VIOLÊNCIA E DESIGUALDADE NO SERTÃO PARAIBANO
Desigualdade social e de renda, pobreza e a violência homicida no
Sertão paraibano: analisando os indicadores socioeconômicos e seu impacto na
violência em Patos
José
Maria P. da Nóbrega Júnior[1]
A violência é um mal
que atinge as populações latino-americanas de forma mais enfática. Nos últimos
quinze anos, países como Honduras, Venezuela, El Salvador, Guatemala, México e
Brasil viram os seus indicadores de homicídios, no mínimo, dobrarem. O Brasil é
destaque na região concentrando mais de 12% dos homicídios do globo.
No 11º Anuário
Brasileiro de Segurança Pública foram computados mais de 61 mil assassinatos. A
região nordeste foi responsável por mais de 40% dessas mortes violentas
intencionais, com 24.825 óbitos por agressão. A Paraíba vem apresentando redução
nesses indicadores desde 2012, o que é alvissareiro. Contudo, no Sertão do
Estado a violência cresceu exponencialmente, mesmo com a redução na região
metropolitana da Paraíba (NÓBREGA JR., 2016).
Utilizando Patos como
Proxy da região, analisaremos os indicadores socioeconômicos e a violência em
determinado período, este relacionado aos censos do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), dos anos de 2000 e 2010.
Patos teve uma taxa
de 56,6 homicídios por cem mil habitantes em 2010. Foram 58 pessoas
assassinadas naquele ano. Patos têm população um pouco superior aos 100 mil
habitantes. Está na 46ª posição dentre as 54 cidades nordestinas que concentra
mais da metade dos óbitos por agressão ocorridos, em mais de 1.700 municípios,
para o ano de 2015, segundo os dados do Sistema de Informação de Mortalidade do
SUS (TABELA 1).
Tabela
1. Ranking das cidades mais populosas e seus números absolutos de homicídios –
2015
1.
Fortaleza
|
1729
|
2. Salvador
|
1386
|
3. São Luís
|
758
|
4. Recife
|
582
|
5. Maceió
|
573
|
6. João
Pessoa
|
467
|
7. Natal
|
445
|
8. Aracaju
|
370
|
9. Teresina
|
351
|
10.
Jaboatão dos Guararapes
|
293
|
11. Feira
de Santana
|
218
|
12 Caucaia
|
209
|
13.
Camaçari
|
198
|
14. Caruaru
|
193
|
15.
Maracanaú
|
172
|
16. Vitória
da Conquista
|
170
|
17. Mossoró
|
170
|
18. Campina
Grande
|
169
|
19. Lauro
de Freitas
|
162
|
20. Olinda
|
161
|
21. São
José de Ribamar
|
159
|
22. Nossa
Senhora do Socorro
|
159
|
23. Cabo de
Santo Agostinho
|
147
|
24.
Arapiraca
|
141
|
25.
Imperatriz
|
138
|
26.
Parnamirim
|
133
|
27.
Juazeiro do Norte
|
126
|
28.
Juazeiro
|
125
|
29.
Petrolina
|
124
|
30. Itabuna
|
122
|
31. Porto
Seguro
|
122
|
32.
Teixeira de Freitas
|
114
|
33. Sobral
|
110
|
34. Simões
Filho
|
105
|
35.
Paulista
|
105
|
36.
Alagoinhas
|
102
|
37. Santa
Rita
|
100
|
38. Jequié
|
87
|
39. Ilhéus
|
69
|
40. Paço do
Lumiar
|
68
|
41. Paulo
Afonso
|
67
|
42. Timon
|
65
|
43.
Igarassu
|
60
|
44.
Camaragibe
|
59
|
45. Caxias
|
58
|
46. Patos
|
58
|
47. São
Lourenço da Mata
|
53
|
48.
Maranguape
|
51
|
49. Vitória
de Santo Antão
|
49
|
50. Crato
|
41
|
51.
Açailândia
|
33
|
52. Codó
|
31
|
53.
Itapipoca
|
30
|
54.
Parnaíba
|
26
|
Total
|
11813
|
Fonte:
SIM/DATASUS.
