Mãe dorme no IML para esperar corpo de criança
TOTAL DESRESPEITO AO SER HUMANO, COM INSTITUIÇÕES FUNCIONANDO (SE É QUE FUNCIONAM) DESSA FORMA, CADA VEZ MAIS FICA DIFÍCIL AFIRMAR QUE O BRASIL É UMA DEMOCRACIA.
» OPERAÇÃO-PADRÃO
Publicado em 27.04.2010
A catadora de lixo Cláudia Marques está desde sexta-feira aguardando liberação do cadáver do filho. Ontem, os legistas decidiram manter movimento, que vem afetando famílias de vítimas da violência
Gustavo Maia
gmaia@jc.com.br
“Só quero voltar para casa e enterrar meu filho”. A casa a que se refere a catadora de lixo Cláudia Maria Marques, 27 anos, está a cerca de 125 quilômetros do Recife, na zona rural de Palmares, Zona da Mata. O corpo do filho, Allyson José Marques, 10, morto na última sexta-feira, permanece desde então na sede do Instituto de Medicina Legal (IML), em Santo Amaro, área central do Recife. O drama da família de Allyson, que dorme no IML desde a madrugada de anteontem, por não ter dinheiro para ir e voltar de Palmares, e de outras famílias que aguardam liberação de corpos, deve continuar pelos próximos dias. Ontem à noite, em assembleia no Sindicato dos Médicos, legistas não aceitaram a proposta do governo e decidiram continuar com a operação-padrão, que dura 45 dias.
“O governo avançou um pouco no que diz respeito às condições de trabalho, mas a questão salarial e de carga horária ficou abaixo do que a categoria esperava”, confirmou Carlos Medeiros, presidente da Associação dos Peritos e Médicos-legistas. Ontem, no fim do expediente, havia 59 cadáveres à espera de liberação. De acordo com um funcionário do instituto, o caminhão frigorífico alugado pela Secretaria de Defesa Social para suprir a carência de câmaras frias do IML já está sendo utilizado.
A assessoria de imprensa da SDS informou que o órgão só vai se pronunciar quando for notificado oficialmente da decisão. Segundo a assessoria, na última sexta-feira Carlos Medeiros esteve reunido com o secretário de Defesa Social, Wilson Damázio, e com representantes da secretaria de Administração para, juntos, formularem proposta para acabar com a operação-padrão.
O drama de Cláudia no IML do Recife começou na sexta-feira. Ela viajou sozinha à capital para tentar liberar o corpo do filho. Não conseguiu e voltou a Palmares, gastando o resto do dinheiro que tinha para comprar a passagem. O caixão e o transporte do corpo de Allyson, conseguiu pedindo favor a um vereador. No domingo, cansada de ligar para o IML e receber respostas vagas, pediu dinheiro emprestado a vizinhos do Assentamento Fetape, onde mora, e voltou ao Recife acompanhada pelo marido, Edilson Silva, 19, pela mãe, Irene Maria de Araújo, 53, e por uma vizinha, que voltou de carona no início da manhã de ontem.
“Só saio daqui com meu filho”, afirmou. Ouviu que a liberação ocorreria “lá pela quarta ou quinta-feira”. “Se for preciso, durmo todos os dias aqui. Será que esses médicos não têm coração?”, questionou.
Às 17h30 de domingo, com fome e sem dinheiro suficiente, os quatro foram ajudados pelo dono de uma barraca, que doou comida ao grupo. Passaram a noite cochilando num banco de concreto, usando mochilas como travesseiro. De Palmares, vieram só com as roupas do corpo e com as vestes que serão usadas por Allyson no sepultamento.
Em meio a tanta confusão, Cláudia parece ainda não ter tido tempo de absorver a dor da perda do filho. Quando lembra da última sexta-feira, alterna emoção e incredulidade. “Ele estava brincando e de repente disse que sentia dor muito forte na barriga. A gente tentou acudir, mas morreu poucas horas depois”, conta. Há um mês, a criança havia caído de pé de goiaba. “O médico passou antibióticos e disse que meu filho não tinha fraturas. Nunca mais tinha reclamado de dor”, lembra.
No final da manhã de ontem, após conceder entrevista à Rádio Jornal, uma surpresa. Uma senhora, que não quis ser identificada, ofereceu abrigo ao grupo, em sua casa, na Tamarineira, Zona Norte. À tarde, o secretário de Defesa Social, Wilson Damázio, informou que o corpo será liberado hoje.
