Quem vai morrer assassinado?

Glaucio Ary Dillon Soares
Sociólogo, pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)

Algumas características aumentam o risco de morrer assassinado, ao passo que outras o diminuem. Características demográficas, como idade e sexo, contam muito. Características sociais, como a educação e o estado civil, também. Até características geopolíticas (em que unidade da Federação) onde a pessoa mora contam. E, como veremos, o bom uso do dinheiro público é essencial.
Não pensem que esse risco diferenciado é de hoje, dos últimos anos. Há muito tempo que é assim. Por isso, busquei dados sobre as vítimas de homicídios dos anos de 1991 e 1992 — há quase duas décadas.
O sexo conta? Muito! No Distrito Federal houve, em 1991 e 1992, 938 homicídios, somando os dois anos. Oitocentos e quarenta eram homens, ou 89,6%. No Brasil como um todo é um pouco mais: 91,1%. Aproximando, nove em cada 10 vítimas eram homens. Poucos dados sobre homicidas mostram que a grande maioria dos autores também é masculina.
A idade é um fator de risco: pesa muito agora, e em 1991/1992 não era diferente. As crianças têm risco baixo relativamente aos adolescentes e jovens adultos. De todas as mortes, apenas 6% eram de menores de 15 anos. Porém, aos 15 a mortalidade começava a disparar. Nos 20 anos seguintes, passaram a 52% dos assassinados. A frequência cumulativa mostra que aos 35 anos já haviam falecido 78% dos assassinados. Esse é o grupo alvo, no qual devemos concentrar boa parte da atenção protetora das instituições e os serviços de prevenção.
O estado civil também conta e muito. O casamento protege. Ser solteiro aumenta o risco: no Distrito Federal, três de cada quatro vítimas eram solteiras. É bom saber quais as probabilidades: o x2 nos diz que a probabilidade de que essa relação seja devida ao acaso é menor do que uma em mil. O coeficiente phi, de 0,19, confirma a associação.
A educação mostra o caráter de classe dos homicídios: 93% das vítimas tinham primeiro grau ou menos, muito mais do que na população como um todo. A vitimização é um fenômeno de classe social, confirmando o encontrado em diferentes países: são pobres os que morrem, e são pobres os que matam.
Os dados nacionais permitiram análises extremamente rigorosas que demonstram que a idade, a unidade da Federação e o sexo influenciam a probabilidade de que uma pessoa seja assassinada. As três variáveis aumentam essa probabilidade tanto diretamente quanto em interação com as demais, duas a duas (idade x UF; idade x sexo; UF x sexo) e as três (idade x UF x sexo).
Não obstante, um dado mostra como o risco de morte muda de acordo com a unidade da Federação, levando em conta somente as que foram vítimas de tentativas. Essas diferenças existem há muitas décadas no Brasil. Em 1991/1992, 38% das vítimas de homicídios no Distrito Federal morriam fora dos hospitais, em comparação com 63% no Brasil como um todo: morriam na rua, morriam em casa, morriam a caminho dos hospitais. O efeito das instituições governamentais e das instituições públicas se fazem sentir nesse indicador. A rapidez do atendimento é fundamental — isso vale para todas as condições que podem ameaçar a vida, desde picada de cobra até acidente de trânsito, passando por homicídios e suicídios. A rapidez depende do número e da distribuição das ambulâncias, do fluxo do trânsito (ordenado e fluído vs. desordenado e engarrafado), do equipamento das ambulâncias, do treinamento do pessoal de primeiros socorros, da distribuição espacial dos hospitais e da sua qualidade. Dois estados com taxas de tentativas de homicídios iguais podem ter duas taxas de mortes por homicídios muito diferentes.
Mais uma vez, constatamos que bons governos salvam vidas: uns constroem, equipam seus hospitais e treinam seu pessoal; outros usam os recursos para dar emprego público a amigos, familiares e correligionários. Quem vota nesse tipo de político pode estar assinando a sua própria sentença de morte.

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