Entre a síndrome de Munique e o Nobel da Paz


Por Thales Castro*


Permitam-me uma breve explanação do título de nossa análise sobre a diplomacia brasileira em Teerã no entorno do armamentismo nuclear iraniano. A Síndrome de Munique se refere ao encontro histórico do Primeiro Ministro britânico Neville Chamberlain com Hitler, em setembro de 1938, e à assinatura dos termos de autorizar a anexação nazista às regiões germânicas da Tchecoslováquia em troca de ter a paz na Europa. Ou seja, houve um jogo de mentiras atrelado à extorsão de Hitler, às principais potências européias, de que, se concedida essa expansão, a Alemanha iria, em boa fé e em transparência, cumprir com o pacto assinado de não mais promover qualquer outra forma de anexação, invasão ou violação do Tratado de Versalhes de 1919. Ledo engano! O triunfalismo inicial de Chamberlain logo cedeu lugar à decepção generalizada pelas novas invasões e novas ameaças e extorsões de Hitler. Menos de um ano depois, a Segunda Guerra Mundial iria se iniciar, precisamente, em 1 de setembro de 1939, perdurando até maio de 1945, na Europa, e até agosto daquele ano no Pacífico. Em síntese, a Síndrome de Munique é um exemplo de excessiva confiança de terceiros a países que, claramente, não possuem um histórico recente de credibilidade e confiabilidade, podendo ser muito prejudicial a todos Estados envolvidos.

Poderíamos correlacionar o acordo obtido em Teerã com a crença na boa fé, na transparência e no princípio jurídico do pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos integralmente) com a incapacidade de, verdadeiramente, honrar tais compromissos internacionais de alguns países? Será que o não-cumprimento há quase um ano, pelo Irã, do compromisso assumido publicamente, em Genebra, de transferir parte de seu urânio enriquecido para terceiros países, seria razão de atrelar uma possível Síndrome de Munique à engenharia diplomática brasileira e turca? Será um jogo político-diplomático envolvendo o Brasil e Turquia para ganhar mais tempo contra novas sanções do Conselho de Segurança da ONU por parte do regime dos aiatolás? Os cinco países permanentes do CSNU (EUA, Rússia, França, Reino Unido e China) acreditam que sim: esta seria uma medida protelatória, camuflada e maquiavélica de Teerã. O Itamaraty pensa ao contrário, tanto é que empreendeu grande esforço para evitar novas sanções, que acabou sendo em vão, pois o CSNU estará, em breve, aprovando nova resolução mais dura de ampliação das sanções já existentes.

Há estudos em ciência política e em Relações Internacionais que questionam a eficácia, no curto prazo, dos regimes de sanções contra determinados países. A lógica explicativa é a de que estas não são significativamente eficazes e efetivas na mudança de comportamento das elites políticas nacionais. De toda maneira, a ampliação das sanções é um balde de água fria no Itamaraty. O Brasil está começando agora a empreender posicionamentos mais críticos e incisivos – com claro viés ideológico de esquerda – e visualizar seus custos políticos e operacionais. Ou seja, as Relações Internacionais operam uma lógica de troca de capitais de força-pder-interesse com claros e imediatos feedbacks de causalidade. Corre o risco de que a emergência de um país que é já líder na America Latina possa ofuscar um senso de realismo comedido à trajetória histórico-diplomática do Brasil ao longo de décadas.

Será que a diplomacia brasileira está somente se pautando na egolatria narcísica de Lula como um grande chefe de Estado de grande popularidade mundial? Será que almejar o prêmio Nobel da Paz para Lula– comenta-se de forma discreta nos corredores do Itamaraty – em razão dessas iniciativas seja a real finalidade de toda essa arriscada engenharia diplomática nacional? Será que a diplomacia brasileira, diante da reação imediata e aguda dos membros permanentes do CSNU esteja, cada vez mais, rumando para uma dicotomia: ou uma humilhante e perigosa Síndrome de Munique ou o Nobel da Paz? Ainda não sabemos de todo. Vários editoriais de jornais estrangeiros, incluindo o Der Spiegel alemão e o El País, acham que o Brasil está começando a trilhar um caminho delicado, controverso e de elevadíssimo custo político para o país. Aguardemos as respostas de tais questionamentos que estarão nas próximas jogadas no complexo tabuleiro de xadrez da política internacional e da diplomacia do Oriente Médio.


Thales Castro é doutor em Ciência Política, bacharel e Mestre em Relações Internacionais pela Indiana University of Pennsylvania, EUA. Professor e Assessor de Relações Internacionais da Reitoria da UNICAP. Coordenador do Curso de Relações Internacionais da Faculdade DAMAS.

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