Os porões do Araguaia
Gustavo Leal de Albuquerque
Com o fim da ditadura militar em 1985 e a restauração dos direitos e garantias individuais e coletivos no Brasil, aflorou consequentemente uma enorme demanda reprimida por informações sobre os fatos históricos nascidos das fornadas do porão daquele regime de exceção. Contudo, dentre tantos arquivos importantes para o fechamento dessas lacunas do período de 21 anos, tomam destaque aqueles referentes à guerrilha do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no Pará, conhecida como Guerrilha do Araguaia.
Das pesquisas feitas até agora, em conjunto com uma série de desnudamentos dos fatos realizados por militares conscientes do seu papel na história do país, depreende-se que o Exército Brasileiro foi o responsável pela repressão à guerrilha. Praticamente, tudo que aconteceu durante a “Campanha do Araguaia” já foi descrito em livros, artigos e entrevistas, porém, a constituição de direitos depende de atos oficiais inerentes ao Estado, como por exemplo, o reconhecimento da morte de uma pessoa e a justa indenização por parte dos seus algozes.
Visando a estabilidade da “Abertura”, em 1979, o governo militar exigiu e obteve na Lei de Anistia a isenção de qualquer sanção àqueles que participaram de operações ilegais no regime ditatorial. Mesmo assim, considerado como uma das instituições de maior credibilidade perante a opinião publica brasileira na atualidade, o Exército, aparentemente, se nega a fornecer as declarações necessárias à reconstituição oficial do que aconteceu no Estado do Pará no início até a metade da década de 1970.
Após a redemocratização, o posicionamento dos sucessivos governos sobre a Guerrilha do Araguaia só trouxe ao Brasil o destaque negativo quando se trata de direitos humanos. Agora em 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), representou perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Brasil por omitir as informações sobre o desaparecimento dos integrantes do PCdoB no Araguaia.
Essa insistência em jogar a verdade para debaixo do tapete denigre a imagem do Exército, subestima os governos e os governantes e revolta a sociedade. Há impressão de que o governo civil no Brasil vive sob a ameaça do julgo militar, mesmo após o fim da ditadura. Por outro lado, o Exército desperdiça, dia a dia, uma grande oportunidade de se redimir perante a sociedade brasileira pelo cometimento do extermínio do qual é acusado pela história. E o que é pior em uma democracia: o Estado nega às famílias dos desaparecidos o reconhecimento do direito de saber como se deu a morte dos seus entes queridos, sepultar seus corpos (restos mortais) e receber a devida indenização pela (ir) responsabilidade do Estado para com o cidadão brasileiro.
Reconhece-se que a questão é complexa, apesar de expressarmos com simplicidade a sua resolução. Muitas entidades da sociedade civil não conseguem admitir o efeito de uma situação jurídica nascida com a Lei de Anistia: a impunidade legal. O fato de saber quem foram os algozes dos militantes do PCdoB e não poder puni-los é inadmissível aos olhos de grande parte dos que compõem o governo hoje, em todas as esferas, e de componentes importantes da sociedade civil organizada. Partindo da premissa de que é danoso para todos que participam desse cenário negar oficialmente (omitir) o que aconteceu no Araguaia, faz-se concluir que o estágio atual da evolução da sociedade brasileira não consagra a separação entre história, direitos humanos e responsabilidade criminal.
Quem sabe daqui a alguns anos, quando estiver efetivamente extinta a punibilidade pela morte dos agentes, a verdade venha à tona. Neste caso, apenas uma parte do tripé mencionado acima será contemplada: a história.
» Gustavo Leal de Albuquerque é mestre em sociologia e membro do NICC da UFPE
Fonte: Jornal do Commercio. Opinião. P-13
Com o fim da ditadura militar em 1985 e a restauração dos direitos e garantias individuais e coletivos no Brasil, aflorou consequentemente uma enorme demanda reprimida por informações sobre os fatos históricos nascidos das fornadas do porão daquele regime de exceção. Contudo, dentre tantos arquivos importantes para o fechamento dessas lacunas do período de 21 anos, tomam destaque aqueles referentes à guerrilha do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no Pará, conhecida como Guerrilha do Araguaia.
Das pesquisas feitas até agora, em conjunto com uma série de desnudamentos dos fatos realizados por militares conscientes do seu papel na história do país, depreende-se que o Exército Brasileiro foi o responsável pela repressão à guerrilha. Praticamente, tudo que aconteceu durante a “Campanha do Araguaia” já foi descrito em livros, artigos e entrevistas, porém, a constituição de direitos depende de atos oficiais inerentes ao Estado, como por exemplo, o reconhecimento da morte de uma pessoa e a justa indenização por parte dos seus algozes.
Visando a estabilidade da “Abertura”, em 1979, o governo militar exigiu e obteve na Lei de Anistia a isenção de qualquer sanção àqueles que participaram de operações ilegais no regime ditatorial. Mesmo assim, considerado como uma das instituições de maior credibilidade perante a opinião publica brasileira na atualidade, o Exército, aparentemente, se nega a fornecer as declarações necessárias à reconstituição oficial do que aconteceu no Estado do Pará no início até a metade da década de 1970.
Após a redemocratização, o posicionamento dos sucessivos governos sobre a Guerrilha do Araguaia só trouxe ao Brasil o destaque negativo quando se trata de direitos humanos. Agora em 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), representou perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Brasil por omitir as informações sobre o desaparecimento dos integrantes do PCdoB no Araguaia.
Essa insistência em jogar a verdade para debaixo do tapete denigre a imagem do Exército, subestima os governos e os governantes e revolta a sociedade. Há impressão de que o governo civil no Brasil vive sob a ameaça do julgo militar, mesmo após o fim da ditadura. Por outro lado, o Exército desperdiça, dia a dia, uma grande oportunidade de se redimir perante a sociedade brasileira pelo cometimento do extermínio do qual é acusado pela história. E o que é pior em uma democracia: o Estado nega às famílias dos desaparecidos o reconhecimento do direito de saber como se deu a morte dos seus entes queridos, sepultar seus corpos (restos mortais) e receber a devida indenização pela (ir) responsabilidade do Estado para com o cidadão brasileiro.
Reconhece-se que a questão é complexa, apesar de expressarmos com simplicidade a sua resolução. Muitas entidades da sociedade civil não conseguem admitir o efeito de uma situação jurídica nascida com a Lei de Anistia: a impunidade legal. O fato de saber quem foram os algozes dos militantes do PCdoB e não poder puni-los é inadmissível aos olhos de grande parte dos que compõem o governo hoje, em todas as esferas, e de componentes importantes da sociedade civil organizada. Partindo da premissa de que é danoso para todos que participam desse cenário negar oficialmente (omitir) o que aconteceu no Araguaia, faz-se concluir que o estágio atual da evolução da sociedade brasileira não consagra a separação entre história, direitos humanos e responsabilidade criminal.
Quem sabe daqui a alguns anos, quando estiver efetivamente extinta a punibilidade pela morte dos agentes, a verdade venha à tona. Neste caso, apenas uma parte do tripé mencionado acima será contemplada: a história.
» Gustavo Leal de Albuquerque é mestre em sociologia e membro do NICC da UFPE
Fonte: Jornal do Commercio. Opinião. P-13
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