Salto adiado
Miriam Leitão
miriamleitao@oglobo.com.br
O governo teve duas ideias sobre banda larga: uma ruim, outra pior. Primeiro, a de ressuscitar uma estatal; a outra, que tem rondado certas cabeças coroadas, é a de entregar tudo para uma empresa privada, a Oi. Ampliar os serviços da internet rápida é importante, os caminhos é que são discutíveis. Há países com maior ou menor intervenção estatal, mas competição é fundamental.
Funcionários da Anatel estão indo para a Telebrás. Como eles têm hoje acesso a informações confidenciais prestadas pelas operadoras ao órgão regulador, as empresas não querem mais enviar seus dados à Agência.
Técnicos do setor dizem que ainda não se sabe o que é o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Provavelmente, nem o governo ainda sabe. A reportagem do repórter Valdo Cruz, da Folha de S.Paulo, esta semana, mostrando que algumas alas brigam para entregar a operação do PNBL à Oi é um exemplo disso. Só há uma coisa pior do que o monopólio estatal: o monopólio privado.
Nada aconteceu nos quase oito anos do governo Lula. Dinheiro sempre houve, no Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, o Fust, formado com um percentual do faturamento das empresas. Essa foi uma das boas heranças recebidas do governo anterior. Inicialmente se pensou num programa de informatização e conexão das escolas do país, mas isso nunca foi executado. Agora, o governo oscila no dilema entre recriar uma estatal ou privilegiar uma empresa privada para executar seu plano, mal formulado, mas com o objetivo declarado de ampliar dos atuais 14 milhões de residências com internet rápida para 32 milhões de residências em 2014. Tenta fazer um plano piloto em algumas cidades em tempo de usar no palanque.
- A meu ver, não temos um Plano de Banda Larga como em outros países, como Itália, Estados Unidos e Austrália. O que foi apresentado é um conjunto de intenções. O governo primeiro recriou uma estatal para depois pensar num plano, afirmou o presidente da Teleco, Eduardo Tude.
Advogados como Cláudia Domingues, especialista em telecomunicações, continuam explicando que a recriação da estatal fere a lei.
- Quando a Telebrás foi criada, em 1972, ficou definido que seu objetivo social seria o de promover a implantação dos serviços de telecomunicações por meio das subsidiárias. O governo mudou isso por decreto. Um decreto não pode alterar o que está definido por lei, diz.
E é ela que conta também o outro problema preocupante:
- A Anatel tem acesso a informações confidenciais. Algumas operadoras estão reclamando que não vão mandar seus dados à agência porque seus funcionários estão indo para a Telebrás.
O analista José Roberto Mavignier, da consultoria Frost & Sullivan, acha que a recriação da Telebrás tem três problemas: a empresa possui limites de investimentos, os funcionários não estão qualificados pela nova função, e a perda de quadros pela Anatel enfraquece a agência.
A Fundação Getúlio Vargas fez um estudo sobre os programas de banda larga no mundo e concluiu que fundamental é que haja competição.
- A literatura mostra que a concorrência entre as empresas é mais importante que a estrutura da propriedade, diz Luiz Schymura, ex-presidente da Anatel e autor da Carta do IBRE da FGV sobre o assunto.
"Países como Estados Unidos, Reino Unido, Suíça, Espanha, Dinamarca, Nova Zelândia adotaram a intervenção mínima, com incentivos gerados por forças de mercado para suprir os gaps" (de conexão), diz a Carta do IBRE.
Mas, Coreia do Sul, Austrália, Cingapura e Noruega estão executando planos de mais intervenção estatal e planejamento sócio-econômico do Estado. Em todos eles, há um plano objetivo com metas, financiamento, e escolhas tecnológicas claras. A Austrália, por exemplo, oferece internet banda larga de segunda geração, com velocidade de 100 Mbps. Aqui no Brasil, toda essa discussão é para oferecer um serviço de apenas 512 Kbps.
Ainda no exemplo australiano, lembra Schymura, a Telstra é dominante na oferta de banda larga tanto fixa quanto através de cabo. É a proprietária da única rede nacional de comunicações. Não há competição entre plataformas. "A Austrália, então, criou uma empresa estatal com o objetivo de construir e operar a infraestrutura de uma rede de acesso aberto que atinja 90% das residências e dos negócios de fibra ótica com tecnologia wireless para o restante dos usuários", explica a FGV. Essa empresa será privatizada no futuro.
Em alguns países, os planos incluem esforços de alfabetização digital da população, porque não basta o acesso. Todos têm incentivos financeiros para a população de baixa renda. Em nenhum país há uma carga tributária sobre os serviços de telecomunicações como no Brasil: os impostos somam mais de 40% do custo do serviço.
Estudos da GSM consultoria trazem comparações internacionais que mostram que o país está se atrasando e não resolveu um problema básico: apenas 32% dos domicílios brasileiros têm computador e isso é um limitador ao uso dos serviços.
Há várias questões técnicas sobre plataformas de oferta dos serviços, a melhor regulação para universalizar o acesso. Em vez de tratar isso à sério, o governo se perde entre a recriação de uma estatal ou a escolha de uma empresa privada para ser beneficiada. E tenta achar um jeito de usar esse plano apressado no palanque.
A privatização, no governo Fernando Henrique, permitiu que o país saísse de 1 milhão de celulares, no começo dos anos 90, para 180 milhões e permitiu que 82% dos domicílios tivessem telefone celular ou fixo. Esse foi o primeiro grande salto. O governo Lula está atrasando o segundo salto.
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