A fragilidade de nossas instituições coercitivas enfraquece a democracia brasileira

A 'justiça' do PCC

14 Set 2013



As mortes de quatro acusados de terem participado do assassinato do menino boliviano Brayan Yanarico Capcha, de cinco anos, durante um assalto à casa onde morava, no bairro de São Mateus, mostram a força do crime organizado em São Paulo e o modo como funciona tanto dentro quanto fora do sistema prisional, inteiramente à margem da ordem jurídica e das instituições judiciais.

O crime foi cometido há dois meses e meio numa das áreas da zona leste em que as taxas de latrocínio mais têm a crescido, tendo como vítimas um número muito alto de imigrantes bolivianos. São pessoas pobres que, fugindo da miséria rural ou da fome nas periferias urbanas da Bolívia, vieram para o Brasil atraídas pelos postos de trabalho nas oficinas de costura e nas pequenas fábricas de confecções situadas nos bairros do Brás e da Mooca. Quase todos esses estabelecimentos empregam milhas de bolivianos em condições degradantes, com pagamento de salários aviltados e até privação de liberdade.

Alimentadas por atacadistas de roupas, que terceirizam a produção para reduzir custos, essas oficinas de costura e pequenas fábricas não têm existência legal e atuam numa zona cinzenta entre o cooperativismo perverso e o regime de semiescravidão. Além de cumprir uma jornada de trabalho

das 6 às 22 horas sem receber hora extra e com hora predeterminada para ir ao banheiro, os costureiros imigrantes também não têm carteira assinada e ainda são obrigados a deixar seus passaportes com seus patrões. E, sem documentos, não têm como abrir contas bancárias, guardando em casa as pequenas poupanças que vão amealhando, tornando-se assim alvo fácil de quadrilhas, como a que assaltou a família Yanarico Capcha. Em apenas seis meses no Brasil, a família foi assaltada quatro vezes. O último assalto só ganhou destaque na imprensa porque os criminosos, irritados com o choro de Brayan, que estava no colo de sua mãe, mataram o menino com um tiro na cabeça.

Depois de um protesto promovido por cerca de 200 bolivianos em frente ao 49ª DP, em São Mateus, a polícia prendeu três dos cinco membros da quadrilha - enviando dois para o Centro de Detenção Provisória de Santo André e um para a Fundação Casa, por ser menor de idade. Antes mesmo que as autoridades oferecessem a denúncia criminal contra eles, o Primeiro Comando da Capital (PCC) entrou em cena. Apesar de cometer boa parte dos crimes violentos de São Paulo, a facção alega não tolerar a morte de crianças. Dirigentes da organização detidos na Penitenciária de Presidente Venceslau - um presídio de segurança máxima - distribuíram uma circular em vários estabelecimentos do sistema prisional paulista, determinando a imediata execução dos integrantes da quadrilha que assassinou Brayan.

Dias depois da expedição da circular, os dois membros da quadrilha que estavam presos no Centro de Detenção Provisória de Santo André apareceram mortos, por terem ingerido uma mistura de creolina, cocaína e Viagra. E, quando os corpos foram recolhidos, detentos informaram aos agentes carcerários que a Polícia Civil não precisaria mais procurar os integrantes da quadrilha que estavam foragidos, pois o PCC já os havia assassinado a tiros, num matagal do bairro do Jaçanã, na zona norte. Os corpos já foram achados e identificados. Dos cinco integrantes da quadrilha, somente o menor internado na Fundação Casa - um adolescente de 17 anos - continua vivo.

Até o momento, o Departamento de Homicídios ainda não atribuiu ao PCC a responsabilidade pelas mortes dos quatro acusados de terem assassinado Brayan. "Mão temos detalhes, mas nenhuma hipótese será descartada77, disse o delegado Itagiba Franco. O irônico é que, dos quatro criminosos mortos, um cumpria pena numa penitenciária e, depois de ter recebido o benefício de passar o Dia das Mães em liberdade, acabou não voltando, Era um criminoso de alta periculosidade que recebeu, da Justiça, benefícios do regime da progressão - benefício esse que até o PCC considerou absurdo.

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