Na literatura sobre
as causas e consequências da violência, há uma grande gama de trabalhos que
buscam relacionar os aspectos sociais e econômicos com o crescimento ou
decréscimo da criminalidade violenta. Desigualdade de renda, pobreza, baixo
crescimento econômico, falta de qualificação profissional, dentre outros
indicadores, estariam na raiz do crescimento da violência, em específico
daquela tentada contra a pessoa (NÓBREGA JR., 2015; CERQUEIRA E LOBÃO, 2004).
O presente artigo busca
medir justamente o impacto de algumas variáveis independentes de caráter
socioeconômico e que, de certa forma, mensurem os níveis de desigualdade e
pobreza em relação ao fenômeno da violência homicida no Sertão paraibano. O
método de análise é quantitativo com o uso de estatística descritiva avaliando
os dados e buscando interpretá-los a luz da literatura especializada.
Os homicídios no sertão paraibano, Patos como Proxy regional
Observando o gráfico abaixo,
percebem-se dois momentos da violência no sertão paraibano. No primeiro bloco, entre
2000 e 2005 temos oscilações, com o pico em 2004, no qual a taxa chegou a
30/100 mil. Já entre 2005 e 2010 os dados explodiram. O pico se deu em 2008
onde a taxa chegou a 58/100 mil. O incremento percentual em todo período foi de
63%. Contudo, entre 2005 e 2010 o impacto estatístico da morte foi maior: 371%.
Isso se deve a interiorização da criminalidade violenta, do tráfico de drogas,
sobretudo da entrada do crack no menu,
e o processo migratório sudeste/nordeste, no qual muitos criminosos se
refugiaram no interior nordestino (NÓBREGA JR., 2012; SAPORI E SOARES, 2014).
Gráfico
1. Taxas de Homicídios Patos – 2000 a 2010
Fonte:
SIM/DATASUS. Cálculo das taxas do autor.
Pela leitura dos
dados acima, fica difícil vincular o crescimento da criminalidade a fatores
socioeconômicos. Como veremos adiante.
Explicando os indicadores sociais
De acordo com a
literatura especializada (NÓBREGA JR., 2015; CERQUEIRA E LOBÃO, 2004),
trouxemos alguns indicadores para servir de variáveis independentes para a
avaliação que se pretende, ou seja, medir o impacto dos indicadores
socioeconômicos de pobreza, desigualdade e desempenho econômico na violência
homicida em Patos de forma descritiva.
São eles:
Mortalidade
infantil: Número de crianças que
não deverão sobreviver ao primeiro ano de vida em cada 1000 crianças nascidas
vivas.
Expectativa de anos de Estudo: Número médio de anos de estudo que uma geração de
crianças que ingressa na escola deverá completar ao atingir 18 anos de idade,
se os padrões atuais se mantiverem ao longo de sua vida escolar.
Taxa de Analfabetismo - 18 anos ou mais:
Razão entre a população de 18 a 24 anos de idade
que não sabe ler nem escrever um bilhete simples e o total de pessoas nesta
faixa etária multiplicado por 100.
Taxa de Frequência Bruta ao Médio: Razão entre o número
total de pessoas de qualquer idade frequentando o ensino médio regular seriado
e a população na faixa etária de 15 a 17 anos multiplicado por 100. As pessoas
frequentando a 4ª série do ensino médio foram consideradas como tendo concluído
esse nível de ensino.
Percentual de pessoas com 18 anos ou mais com fundamental completo: Razão
entre a população de 18 anos ou mais de idade que concluiu o ensino
fundamental, em quaisquer de suas modalidades (regular seriado, não seriado,
EJA ou supletivo) e o total de pessoas nesta faixa etária multiplicado por 100.
Gini: Mede o grau de desigualdade existente na
distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a
renda domiciliar per capita de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1,
quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda). O
universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares
permanentes.
Percentual de extremamente pobres: Proporção dos indivíduos com renda domiciliar
per capita igual ou inferior a R$ 70,00 mensais, em reais de agosto de
2010. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios
particulares permanentes.
Percentual de pobres: Proporção dos indivíduos com renda domiciliar
per capita igual ou inferior a R$ 140,00 mensais, em reais de agosto de
2010. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios
particulares permanentes.
Renda Per Capita: Razão entre o somatório da renda de todos os
indivíduos residentes em domicílios particulares permanentes e o número total
desses indivíduos. Valores em reais de 01/agosto de 2010.
Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal: Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal. Média geométrica dos índices das dimensões
Renda, Educação e Longevidade, com pesos iguais.
Taxa de Desocupação 18 anos ou mais: Percentual da população economicamente ativa (PEA)
nessa faixa etária que estava desocupada, ou seja, que não estava ocupada na semana
anterior à data do Censo, mas havia procurado trabalho ao longo do mês anterior
à data dessa pesquisa.
Os dados foram resgatados do Atlas de
Desenvolvimento Humano, ano 2013. Os anos da análise são os de 2000 e 2010,
conforme os censos efetuados pelo IBGE, o que refletiu, também, na série
histórica dos homicídios em tela.
A variável dependente são as taxas de
homicídios por cem mil habitantes calculadas em cima dos números absolutos de
mortes por agressão resgatadas do banco de dados do Sistema de Informação de
Mortalidade do SUS (Sistema Único de Saúde).
Discussão e Resultados
A violência homicida é um fenômeno
multicausal e pode estar relacionado a várias possibilidades, tanto sociais,
como econômicas, tanto culturais, como institucionais (NÓBREGA JR., 2010).
O nosso objetivo aqui é avaliar o
impacto descritivo dos indicadores socioeconômicos na violência homicida em Patos,
cidade Proxy para o sertão paraibano.
Busca-se testar a hipótese na qual o crescimento ou decréscimo de desigualdade
social e de renda, pobreza e falta de qualificação profissional, sobretudo dos
mais jovens, impacta no comportamento dos dados homicídios como referência (Proxy) de violência. Tal impacto tem a
premissa de quanto melhor os dados socioeconômicos, menor deveriam ser os
conflitos sociais.
Tabela 2. Dados socioeconômicos e violência homicida em Patos, Sertão
paraibano - sua variação percentual –
2000/2010
2000
|
2010
|
var %
|
|
Taxa homicídio
|
21
|
56,6
|
62,90
|
Mortalidade Infantil
|
32,31
|
15,27
|
-111,59
|
Expectativa de anos de Estudo
|
8,39
|
10,14
|
17,26
|
Taxa de Analfabetismo - 18 anos ou
mais
|
26,62
|
19,51
|
-36,44
|
Taxa de Frequência Bruta ao Médio
|
59,44
|
65,32
|
9,00
|
% de 18 anos ou mais com fundamental
completo
|
33,29
|
49,27
|
32,43
|
Gini
|
0,57
|
0,56
|
-1,79
|
% de extremamente pobres
|
15,58
|
5,38
|
-189,59
|
% de pobres
|
38,31
|
18,86
|
-103,13
|
Renda Per Capita
|
324,87
|
508,52
|
36,11
|
Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal
|
0,557
|
0,701
|
20,54
|
Taxa de Desocupação 18 anos ou mais
|
14,51
|
8,32
|
-74,40
|
Fontes: Atlas de Desenvolvimento Humano (2013) | SIM/DATASUS. Cálculo
das taxas de homicídios e das variações percentuais do autor.
Em Patos a desigualdade social e de
renda, e a pobreza, diminuíram com o aumento da renda e maior distribuição da
mesma, além de melhoria no acesso à educação. No entanto, as taxas de
homicídios aumentaram em mais de 62% no período 2000/2010 e, como vimos na
análise da série temporal, o impacto entre 2005 e 2010 foi explosivo (GRÁFICO
1).
O destaque vai para os indicadores de pobreza
com -36,4% de variação percentual na taxa de analfabetismo, -189,6% no
percentual de pessoas extremamente pobres e de -103% no de pessoas em situação
de pobreza.
O indicador de concentração de renda
caiu em -1,8%, com apenas um ponto no índice de GINI. O que nos diz que a
concentração de renda ainda é grande no sertão da Paraíba, já que Patos possui
a terceira colocação no Produto Interno Bruto do Estado, ficando atrás de João
Pessoa e Campina Grande. No entanto, a renda per capita saltou em 36% em dez anos com a taxa de desocupação da
população jovem reduzindo em -74,4% no comparativo 2000/2010.
Os indicadores de educação, expectativa
de vida ao nascer, anos de estudo e frequência escolar todos tiveram
considerável melhoria, com destaque a expressiva diminuição da mortalidade
infantil, com 110% de redução no comparativo 2000/2010.
