As frágeis democracias latino-americanas
Por José Maria Nóbrega Jr. – Doutor em Ciência Política pela UFPE e Professor da Faculdade Maurício de Nassau – http://www.josemarianobrega.blogspot.com/
Vimos passando por graves crises de segurança no Paraguai e na fronteira brasileira em Mato Grosso do Sul. Estado de sítio em cinco cidades paraguaias por causa do narcotráfico e da criminalidade violenta que os grupos terroristas – dentre eles o PCC (Primeiro Comando da Capital) -, vem proporcionando ao povo paraguaio, tendo radiações em, pelo menos, outros sete países. Peru, com o Sendero Luminoso; Colômbia, com as FARC e o ELN; Brasil com o PCC; o próprio Paraguai com o EPP (Exército do Povo Paraguaio) e outros países fronteiriços a mercê de tais grupos, como a Bolívia, o Equador e a Venezuela (que tem um presidente simpático a Farc).
Quais foram as causas para a proliferação de tantos grupos fora da lei/criminosos/terroristas nesses países? Não há resposta nos meios de comunicação. Temos que procurá-la na academia. Outro questionamento: como solucionar tal problema? Aí há resposta nos meios de comunicação, apesar de equivocada: a presença dos EUA para solucioná-los!
Vou tentar responder em linhas gerais os dois questionamentos acima levantados.
1. As causas que levaram a proliferação de tantos grupos armados criminosos estão ligadas a qualidade das democracias latino-americanas. A grande maioria ainda longe da consolidação. Afirmando isto, tenho a obrigação de explicar o conceito de democracia contemporânea.
A maioria dos especialistas em política, jornalistas que se ligam neste assunto, dentre outros, afirmam que a democracia está consolidada nos países latino-americanos pelo simples fato de existir eleições com certas características em seus territórios. Por exemplo, no Brasil temos eleições periódicas, com vários partidos políticos disputando o voto do cidadão, de forma relativamente limpa, rápida e com governos ideologicamente contrários que se alternaram no poder de forma pacífica. Não leva em consideração o componente liberal da democracia – já consolidado antes mesmo do processo de participação e inclusão dahlsianos nos países desenvolvidos -, como se o Brasil, e os outros países da A.L. não tivessem passado por ditaduras, muitas delas sangrentas, e que ainda deixam resquícios, principalmente em suas instituições responsáveis pelo monopólio da força.
Não avaliam se os cidadãos – os mesmos que tem direito ao voto -, tem suas liberdades civis garantidas, como, por exemplo, o acesso a Justiça equânime e célere e o direito à vida. Esquecem que o crime organizado surge da lacuna deixada pelo estado quando não consegue “manter todos em respeito” – que está ligado a defesa do direito de propriedade (vida, bens e liberdade) -, e não do crescimento do narcotráfico que, na verdade, é o resultado de anos de estagnação do estado na América Latina, a começar pelo seu aparato coercitivo, totalmente desconecto da realidade.
A democracia requer, além dos preceitos eleitorais acima citados, de liberdades civis/políticas e controle efetivo da política por parte dos atores eleitos pelo povo para, minimamente ser um regime político, além de um governo (é claro!), consolidado.
Para ilustrar toda a teoria aqui levantada, cito o caso do PCC. Este grupo criminoso surgiu dentro do sistema penitenciário paulista na década de noventa. Na Casa de Correção de Taubaté (SP), presos que não tinham a garantia de sua integridade física, portanto da sua própria vida, criaram uma organização à margem do estado para manterem-se vivos. Daí evoluíram até constituírem um grupo organizado criminoso com laços dentro e fora dos muros da penitenciária, e que hoje mantém sucursais em diversos estados do Brasil – inclusive em Pernambuco, onde temos mais de duzentos integrantes do PCC no Aníbal Bruno -, e da América Latina. O crime migra e se internacionaliza como qualquer outro fenômeno social, político e/ou econômico.
Nos últimos vinte anos os países da América Latina passaram pelo o que Diamond (1997) chamou de third wave democracies (terceira onda democrática), mas em vez de termos o arrefecimento da insegurança e do medo, houve o contrário. Crescimento do narcotráfico, da guerrilha (agora servida pelo narcotráfico), dos homicídios (que triplicaram), e da desordem social, levando a maioria dos latino-americanos a viverem com faltas de garantias aos direitos básicos de cidadania, tão caro aos norte-americanos e ao ocidente europeu, mas um produto raro e praticamente inexistente na América Latina, onde o que prevalece é o não-estado de direito democrático, levando os países desse continente (desde o México e os países da América Central e do Sul) a serem, no máximo, regimes semidemocráticos. Estes seriam regimes políticos com governo democrático (eleito diretamente pelo povo), mas que não conseguem garantir direitos básicos aos cidadãos, sobretudo os mais pobres.
2. Solucionar o problema: este não estaria nas mãos dos EUA, mas nos governos locais responsivos, ou seja, compromissados com o accountabiliy democrático, com a transparência em suas ações, com a reconstrução do aparato coercitivo, a começar pelas suas polícias. Um aparato de Justiça rápido, inteligente e desburocratizado, com metas e resultados claros e monitorados pelos gestores das pastas de Segurança Pública. Esta sendo um ministério a parte, separado do Ministério da Justiça.
Um modelo novo de gestão nos presídios, com cooperação e administração da iniciativa privada sob o controle diligente e responsivo do estado. Garantir direitos aos cidadãos a processos céleres e penas de acordo com o grau do crime cometido. Investir em um modelo conciliatório aos moldes dos países anglo-americanos.
Combater o narcotráfico e a bandidagem, a começar de dentro dos presídios. Cortar todas as oportunidades do crime organizado, limpando o estado de atores corruptos/criminosos que fazem parte do Legislativo, do Judiciário e do Executivo em muitos estados brasileiros, onde o Rio de Janeiro e o Espírito Santo são os casos mais preocupantes.
Os casos exitosos, como em Bogotá e Medellin – antes entrepostos de verdadeiros cartéis da droga e fornecedores mundiais -, e Nova Iorque, nos EUA, tiveram na “limpeza” de seu aparato coercitivo e de suas instituições políticas o fator decisivo para a implementação de um modelo novo, democrático e transparente, o que levou toda a sociedade a se beneficiar com a volta da segurança e, por sua vez, da paz que só existe com instituições coercitivas em ordem, esta sendo democrática.
As democracias frágeis latino-americanas precisam, para avançarem rumo à consolidação, instituírem o componente liberal em suas estruturas institucionais. Sem garantias das liberdades civis - o que leva ao total descontrole da sociedade, robustecendo o crime e a violência -, não há democracia. Eleições com os requisitos schumpeterianos (1984) na A. L. contemplam, no máximo, uma semidemocracia.
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