Disponível em: http://jc3.uol.com.br/jornal/2010/04/27/not_374934.php
Publicado em 27.04.2010
A catadora de lixo Cláudia Marques está desde sexta-feira aguardando liberação do cadáver do filho. Ontem, os legistas decidiram manter movimento, que vem afetando famílias de vítimas da violência
Gustavo Maia
gmaia@jc.com.br
“Só quero voltar para casa e enterrar meu filho”. A casa a que se refere a catadora de lixo Cláudia Maria Marques, 27 anos, está a cerca de 125 quilômetros do Recife, na zona rural de Palmares, Zona da Mata. O corpo do filho, Allyson José Marques, 10, morto na última sexta-feira, permanece desde então na sede do Instituto de Medicina Legal (IML), em Santo Amaro, área central do Recife. O drama da família de Allyson, que dorme no IML desde a madrugada de anteontem, por não ter dinheiro para ir e voltar de Palmares, e de outras famílias que aguardam liberação de corpos, deve continuar pelos próximos dias. Ontem à noite, em assembleia no Sindicato dos Médicos, legistas não aceitaram a proposta do governo e decidiram continuar com a operação-padrão, que dura 45 dias.
“O governo avançou um pouco no que diz respeito às condições de trabalho, mas a questão salarial e de carga horária ficou abaixo do que a categoria esperava”, confirmou Carlos Medeiros, presidente da Associação dos Peritos e Médicos-legistas. Ontem, no fim do expediente, havia 59 cadáveres à espera de liberação. De acordo com um funcionário do instituto, o caminhão frigorífico alugado pela Secretaria de Defesa Social para suprir a carência de câmaras frias do IML já está sendo utilizado.
A assessoria de imprensa da SDS informou que o órgão só vai se pronunciar quando for notificado oficialmente da decisão. Segundo a assessoria, na última sexta-feira Carlos Medeiros esteve reunido com o secretário de Defesa Social, Wilson Damázio, e com representantes da secretaria de Administração para, juntos, formularem proposta para acabar com a operação-padrão.
O drama de Cláudia no IML do Recife começou na sexta-feira. Ela viajou sozinha à capital para tentar liberar o corpo do filho. Não conseguiu e voltou a Palmares, gastando o resto do dinheiro que tinha para comprar a passagem. O caixão e o transporte do corpo de Allyson, conseguiu pedindo favor a um vereador. No domingo, cansada de ligar para o IML e receber respostas vagas, pediu dinheiro emprestado a vizinhos do Assentamento Fetape, onde mora, e voltou ao Recife acompanhada pelo marido, Edilson Silva, 19, pela mãe, Irene Maria de Araújo, 53, e por uma vizinha, que voltou de carona no início da manhã de ontem.
“Só saio daqui com meu filho”, afirmou. Ouviu que a liberação ocorreria “lá pela quarta ou quinta-feira”. “Se for preciso, durmo todos os dias aqui. Será que esses médicos não têm coração?”, questionou.
Às 17h30 de domingo, com fome e sem dinheiro suficiente, os quatro foram ajudados pelo dono de uma barraca, que doou comida ao grupo. Passaram a noite cochilando num banco de concreto, usando mochilas como travesseiro. De Palmares, vieram só com as roupas do corpo e com as vestes que serão usadas por Allyson no sepultamento.
Em meio a tanta confusão, Cláudia parece ainda não ter tido tempo de absorver a dor da perda do filho. Quando lembra da última sexta-feira, alterna emoção e incredulidade. “Ele estava brincando e de repente disse que sentia dor muito forte na barriga. A gente tentou acudir, mas morreu poucas horas depois”, conta. Há um mês, a criança havia caído de pé de goiaba. “O médico passou antibióticos e disse que meu filho não tinha fraturas. Nunca mais tinha reclamado de dor”, lembra.
No final da manhã de ontem, após conceder entrevista à Rádio Jornal, uma surpresa. Uma senhora, que não quis ser identificada, ofereceu abrigo ao grupo, em sua casa, na Tamarineira, Zona Norte. À tarde, o secretário de Defesa Social, Wilson Damázio, informou que o corpo será liberado hoje.
Disponível em: http://jc3.uol.com.br/jornal/2010/04/27/not_374934.php
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