Maranhão houve uma queda considerável, de 26% em 2001 para 18,7% em 2005. Na Paraíba, em 2001, era de 30,5% as pessoas que se apropriavam da renda equivalente ao 1% mais rico da população, em 2005 caiu para 28,3%. Em Pernambuco, em 2001 era de 32,7% os que correspondiam ao 1% mais rico da população, em 2005 caiu para 28,3%. No Piauí, estado mais pobre da Região Nordeste, em 2001 era de 30,5% as pessoas que se apropriavam da renda equivalente ao 1% mais rico, em 2005 caiu para 29,4%. O Rio Grande do Norte, único estado a crescer a concentração, em 2001 era de 25,2% as pessoas que se apropriavam da renda equivalente ao 1% mais rico da população, em 2005 cresceu para 30,5%. Sergipe foi o estado que manteve sua média de 18,7% em quase todos os períodos, exclusive em 2003 com crescimento de aproximadamente quatro pontos percentuais.
Independentemente das melhorias nos indicadores apontados, percebe-se claramente que os homicídios vem percorrendo caminho inverso no Nordeste. Os homicídios crescem sem relação com a pobreza e a desigualdade de renda medidas pelos indicadores socioeconômicos destacados.
Hoje o Nordeste é mais violento que o Sudeste em taxas e em números absolutos de mortes por agressão/homicídios, sendo a região que apresenta o maior impacto positivo nas taxas de homicídios em todos os níveis. Portanto, a região mais violenta do país. Pernambuco perdeu o lugar de primeiro mais violento do Nordeste para o estado da Bahia em termos de números absolutos em 2008. É o segundo em taxas, perdendo para Alagoas. O Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste apresentam taxas superiores a nacional. O Sul hoje tem uma taxa de 24 homicídios por cem mil habitantes e o Sudeste 20,5 por cem mil. O Brasil, acrescentando o Distrito Federal (com 31,6 de taxa), tem a taxa de 25 por cem mil habitantes. O Sul, com tendência crescente, e o Sudeste com taxas menores que a nacional, todos com dados de 2008 do SIM.
Muitas das conclusões do Mapa da Violência 2010 são contestáveis: 1º. Não houve queda dos homicídios no Brasil entre 2003 e 2007; 2º. A única região que apresenta redução em anos seguidos (entre 2000 e 2008) é a Sudeste; 3º. A desigualdade de renda e a pobreza não apresentam relação de causalidade com os homicídios na região Nordeste, o que leva a um erro grave no trabalho do Jacobo quando ele afirma que tal relação é apresentada em um modelo matemático (bastante contestável) em relação a 70 países, aí incluindo o Brasil; 4º. Dentro da região Sudeste o caso de maior êxito é São Paulo, que não precisou reduzir suas desigualdades e pobreza para controlar a variável homicídio.


* José Maria Nóbrega Jr. defendeu tese de doutorado intitulada: “Os Homicídios no Brasil, no Nordeste e em Pernambuco: dinâmica, relações de causalidade e políticas públicas” pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco. Orientaram seu trabalho os cientistas políticos Gláucio Ary Dillon Soares e Jorge Zaverucha (PhDs. Em Ciência Política).

HOFFMANN, Rodolfo (2006), “Queda da Desigualdade da Distribuição de Renda no Brasil, de 1995 a 2005, e Delimitação dos Relativamente Ricos em 2005” in Desigualdade de Renda no Brasil: uma análise da queda recente, Barros et ali (orgs.) Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Volume 1, www.ipea.gov.br

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