Defendo a hipótese na qual a ingerência
do aparato de segurança pública está no cerne do crescimento da violência no
nordeste brasileiro. Baixa eficiência da polícia e do sistema de justiça
criminal, não respondendo a demanda de mais crimes em meio ao crescimento
econômico e a melhoria da renda, nos parece mais coerente em termos de força
explicativa (NÓBREGA JR., 2010; 2012; SAPORI e SOARES, 2014).
Em termos da hipótese que se buscou
aqui avaliar, somos do entendimento de que a melhoria na qualidade de vida das
pessoas no sertão paraibano, com o aumento e distribuição da renda, maior
inserção dos jovens na escola, redução expressiva dos mais pobres, não foram
fatores explicativos para o crescimento dos homicídios. O crescimento do
tráfico de drogas reflexo da imigração de criminosos do sudeste, o aumento dos
alvos potenciais com a manutenção da ordem institucional, parecem ser os
fatores determinantes para o crescimento avassalador da violência homicida no
sertão da Paraíba.
Conclusão
Os dados de violência são independentes
dos indicadores sociais e econômicos. O que pesa na evolução da violência são
as políticas públicas em segurança. O investimento feito pelo Estado em
políticas sociais são importantes para o aumento da igualdade social, que é
fundamental para o avanço da democracia. Porém, sem segurança pública os
direitos individuais ficam a mercê da criminalidade, principalmente quando a
riqueza se torna mais distribuída e os pobres, menos pobres.
A pequena análise aqui em tela mostra
ao gestor da segurança pública, nos três níveis da federação, que,
independentemente das melhorias na renda e na escolaridade dos cidadãos, sem
segurança pública e um sistema legal eficiente, dificilmente os homicídios são
controlados. O crescimento da violência no sertão paraibano, no período entre
2000 e 2010, ocorreu sem que os problemas sociais mais graves a afetasse de
forma direta, sobretudo quando os indicadores socioeconômicos melhoraram mais,
no segundo bloco dos dados, entre 2005 e 2010, no qual os homicídios tiveram
mais de 370% de incremento percentual.
Bibliografia
CERQUEIRA, D. R. C. e LOBÃO, W. A. J.
L. (2004), “Determinantes da Criminalidade: Arcabouços Teóricos e Resultados
Empíricos” in Dados – Revista de Ciências
Sociais, Vol. 47, nº 2, pp. 233-269.
NÓBREGA JR., José Maria (2010), Os Homicídios no Brasil, no Nordeste e em
Pernambuco: dinâmica, relações de causalidade e políticas públicas. Tese de
Doutorado. 271 f. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE.
NÓBREGA JR., José Maria (2012), Homicídios no Nordeste. Dinâmica, relações
causais e desmistificação da violência homicida. ED.UFCG. Campina Grande,
Paraíba, Brasil.
NÓBREGA JR., José Maria (2015), “Teorias
do Crime e da Violência: Uma Revisão da Literatura”. BIB, São Paulo, n. 77, 1º semestre de 2014 (publicada em dezembro
de 2015), pp. 69-89.
NÓBREGA JR., José Maria (2016), “Política
Pública de segurança na Paraíba:
analisando os resultados da policy”. Paper desenvolvido para o I Evento do PROFIAP em Curitiba, em 08 e 09 de dezembro de 2016. Este paper será publicado como capítulo de livro em publicação da UFPB, em 2018.
analisando os resultados da policy”. Paper desenvolvido para o I Evento do PROFIAP em Curitiba, em 08 e 09 de dezembro de 2016. Este paper será publicado como capítulo de livro em publicação da UFPB, em 2018.
SAPORI, L. F.; SOARES, G. A. D. (2014),
Por que cresce a violência no Brasil. Ed.
PUCMINAS. Belo Horizonte.
[1] Professor Adjunto IV da
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Paraíba, Brasil. Doutor em
Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE.
Coordenador do NEVU – Núcleo de Estudos da Violência da UFCG. Pesquisador do INCT-InEAC/UFF.
Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFCG.
Lotado no Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido (CDSA), na Unidade
Acadêmica de Gestão Pública, Campus de Sumé, PB. Brasil. E-mail: jmnobrega@ufcg.edu.br
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