O MASSACRE DE BRASILEIROS
Publicado no Jornal O Globo, Professor Gláucio Soares
Desde 1980 até 2008 mais de três milhões de brasileiros tiveram mortes violentas. O trânsito e os homicídios foram os grandes vilões, mas os suicídios, as quedas, os afogamentos etc. também contam.
Em 2007, a população de Curitiba era de 1.828.092 pessoas; a de Florianópolis quatrocentas mil e Maceió 936 mil. A população somada dessas três capitais é da mesma ordem de grandeza que os mortos por causas externas desde 1980. A violência no Brasil arrasaria essas três capitais estaduais brasileiras, matando toda a população.
As estimativas dos mortos em Hiroshima variam entre 90 mil e 166 mil e em Nagasaki entre 60 mil e 80 mil, incluindo os que morreram depois (somente a metade morreu na hora). Nossa violência matou tanta gente quanto quinze bombas atômicas em Hiroshima e outras quinze em Nagasaki.
Todos os soldados americanos mortos em todas as guerras (inclusive a Guerra Civil) até janeiro de 2007 somaram pouco mais de um milhão e duzentos mil, apenas 39% do total dos mortos pela violência no Brasil desde, apenas, 1980.
Como boa parte dessa população sacrificada é de adolescentes e jovens adultos, o número de anos de vida perdidos é muito elevado. Foram vitimados quase cinco homens por cada mulher (4,8). Em números absolutos, aproximadamente dois milhões de homens a menos na população brasileira. São mortes evitáveis.
A violência no Brasil é assustadora. Não obstante, nossa displicência e incapacidade em lidar com ela assustam mais. Era de esperar que, diante de semelhante catástrofe, as autoridades – federais, estaduais e municipais – colocariam a segurança pública à frente dos demais itens na agenda política. Tal não aconteceu. A violência cresceu pelo menos desde que temos dados – fins da década de 70 – mas não entrou no debate político até muito mais tarde. O Fundo Nacional de Segurança Pública só foi criado em 2001, um quarto de século depois de sabermos que a violência crescia no Brasil.
Esse retardo mostra a distância que separa o nível do nosso desenvolvimento político do necessário para enfrentar os principais problemas do país. As secretarias de segurança eram (e muitas continuam a ser) politicamente distribuídas; às vezes um oficial do Exército era colocado à frente, demonstrando que o governador não sabia diferenciar entre Segurança Pública e Segurança Nacional.
A incompetência custou milhões de vidas brasileiras. Ironicamente, as soluções estavam disponíveis e, quando aplicadas, salvaram vidas. Os brasileiros não precisam morrer como moscas. Minas Gerais ilustra o pior e o melhor na Segurança Pública. Era um estado seguro: poucos crimes, pouca violência. Todos os anos, estatisticamente, era um dos três ou quatro estados menos violentos do país, muito mais seguro do que São Paulo ou o Rio de Janeiro. Porém, a partir de 1995, Minas amargou um salto na taxa de crimes violentos que durou oito anos: saíndo de 136, chegou a 542 em 2003. Não obstante, a partir de 2003, políticas inteligentes foram aplicadas e a taxa primeiro parou de crescer e, depois, começou a baixar.
A taxa de homicídios também começou baixa. Variou pouco entre 1986 e 1995. Durante esses anos, nunca baixou de nove nem superou 12. Porém, a partir de 1995, observou-se uma escalada (que foi pior na Região Metropolitana de Belo Horizonte): a taxa saltou de 13,5 em 1997 para 47, em 2004. Em 2005, começou a redução, que foi continuada em 2006 e 2007, quando foi inferior a 37 por 100 mil habitantes, uma queda de dez pontos em três anos. No primeiro semestre de 2008 houve mil homicídios a menos do que em 2006. O que houve? Como em tantos estados brasileiros a pacata Minas foi atacada pelas drogas e pelo crime organizado quando seu nível de desenvolvimento político ainda era baixo. Com a entrada da competência na administração pública, a violência caiu. Sumarizando, até 1995, Minas tinha taxas de violência e de homicídios comparativamente baixas; de 1995 a 2003 dobrou a taxa de homicídios e sextuplicou a taxa de outros crimes violentos; a partir de 2003 as políticas inteligentes passaram a produzir resultados, reduzindo as duas taxas. No primeiro semestre de 2008 mais de mil mineiros deixaram de morrer por homicídios em relação a 2006.
O grande sucesso no combate aos homicídios é São Paulo. Em 1999 houve 15.758, recorde da série histórica: uma taxa de 44 homicídios por cem mil habitantes. Porém, a chegada de equipes competentes começou a salvar vidas. Entre 2001, com taxa por cem mil de 41,8, e 2007, com 6.261 assassinatos e uma taxa por cem mil de 15, a queda foi de 60%: 9.470 vidas paulistas salvas! O Rio de Janeiro, apesar de menos populoso, teve 6.304 homicídios em 2007, superando pela primeira vez os números absolutos de São Paulo. Nossa taxa de homicídios por cem mil era quase três vezes superior à de São Paulo.
Felizmente, o Rio de Janeiro não é um simples espectador dos sucessos de outros estados. Também no Rio as políticas inteligentes estão surtindo efeito: em 2007 houve 206 mortes a menos do que em 2006 (190 homicídios; 16 latrocínios); em 2008 nova baixa, de 373 mortes. Essa tendência positiva foi interrompida em 2009, com um crescimento de 63 mortes. Porém, o grande êxito é atual: em 2010, janeiro e fevereiro foram os menos violentos desde 1991, quando a coleta de dados pelo ISP começou. Houve 921 mortes em 2010 e 1107 em 2009. 186 vidas de cariocas e fluminenses salvas em dois meses!
