Justiça para poucos
Editorial do Jornal do Commercio
24.03.10
A lentidão na aplicação da legislação penal em Pernambuco tem invertido a famosa máxima – muitos homicidas, o crime compensa. Principalmente no interior, como mostrou reportagem do JC publicada no último dia 14. Paradoxalmente, o bom desempenho das investigações policiais tem atrapalhado, mais do que ajudado, o estabelecimento da justiça em relação aos crimes violentos ocorridos no Estado. Com o aumento de 43% no número de inquéritos enviados às cortes pela Polícia Civil, o sistema judiciário entrou em pane, fazendo aparecer os gargalos e as deficiências que atravancam os procedimentos que deveriam resultar em julgamentos em prazos muito mais curtos.
No ano passado, foram enviados ao Judiciário pela polícia cerca de 32 mil inquéritos – quase dez mil a mais do que a quantidade remetida em 2008. A competência dos policiais não foi acompanhada pelos fóruns, que ficaram apenas mais abarrotados do que nunca: os processos continuaram na mesma velocidade de antes. A consequência óbvia é a impunidade, cujo incentivo no interior ganha contornos dramáticos. Como observou o repórter Eduardo Machado, “onde a Justiça não chega o problema cresce, gerando mais violência”.
A Justiça não chega porque faltam profissionais para dar conta da demanda, que já era grande e ficou maior no último ano. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) precisa de 180 promotores, a Defensoria Pública teria que preencher 150 vagas, e o Judiciário apresenta déficit de 53 juízes. Somente 20 das vagas do MPPE devem ser ocupadas até o final do ano, por limitação orçamentária – o que cria situações descabidas como a dos dez municípios do Sertão do Araripe, para os quais há apenas um promotor. Não há previsão para a contratação extra de defensores públicos, embora, segundo a defensora pública geral do Estado, Tereza Joacy, 90% dos réus dependam de defensores públicos na hora do júri. E, de acordo com José Fernandes Lemos, presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), o concurso para 55 juízes está apenas esperando a aprovação do edital para ser lançado.
A espiral da criminalidade só pode ser parada através do trabalho incessante de um sistema punitivo ágil e eficiente. A ação policial aparenta ser um trabalho feito pela metade, ou estar “enxugando gelo”, quando o processo judicial emperrado permite à violência seguir impune. A taxa de criminalidade parece não se importar com o aparato da força do Estado, e chega mesmo a crescer, ao premiar com o pleno gozo da liberdade indivíduos que já demonstraram representar um risco à sociedade. Liberdade que se revela uma verdadeira afronta à família e aos amigos das vítimas. Dois locais visitados pela reportagem ilustram essa incongruência: em Ouricuri, entre 2008 e 2009, o número de júris realizados caiu de 15 para 12, ao mesmo tempo em que os homicídios cresceram de 25 para 38 no período, e em Brejo da Madre de Deus, a quantidade de assassinatos registrados subiu de 20 para 36, enquanto os julgamentos despencaram de quatro para um – exatamente, um único júri no ano de 2009.
Para piorar o quadro, os crimes contra a vida obedecem a uma legislação arcaica - na opinião do próprio presidente do TJPE – que faz com que os processos se arrastem, graças à vasta possibilidade de recursos impetrados pelos advogados de defesa. Desta maneira, os esforços concentrados para realizar os júris marcados terão que ser triplicados para não frustrar o bom desempenho dos policiais, que buscam responder às exigências de uma política focada em resultados.
O combate à impunidade é requisito básico para a restauração da ordem em um ambiente culturalmente marcado por crimes de vingança, como o interior de Pernambuco. Como o problema é recorrente em diversos pontos do País, talvez seja o momento de o Poder Judiciário rever suas prioridades de investimento, bem como pensar, juntamente com os demais poderes, numa reforma imediata do sistema penal. Com a Justiça funcionando pouco e para poucos, assistiremos ao crescimento da violência, mesmo com o advento de maior eficiência no uso da ação repressiva.
