As metodologias envolvidas nos homicídios/mortes por agressão

Por José Maria Nóbrega
Um dos maiores problemas enfrentados pelos estudos científicos em violência, criminalidade e, especificamente, em homicídios está justamente na forma como os dados são catalogados. Não existe uniformidade nos bancos de dados e as secretarias estaduais de segurança pública não repassam de forma padronizada os seus dados de violência para a Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública). O banco de dados que apresenta uniformidade e padronização estadual a nível nacional é o SIM/DATASUS que é o banco de dados sobre informações de mortalidade do Ministério da Saúde.
A Secretaria de Segurança Social de Pernambuco vem fazendo o esforço em manter um banco de dados que siga o estipulado a nível nacional pela Senasp. Sob o termo criminalidade violenta a SDS-PE agrupou em seu banco de dados todas as modalidades de infração codificadas no Código Penal brasileiro, as quais se materializam como sendo aquelas em que o uso intencional da força ou coerção levou a óbito a vítima da violência.
Os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) seriam aqueles os quais houve a morte da vítima categorizada por homicídio doloso, ou roubo seguido de morte (latrocínio), ou lesão corporal seguida de morte. Os dados referentes às vítimas de crimes violentos são extraídos do banco de Crimes Letais Intencionais (CLI) que é integrante do Sistema de Informações Policiais da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (INFOPOL/SDS-PE), criado em 2003. Esse banco é alimentado a partir da apuração dos casos constantes nos Relatórios Diários de Necrópsia dos Institutos de Medicina Legal de Caruaru, Petrolina e Recife e do Relatório Diário da Coordenação de Plantão da Polícia Civil (UNICODPLAN/PCPE).
Informações complementares recuperadas dos relatórios da 2ª Seção do Estado Maior da Polícia Militar de Pernambuco (2ªEM/PMPE), dos relatórios de perícia dos Institutos de Criminalística de Pernambuco e dos Boletins de Ocorrência da PCPE, armazenados também no INFOPOL, todos consolidam o banco de dados do estado de Pernambuco, que vem evoluindo.
Os dados de homicídios ainda estão longe do ideal. Sofrem problemas de confiabilidade por diversos motivos e, portanto, merecem algumas considerações.
Os registros ou boletins de ocorrência na polícia civil: não existe uniformidade das informações, há carência de pessoal qualificado para catalogação dos dados e as codificações dos crimes não são claras. “Os registros policiais são classificados geralmente segundo os critérios jurídicos ou operacionais das próprias polícias. Assim, nem toda morte intencional é classificada pela polícia como homicídio. Por exemplo, os infanticídios, os latrocínios (roubos seguidos de mortes) e as mortes de civis em confronto com a polícia não costumam ser incluídos nos totais de homicídios elaborados pelas polícias. (...) há também casos em que o cadáver é encontrado (“mortes suspeitas” ou “encontros de cadáver”) sem que se saiba exatamente como o óbito aconteceu” (Cano e Ribeiro, 2007: p.53). Esta nota demonstra que não há uniformidade nacional das informações geradas pela polícia, o que mostra falta de accountability por parte das polícias e dos gestores estaduais de segurança neste quesito.
Os cadastros nas Secretarias de Segurança Pública: geralmente os bancos de dados das secretarias de segurança pública dos estados são controlados pelos agentes do governo do momento. Muitas demonstram números que na verdade não existem, algumas vezes mascaram a realidade e trazem números para a imprensa de forma a favorecer o governo de plantão. Os pesquisadores e cidadãos comuns que querem ter acesso aos dados sofrem restrições aos mesmos e os bancos de dados não têm uniformidade cadastral, diferente do que ocorre com o banco de dados do Ministério da Saúde, o DATASUS.
Os dados do DATASUS/SIM (Banco de Dados do Sistema Único de Saúde/Subsistema de Informação sobre Mortalidade) são bem mais confiáveis. Seu processamento é realizado de forma homogênea em todo o território nacional conforme as classificações internacionais de doenças da OMS (Organização Mundial da Saúde), por agentes treinados para isso. A base das informações são as declarações de óbito preenchidas por médicos e coletadas através dos cartórios. A informação de cada estado alimenta o SIM, que apresenta uma série temporal nacional de dados de homicídios desde 1979. A declaração de óbito é necessária para o sepultamento do corpo e para a emissão de certidões de óbito pelos cartórios. A cobertura do sistema é razoavelmente alta, pelo menos nas áreas mais desenvolvidas do país (Cano e Ribeiro, 2007). No entanto, problemas de cadastramento sempre existirão, a redução desses problemas está atrelada ao aperfeiçoamento do sistema.
Os dados da SDS de Pernambuco vem sendo trabalhados de forma mais séria a partir, pelo menos, de 2000, já os dados do SIM/DATASUS vem evoluindo desde o início da década de oitenta, o que acarreta maior experiência/confiabilidade desses dados. A origem dos dados do DATASUS é bem mais esmerada, uniforme para todo o território nacional.
O SIM é gerido pelo Departamento de Análise de Situação de Saúde, da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), em conjunto com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. As secretarias de saúde coletam as declarações de óbitos dos cartórios e entram no SIM. A informação primordial é a causa do óbito a qual será codificada a partir do declarado pelo médico atestante, obedecendo às regras internacionais estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em 1996 as declarações de óbito passaram a ser codificadas sob a 10ª revisão da CID (Classificação Internacional de Doenças), que reformulou o processo de catalogação, onde as mortes por causas externas geradas por violência letal intencional foram codificadas pelos códigos X85-Y09 (“agressões”) que são todas as mortes violentas letais e intencionais praticadas no período analisado (a antiga revisão codificava como homicídios).
O SIM/DATASUS coleta aproximadamente 40 variáveis das declarações de óbito, entre elas algumas fundamentais para os estudos de vitimização como: faixa etária, sexo, estado civil, cor da pele, local de residência, local de ocorrência, capitais, municípios, regiões, microrregião, região metropolitana, escolaridade, mortes provocadas por meio de instrumento perfuro cortante, armas de fogo, objeto contundente, afogamento etc. Completando uma série de opções que nem de longe os bancos de dados das secretarias estaduais de segurança pública e as polícias civis e militares conseguiriam gerir.
Dessa forma, concluo que o banco do SIM/DATASUS é muito mais coeso e sistemático que o banco de dados da SDS de Pernambuco e das demais Unidades da Federação. O seu procedimento de base de dados consolidado é muito mais eficaz e traduz mais proximamente a realidade das mortes por agressão/homicídios no Brasil, sendo mais perspicaz e racional trabalhar com os dados do SIM para a análise quantitativa da vitimização homicida em nosso país.

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