A relação entre o desenvolvimento político e a redução do crime e das mortes violentas é clara. Tem jeito!
Desde 1980 até 2008 mais de três milhões de brasileiros tiveram mortes violentas. O trânsito e os homicídios foram os grandes vilões, mas os suicídios, as quedas, os afogamentos etc. também contam.
Em 2007, a população de Curitiba era de 1.828.092 pessoas; a de Florianópolis quatrocentas mil e Maceió 936 mil. A população somada dessas três capitais é da mesma ordem de grandeza que os mortos por causas externas desde 1980. A violência no Brasil arrasaria essas três capitais estaduais brasileiras, matando toda a população.
As estimativas dos mortos em Hiroshima variam entre 90 mil e 166 mil e em Nagasaki entre 60 mil e 80 mil, incluindo os que morreram depois (somente a metade morreu na hora). Nossa violência matou tanta gente quanto quinze bombas atômicas em Hiroshima e outras quinze em Nagasaki.
Todos os soldados americanos mortos em todas as guerras (inclusive a Guerra Civil) até janeiro de 2007 somaram pouco mais de um milhão e duzentos mil, apenas 39% do total dos mortos pela violência no Brasil desde, apenas, 1980.
Como boa parte dessa população sacrificada é de adolescentes e jovens adultos, o número de anos de vida perdidos é muito elevado. Foram vitimados quase cinco homens por cada mulher (4,8). Em números absolutos, aproximadamente dois milhões de homens a menos na população brasileira. São mortes evitáveis.
A violência no Brasil é assustadora. Não obstante, nossa displicência e incapacidade em lidar com ela assustam mais. Era de esperar que, diante de semelhante catástrofe, as autoridades – federais, estaduais e municipais – colocariam a segurança pública à frente dos demais itens na agenda política. Tal não aconteceu. A violência cresceu pelo menos desde que temos dados – fins da década de 70 – mas não entrou no debate político até muito mais tarde. O Fundo Nacional de Segurança Pública só foi criado em 2001, um quarto de século depois de sabermos que a violência crescia no Brasil.
Esse retardo mostra a distância que separa o nível do nosso desenvolvimento político do necessário para enfrentar os principais problemas do país. As secretarias de segurança eram (e muitas continuam a ser) politicamente distribuídas; às vezes um oficial do Exército era colocado à frente, demonstrando que o governador não sabia diferenciar entre Segurança Pública e Segurança Nacional.
A incompetência custou milhões de vidas brasileiras. Ironicamente, as soluções estavam disponíveis e, quando aplicadas, salvaram vidas. Os brasileiros não precisam morrer como moscas. Minas Gerais ilustra o pior e o melhor na Segurança Pública. Era um estado seguro: poucos crimes, pouca violência. Todos os anos, estatisticamente, era um dos três ou quatro estados menos violentos do país, muito mais seguro do que São Paulo ou o Rio de Janeiro. Porém, a partir de 1995, Minas amargou um salto na taxa de crimes violentos que durou oito anos: saíndo de 136, chegou a 542 em 2003. Não obstante, a partir de 2003, políticas inteligentes foram aplicadas e a taxa primeiro parou de crescer e, depois, começou a baixar.
A taxa de homicídios também começou baixa. Variou pouco entre 1986 e 1995. Durante esses anos, nunca baixou de nove nem superou 12. Porém, a partir de 1995, observou-se uma escalada (que foi pior na Região Metropolitana de Belo Horizonte): a taxa saltou de 13,5 em 1997 para 47, em 2004. Em 2005, começou a redução, que foi continuada em 2006 e 2007, quando foi inferior a 37 por 100 mil habitantes, uma queda de dez pontos em três anos. No primeiro semestre de 2008 houve mil homicídios a menos do que em 2006. O que houve? Como em tantos estados brasileiros a pacata Minas foi atacada pelas drogas e pelo crime organizado quando seu nível de desenvolvimento político ainda era baixo. Com a entrada da competência na administração pública, a violência caiu. Sumarizando, até 1995, Minas tinha taxas de violência e de homicídios comparativamente baixas; de 1995 a 2003 dobrou a taxa de homicídios e sextuplicou a taxa de outros crimes violentos; a partir de 2003 as políticas inteligentes passaram a produzir resultados, reduzindo as duas taxas. No primeiro semestre de 2008 mais de mil mineiros deixaram de morrer por homicídios em relação a 2006.
O grande sucesso no combate aos homicídios é São Paulo. Em 1999 houve 15.758, recorde da série histórica: uma taxa de 44 homicídios por cem mil habitantes. Porém, a chegada de equipes competentes começou a salvar vidas. Entre 2001, com taxa por cem mil de 41,8, e 2007, com 6.261 assassinatos e uma taxa por cem mil de 15, a queda foi de 60%: 9.470 vidas paulistas salvas! O Rio de Janeiro, apesar de menos populoso, teve 6.304 homicídios em 2007, superando pela primeira vez os números absolutos de São Paulo. Nossa taxa de homicídios por cem mil era quase três vezes superior à de São Paulo.
Felizmente, o Rio de Janeiro não é um simples espectador dos sucessos de outros estados. Também no Rio as políticas inteligentes estão surtindo efeito: em 2007 houve 206 mortes a menos do que em 2006 (190 homicídios; 16 latrocínios); em 2008 nova baixa, de 373 mortes. Essa tendência positiva foi interrompida em 2009, com um crescimento de 63 mortes. Porém, o grande êxito é atual: em 2010, janeiro e fevereiro foram os menos violentos desde 1991, quando a coleta de dados pelo ISP começou. Houve 921 mortes em 2010 e 1107 em 2009. 186 vidas de cariocas e fluminenses salvas em dois meses!
A relação entre o desenvolvimento político e a redução do crime e das mortes violentas é clara. Tem jeito!
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