A mando do tráfico
A mando do tráfico
Por José Maria Nóbrega – coordenador
do NEVCRIM/UFCG
Na semana passada, a mando do
tráfico, uma professora sexagenária e seu pequeno dog foram brutalmente assassinados
no município do Cabo de Santo Agostinho, na Grande Recife. Isto não ocorreu
porque simplesmente a professora se negou a obedecer aos traficantes. Ocorreu por
causa da lacuna estatal em sua principal tarefa: o monopólio da violência e da
força.
Cabo é uma das vinte e quatro
cidades mais violentas do Nordeste em números absolutos de assassinatos. De
acordo com os cálculos efetuados em cima dos dados do Sistema de Informações
sobre Mortalidade (SIM), a taxa de homicídios do município foi de 65,2 por cem
mil habitantes no ano de 2019. Um número 6,5 vezes superior ao limite tolerável
pelas regras internacionais.
As causas para esse descontrole
são múltiplas, mas a ausência do monopólio estatal da violência – conceito
weberiano da maior importância para a consolidação do Estado de direito -, está
na raiz desse problema.
Segundo a teoria da Escolha
Racional de Gary Becker, o criminoso é um ator social e político motivado para
a prática de crimes onde haja oportunidades. Segundo a teoria, o abandono por
parte das instituições coercitivas – polícias, ministério público, justiça
criminal e sistema carcerário - da manutenção da ordem pública, leva ao
recrudescimento da criminalidade, sobretudo em regiões onde a ausência estatal
vai além dessa manutenção.
A soma dos espaços desgovernados
com altos índices de vulnerabilidade social é como acender um pavio de uma
dinamite. Em pesquisas efetuadas pelo Núcleo de Estudos da Criminalidade, da
Violência e da Qualidade Democrática (NEVCRIM/UFCG), destacamos, com base nessa
teoria, que as cidades mais violentas do Brasil também apresentam indicadores
de vulnerabilidade social altos, em descontrole.
No entanto, as causas mais
significantes estatisticamente apontam para o papel institucional, ou seja, ao
poder do Estado como monopolizador da violência legal. A ingerência da
segurança pública termina sendo o principal fator, ou a principal causa, para o
crescimento e descontrole da violência e, consequentemente, para a audácia dos
criminosos como esses que assassinaram a senhora e o cachorrinho no Cabo de
Santo Agostinho. O que aconteceu ali não foi “apenas” um homicídio, foi um
atentado contra toda a sociedade, contra as liberdades.
Já registramos aqui a importância
do combate ao tráfico de drogas como variável fundamental para o controle da
criminalidade violenta no Nordeste. Em modelo estatístico sumarizado,
comparando cinco indicadores apontados pela literatura do crime – apreensão de
armas de fogo ilegais, renda domiciliar per capita, apreensão por tráfico de
drogas, prisões e gastos per capita em segurança pública -, o indicador que
apresentou maior significância estatística foi o de apreensão por tráfico de
drogas, afastando qualquer hipótese contrária ao poder do tráfico como maior
condutor da violência na região.
Para que a liberdade seja
garantida às comunidades pobres do Cabo e das demais cidades da região
metropolitana do Recife, é fundamental que o Estado retome às rédeas do
controle de seu monopólio. Não adianta criar mais leis no intuito de ser mais
severo na punição se há a certeza da impunidade do criminoso. Este quase sempre
é um ator racional buscando otimizar o seu negócio ilegal. A previsibilidade de
ser punido é mais eficaz do que a severidade da pena para o controle, a curto
prazo, da violência.
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