24.03.10
A lentidão na aplicação da legislação penal em Pernambuco tem invertido a famosa máxima – muitos homicidas, o crime compensa. Principalmente no interior, como mostrou reportagem do JC publicada no último dia 14. Paradoxalmente, o bom desempenho das investigações policiais tem atrapalhado, mais do que ajudado, o estabelecimento da justiça em relação aos crimes violentos ocorridos no Estado. Com o aumento de 43% no número de inquéritos enviados às cortes pela Polícia Civil, o sistema judiciário entrou em pane, fazendo aparecer os gargalos e as deficiências que atravancam os procedimentos que deveriam resultar em julgamentos em prazos muito mais curtos.
No ano passado, foram enviados ao Judiciário pela polícia cerca de 32 mil inquéritos – quase dez mil a mais do que a quantidade remetida em 2008. A competência dos policiais não foi acompanhada pelos fóruns, que ficaram apenas mais abarrotados do que nunca: os processos continuaram na mesma velocidade de antes. A consequência óbvia é a impunidade, cujo incentivo no interior ganha contornos dramáticos. Como observou o repórter Eduardo Machado, “onde a Justiça não chega o problema cresce, gerando mais violência”.
A Justiça não chega porque faltam profissionais para dar conta da demanda, que já era grande e ficou maior no último ano. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) precisa de 180 promotores, a Defensoria Pública teria que preencher 150 vagas, e o Judiciário apresenta déficit de 53 juízes. Somente 20 das vagas do MPPE devem ser ocupadas até o final do ano, por limitação orçamentária – o que cria situações descabidas como a dos dez municípios do Sertão do Araripe, para os quais há apenas um promotor. Não há previsão para a contratação extra de defensores públicos, embora, segundo a defensora pública geral do Estado, Tereza Joacy, 90% dos réus dependam de defensores públicos na hora do júri. E, de acordo com José Fernandes Lemos, presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), o concurso para 55 juízes está apenas esperando a aprovação do edital para ser lançado.
A espiral da criminalidade só pode ser parada através do trabalho incessante de um sistema punitivo ágil e eficiente. A ação policial aparenta ser um trabalho feito pela metade, ou estar “enxugando gelo”, quando o processo judicial emperrado permite à violência seguir impune. A taxa de criminalidade parece não se importar com o aparato da força do Estado, e chega mesmo a crescer, ao premiar com o pleno gozo da liberdade indivíduos que já demonstraram representar um risco à sociedade. Liberdade que se revela uma verdadeira afronta à família e aos amigos das vítimas. Dois locais visitados pela reportagem ilustram essa incongruência: em Ouricuri, entre 2008 e 2009, o número de júris realizados caiu de 15 para 12, ao mesmo tempo em que os homicídios cresceram de 25 para 38 no período, e em Brejo da Madre de Deus, a quantidade de assassinatos registrados subiu de 20 para 36, enquanto os julgamentos despencaram de quatro para um – exatamente, um único júri no ano de 2009.
Para piorar o quadro, os crimes contra a vida obedecem a uma legislação arcaica - na opinião do próprio presidente do TJPE – que faz com que os processos se arrastem, graças à vasta possibilidade de recursos impetrados pelos advogados de defesa. Desta maneira, os esforços concentrados para realizar os júris marcados terão que ser triplicados para não frustrar o bom desempenho dos policiais, que buscam responder às exigências de uma política focada em resultados.
O combate à impunidade é requisito básico para a restauração da ordem em um ambiente culturalmente marcado por crimes de vingança, como o interior de Pernambuco. Como o problema é recorrente em diversos pontos do País, talvez seja o momento de o Poder Judiciário rever suas prioridades de investimento, bem como pensar, juntamente com os demais poderes, numa reforma imediata do sistema penal. Com a Justiça funcionando pouco e para poucos, assistiremos ao crescimento da violência, mesmo com o advento de maior eficiência no uso da ação repressiva.
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