Mais armas de fogo, menos violência


José Maria Nóbrega - Líder do Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos da Violência, da Criminalidade e da Qualidade Democrática (NEVCrim)/CNPq/UFCG.

A maioria dos estudos que relacionam a arma de fogo à violência tem como conclusão a maior circulação de arma de fogo como uma das principais causas, quando não a única ou maior. Quando o então Presidente da República conservador, Jair Bolsonaro, flexibilizou o acesso à posse de arma de fogo em 2019, resultado de suas promessas de campanha em meio à falência do Estado como monopolizador da força, a histeria dos desarmamentistas incorporados na placenta da “ciência” foi enorme!

Analisando o recém lançado Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), percebemos que a flexibilização do “Decreto das Armas” de Bolsonaro fez explodir os novos registros de armas no Sistema Nacional de Registro de Armas (SINARM) e na Polícia Federal, como podemos ver  no gráfico abaixo.

 Gráfico 01. Total de Registros de Posse Ativos

Fonte: Polícia Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Registros de arma de fogo ativos no SINARM/Polícia Federal, ns. Absolutos

A variação percentual no comparativo 2017/2022 foi de 144,3% de crescimento, saltando de 637.972 novos registros em 2017, para 1.558.416, em 2022. Em média, 80% das MVIs (homicídios dolosos, latrocínios, agressões seguida de morte da vítima, mortes decorrentes e intervenção policial e assassinatos de policiais) são perpetrados por arma de fogo. Contudo, enquanto novos registros variaram positivamente e de forma expressiva no período, a violência medida pelos MVIs sofreu recuo de -26%, como podemos verificar no gráfico abaixo.

Gráfico 2. Mortes Violentas Intencionais (MVIs) no Brasil (2017/2022)

 


 Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023)

Quando avaliamos a correlação entre as matrizes de dados, temos forte associação entre esses novos registros de armas com a queda os MVIs demonstrada pelo coeficiente no R= -0,850, quase um correlação perfeita com sinal negativo, que indica o movimento inverso entre os dois conjuntos de dados (cf. Tabela 01).

 

Tabela 01. Total de registro de posse ativos / MVIs (2017/2019)

 

Total de registros de posse ativos

Variação (%)

2017

2019

2020

2021

2022

Brasil

637.972

 1.056.670

 1.233.745

 1.490.323

 1.558.416

 144,3

mvis

2017

2019

2020

2021

2022

Variação (%)

Brasil

64.078

47.765

50.448

48.431

47.508

-26

Correl

R=-0,850

 

 

 

 

 

Fonte: Polícia Federal; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Cálculos da variação das MVIs e Correlação do autor.

Sabemos que correlação não implica causalidade, nem é isto que queremos afirmar aqui. As políticas de apreensão de armas ilegais e de controle de novos registros de armas são fundamentais para o fortalecimento do Estado como monopólio da força e da violência legal.  

Antes de qualquer avaliação de uma política específica, é fundamental entender como as instituições coercitivas vêm funcionando nas suas funções básicas. Sabemos que os indicadores de investigação criminal, controle do sistema carcerário, inteligência policial, prevenção da criminalidade, ocupação de espaços, prisões de homicidas seriados dentre outros indicadores não são bons no país. Os déficits nessas searas são expressivos e recebem pouca atenção dos gestores públicos (NÓBREGA JR., 2022; NÓBREGA, 2022; NÓBREGA JR., NÓBREGA, 2022).

Pelo que parece, a política de flexibilização deu maior controle do Estado nas armas de fogo e, por sua vez, essas armas não foram responsáveis, em sua maioria, pelos crimes de MVIs. Ao menos, a correlação mostra uma associação negativa.

Para a aquisição da arma, o cidadão comum deverá ser residente de área rural, ou urbana com elevados índices de violência, considerada as unidades federativas com índices anuais de mais de 10 homicídios por cem mil habitantes. Ser titular ou responsável legal de estabelecimento comercial ou industrial e/ou colecionador, atirador e caçador, devidamente registrado no Comando do Exército. O cidadão deve ser maior de 25 anos de idade e não ter antecedentes criminais. Portanto, não é fácil, mesmo com a flexibilização, ter acesso a uma arma de fogo, que começa com as exigências legais e termina com o valor nada acessível para a maioria da população brasileira que tem rendimento per capita de R$ 1.353,70 e que 86,1% dos residentes do país vivem com, no máximo, dois salários mínimos (IBGE, 2022). O acesso à arma é restrito aos mais ricos. No Brasil, apenas 7,5% tem rendimento domiciliar per capita acima dos três salários mínimos (IBGE, 2022).

Partindo dessa premissa, a maioria que teve acesso à política do Decreto de Bolsonaro faz parte da minoria econômica. Sendo assim, esses mais de um milhão e meio de registros do último ano da série e o impacto da variação percentual teria intimidado a prática de violência pessoal, ou foram outros fatores causais?

O que sabemos é que a melhoria nos indicadores institucionais resultam em maior controle da criminalidade (NÓBREGA JR., NÓBREGA, 2022). Flexibilizar ou recrudescer o acesso as armas de fogo, ou seja, a novas armas e novos registros, não seria determinante para o controle da criminalidade, principalmente a mais violenta.

O controle, com flexibilização ou não, é o ponto fulcral do debate. Mais ou menos acesso às armas não importa, o que importa é o controle do Estado sobre essas armas, o velho monopólio estatal da força, com o controle das variáveis institucionais como: investigação criminal, prevenção, preenchimento dos espaços, fim das cracolândias, controle do sistema carcerário e assim por diante.

 

Referências

 

IBGE. Síntese de Indicadores Sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira. 2022.

NÓBREGA, J. M. Democracia e Justiça Criminal: o seu alto nível de associação. Direito, Processo e Cidadania, Recife, v.1, n.2, p.145-166, maio/ago., 2022.

NÓBREGA JR. J.M.P. da. Investigação Criminal, Democracia e Violência na América Latina. Boletim IBCCrim. Ano 30. N. 354.

NÓBREGA JR., J.M.P. da; NÓBREGA, D.D.R.S. da. Morte Matada. A dinâmica dos homicídios no Nordeste. E-book. Editora da UEPB, Campina Grande, PB.

Comentários

  1. Professor , eu escrevi algo sobre esse assunto , mas não publiquei , podíamos fazer algo para publicarmos em conjunto? WhatsApp- 81992620801 julierme

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